Num dia em que o céu esteve como chumbo, o jogo de Alvalade foi antecedido por acontecimentos capazes de desenterrar fantasmas, de mexer em feridas e de quase deixar para segundo plano o essencial. Ainda assim, numa mistura das reconhecidas carências com vários momentos de bom futebol, o Sporting foi capaz de ir em busca da vitória que lhe permitiu escalar mais uma posição na tabela e continuar a contrariar as crónicas de uma morte anunciada

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Nothin’ lasts forever
And we both know hearts can change
And it’s hard to hold a candle
In the cold November rain

Estávamos em 1992 e eu, com 15 anos feitos há três meses, ainda não me conformara com a saída do Douglas. O Douglas tinha saído do Sporting e eu não sabia bem o que fazer às meias na próxima vez que fosse jogar à bola, muito menos sabia quem me inspiraria nos treinos em que ainda sonhava vir a jogar no José Alvalade, o mesmo que jamais imaginava que viesse a ser demolido.

Estávamos no verão em que chegaria o Mister Robson, trazendo consigo essa máquina chamada Stan Valckx, que se juntaria ao mágico Balakov e ao incrível Ivailo Mochilas Iordanov e os três serviriam de amparo ao lançamento dos putos da melhor formação do mundo: o Figo, o Peixe, o Paulo Torres, o Porfírio… o Faquinha, esse gajo que pertencia aos gajos mais velhos da escola secundária e a quem era um desafio marcar um golo nos inter turmas… o Ivkovic continuaria a ir do 8 ao 80 enquanto o Schmechel era campeão europeu pela Dinamarca e se anunciava o aparecimento de um canal chamado SIC. A Bola ainda era em grande formato, lia-se na praia com os dedos gordurosos de bola de berlim e anunciava dois putos craques a caminho de Alvalade: Juskowiak e Cherbakov.

Era o tempo de todas as ilusões, era o ano de um cartaz incrível em Alvalade, com Soundgarden, Faith No More e Guns N’Roses! E nós, de mochila às costas e bilhete nas meias, que raisnospartam se alguém nos tirava o bilhete, rumávamos de todos os lados, ansiosos por pisar o tapete que pisava a relva e viver as emoções de um concerto que acabaria com o incrível Axl Rose a estatelar-se em palco por culpa das garrafas que o não menos incrível Mike Patton havia desafiado o público a atirar para o palco. E não imaginam a quantidade de vezes em que me lembrei dos solos de Slash desde as 18h30 de ontem, mais coisa menos coisa.

Bruno de Carvalho e Mustafa a caminho da cela, onde passariam a noite antes de serem ouvidos no âmbito da investigação à Academia. A bancada da Juve completamente vazia. Os fantasmas todos à solta, como as pessoas a falarem de tudo menos da possibilidade de saltarmos para o segundo lugar, algo que, conforme mostra o resultado, foi tudo menos fácil.

O Chaves até entrou melhor, ameaçou num cruzamento de Eustáquio (andamos nós a contratar Misics e Petrovics…), depois num contra ataque, mas, aos poucos, o Sporting foi pegando no jogo. Jovane deu o primeiro sinal de perigo, mas pegou mal na bola, e quando Bas Dost foi lá acima dizer sim ao cruzamento de Acuña, a partida já estava completamente dominada. O holandês voltava a sorrir e a fazer sorrir e o Sporting, com Gudelj mais fixo na posição seis, dando espaço a Miguel Luís e Bruno Fernandes para pensarem o que fazer, ia em busca do segundo. Dost esteve lá quase, como antes podia ter marcado Bruno Gaspar se não tivesse imaginado estar a jogar rugby quando viu a baliza. Veio o golo anulado e bem anulado ao Chaves, por fora de jogo (alguém ensine o Renan a fazer a mancha…) e veio um remate cruzado de Jovane que quase deu o segundo a fechar o primeiro tempo.

No recomeço, a equipa jogou mais e jogou melhor. Procurou dar largura, procurou ser mais rápida, teve em Acuña um dinamizador contagiante para os restantes companheiros. O Chaves praticamente não passava do meio-campo, Bruno Gallo era expulso numa decisão francamente exagerada (não é entrada para vermelho directo) e só faltava o Sporting juntar oportunidades à posse de bola. Até que, a dez minutos do fim, um tal de Niltinho resolve fazer o melhor golo da carreira e empatar o jogo.

Não sei se podemos falar de balde de água fria depois de um dia de chuva como o deste domingo, mas que foi um murro no estômago, lá isso foi. Mas um gajo encaixa, tal como encaixaram as 20 e poucas mil alminhas que responderam ao golpe com gritos de “Sporting!” e tiveram como recompensa, pouco depois, um penalti inquestionável sobre Bas Dost que o holandês converteria com a frieza habitual, assinalando o seu 66º golo em 66 jogos no campeonato português.

Estava confirmada a subida ao segundo lugar, antes da pausa que servirá para Marcel Keizer começar a trabalhar e ir ao encontro das sábias palavras Bas Dost: «antes de falarmos em títulos temos que jogar mais futebol». É um bocado por aqui, sem dúvida. Ou, se preferirem, Use Your Illusion para continuar a acreditar e conseguir ultrapassar esta November Rain que ameaça continuar a cair durante os próximos tempos e que convida cada um de nós a um solo de guitarra, introspectivo, à porta do local que tanto nos faz sorrir como chorar.

Ficha de jogo
Sporting-Desp.Chaves,
10.ª jornada da Primeira Liga
Estádio José Alvalade, em Lisboa
Árbitro: Tiago Martins (AF Lisboa)

Sporting: Renan, Bruno Gaspar, Coates, Mathieu, Acuña, Bruno Fernandes, Gudelj, Miguel Luís, Jovane (Diaby, 68′), Nani, Bas Dost
Suplentes não utilizados: Salin; Lumor, Petrovic, Misic, Castaignos, Montero
Treinador: Tiago Fernandes

Desp. Chaves: Ricardo; Paulinho, Maras, Marcão, Luís Martins, Bressan (João Teixeira, 80′), Eustáquio, Gallo, Perdigão (Niltinho, 69′), André Luís, Avto (William, 80′)
Suplentes não utilizados: António Filipe, Hugo Basto, Jefferson, Lionn
Treinador: Daniel Ramos

Golos: Bas Dost (23′), Niltinho (81′), Bas Dost (86′)
Ação disciplinar: cartão amarelo a Gudelj (46′), a William (82′), Paulinho (93′) cartão vermelho a Bruno Gallo (70′)