Aqui há dias, a Gestifute (leia-se Jorge Mendes) fez saber que a contratação do próximo treinador do Sporting não teria a colaboração nem participação daquela empresa. Vários paineleiros transmitiram essa informação nas tvs, alguns cartilhados inscreveram esse pequeno detalhe algures nos jornais. Ninguém aparentemente entendeu ou quis reflectir sobre o porquê da necessidade ou relevância dessa assunção.

Eu estranhei, por vários motivos. Um, nunca a Gestifute ou Jorge Mendes assumiram publicamente que estavam envolvidos na chegada de qualquer treinador a qualquer clube. Dois, porque se tornou então importante fazê-lo desta vez? Três, a quem se dirigiu realmente aquela nota informativa? E se pergunto, também respondo. Um, Jorge Mendes não gosta de mediatizar as suas operações, quanto menos foco para ele, melhor. O dinheiro não fala, canta. E canta melhor sem que multidões estejam atentas aos desafinanços do “show”. Dois, ao anunciar aos sete ventos que não está por detrás da escolha do próximo treinador, Jorge Mendes está de facto a retirar “a benção” que estendeu a José Peseiro (ou vocês acreditam que tantos opinadores da nossa praça são tão fãs do nosso José como parecem?).

E não ter “a benção” de Mendes implica mais ou menos a subtração de 80% da nossa imprensa. Implica críticas ferozes em vez de elogios vazios. Implica o “varrimento” da vida pessoal e broncas passadas nos CM’s do costume (como fizeram ao Mihajlovic). Implica muitas medalhas de lata na última página do Record. Implica horas de carvão em cima nas tvs, em ecrãs divididos entre imagens negativas do treinador e desaires da equipa. Implica toda e qualquer coisa que possa servir para denegrir a capacidade do treinador, de quem o escolheu, de quem o apoia.

Três, a mensagem não é para os espectadores quem está a ler o jornal, ou a escutar a rádio. É para quem lá trabalha.

E os “profissionais” entenderam-na “loud and clear”. Dessa nota em diante, a comunicação social transformou-se numa verdadeira carreira de tiro. Chamar-se Keizer, Olaf, Juan, John ou outro nome qualquer, era indiferente. Tivesse zero jogos disputados na Liga dos Campeões ou três troféus da competição lá em casa, também. Era para bater e eles bateram. Forte e feio. Levou por ter e não ter. Por ser e não ser. Por chegar e não chegar. Muitos acharam normal, “…afinal os argumentos usados tinham algum sentido”. Pergunto-me se verdadeiramente alguém perdeu 10 segundos a pensar nos “argumentos”. Se não perderam, eu perco.

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Dizem que Keizer não tem experiência, nem currículo para treinar o Sporting e que não conhece (não domina os meandros) do futebol português. Eu pergunto-me que vantagens retirámos destes factores nos últimos treinadores? Desde Lazlo Boloni (esse lisboeta marialva com cv impressionante e conhecimento profundo do tugão), último treinador campeão, tivemos Fernando Santos, Peseiro, Paulo Bento, Carlos Carvalhal, Paulo Sérgio, Couceiro, Domingos, Sá Pinto, Oceano, Jesualdo Ferreira, Leonardo Jardim, Marco Silva, Jorge Jesus e José Peseiro (pela segunda vez). 14 treinadores!

E zero título maiores. Não vou porém dizer que não é uma vantagem falar português, conhecer os terrenos, estar familiarizado com o nosso contexto futebolístico e que ter mais experiência é melhor que ter menos. Mas não são vantagens ou desvantagens eliminatórias ou handicaps inultrapassáveis. O mais essencial continuará a ser sempre o nível de empenho, persistência, assertividade, discurso e sagacidade do treinador. Mourinho, Leonardo Jardim ou Paulo Fonseca não são excelentes treinadores por serem portugueses ou por terem muito conhecimento do nosso futebol, mas porque diariamente tomam as melhores decisões nas suas equipas.

Decidem bem, planificam melhor, abordam cada jogador, jogo e táctica da forma mais impactante para se aproximarem da vitória. Deixemos-nos de hipocrisias, seria melhor que Marcel Keizer tivesse nascido na Madragoa, se chamasse Marcelo Cruz e que tivesse passado por vários clubes de nomeada do futebol europeu. Mas não é fundamental que não seja essa a realidade. O que é fundamental é que seja um bom treinador e que o prove no Sporting. E isso, meus amigos, ninguém sabe. Muito menos os opinadores da nossa praça, que andaram 3 meses a ver a nossa desgraça em campo e a assobiar para o lado enquanto enalteciam a coragem de Peseiro em estar no Sporting. Uma coragem que “desapareceu” para Keizer, no misto de chauvinismo, na penumbra da “não benção” de Jorge Mendes. Na arte de bem cavalgar “A Crise no Sporting”. Na “herança” de Bruno para Varandas, que deixou “herdeiros” apeados sem “terra e pão”, a pedir a esmola perdida com sabor tacho nas televisões.

Na verdade, o treinador ainda nem sequer está confirmado. Não há preto no branco. Mas venha quem vier, uma coisa pode ter garantida. O Rui Santos, o Joaquim Rita, o Rui Pedro Braz, o Ribeiro Cristovão e todos os outros não lhe darão paz nem sossego. Não lhe darão mais que fel e críticas. Não lhe darão nada do que deram em abundante luxúria a Peseiro. Tudo que conquistar no futebol português será graças ao seu talento e não ao apadrinhamento de outros, todo o reconhecimento que terá, será graças ao que os adeptos do Sporting lhe transmitirem e não pelo que verá ou lerá na Comunicação Social. Que não nos enganemos – o próximo treinador do Sporting está entregue a nós, o Sporting. Isso deveria ser suficiente. Temo que não seja, assim como temo o quanto nos transformamos por sermos tão vulneráveis a lixo televisivo e jornaleiro. A lixo que obedece às vontade de Mendes e outro mandantes.

PS – Li o post do Cherba e gostava de dizer só uma coisa. Não existe nenhum sítio como esta Tasca e a sua riqueza está totalmente concentrada na qualidade e razoabilidade do que escrevemos e comentamos. Mesmo uma tasca, quer-se de portas abertas, para que todos se sintam bem-vindos. Uns tornam isso mais fácil, outros cospem demasiadas vezes para o chão, fazendo gosto em que nem todos se sintam livres a escrever o que lhes apetece. No final do dia, não sei o que cada um de nós ganha com um ambiente de azedume e ódio, que afunila todas as questões para a mesma discussão de sempre.

*às quartas, o Zero Seis passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca