«Quando se está num clube de topo pretende-se conquistar títulos. Vamos tentar fazer desta equipa do Sporting uma equipa forte e espero acrescentar uma filosofia de ataque e uma pressão alta a defender».

No dia da sua apresentação oficial, Marcel Keizer foi comedido nas palavras. No fundo, como se esperava. Afinal, este desconhecido, de ar meio desengonçado, chega a Portugal com milhares de sobrolhos levantados em jeito de desconfiança e sabe que este é o maior desafio da sua carreira. Ou um grande desafio, como ele próprio afirmou.

E esse é o primeiro motivo que me leva a gostar de Marcel Keiser: o facto de chegar rotulado de tudo e mais alguma coisa. Negativamente, claro. Foi um verdadeiro festim para os comentadores cá do burgo, indignados por não se ter escolhido um dos treinadores que eles achavam que devia ter sido escolhido. Aliás, nos últimos seis ou sete dias, sempre que falo com um Sportinguista deparo-me com uma descrença total em relação ao homem, pelo simples facto de “ninguém o conhece”.

Diz que a história também é feita de “ninguém o conhece” e não precisamos ir muito longe para nos recordarmos de um tradutor chamado Mourinho. Não que eu quisesse o Mourinho no Sporting, #deusmelivre, mas parece-me um óptimo exemplo. Mas temos mais. O treinador do Loures deu um banho de bola ao Peseiro e logo se escutaram coisas como “tem futuro”, “tem filosofia de jogo”, “é melhor do que o nosso”. Também temos o treinador do Estoril, de quem “vê-se futebol”, “este gajo era capaz de ser uma boa aposta”, “vê-se trabalho”, “é de ficar de olho nele”. Mas, se quiserem, podemos ir mais longe: que raio de merda assim tão relevante tinha feito Marco Silva quando foi contratado ou, como tenho perguntado nos últimos dias, porque raio existem tantas cuecas molhadas à conta do Miguel Cardoso? É por ter a cueca mais morena? Por ter dado um futebol giro ao Rio Ave? Por ter experiência na formação? (ai, espera…) Por terem lido duas entrevistas catitas do gajo?

Bem, aposto que muitas respostas surgirão na caixa de comentários, por isso encerro esta parte do “dar uma oportunidade a desconhecidos” com a simplicidade com que tenho terminado muitas trocas de ideias cara a cara: um desconhecido só o é até fazer o suficiente para ficar conhecido. Se não há margem para se apostar em quem tem pouco CV, então porque raio queremos apostar em jovens jogadores? Ou, se preferirem, pensem em todas as áreas profissionais e em quantos talentos ficariam eternamente abafados porque… “ninguém o conhece”.

Depois, algo que me parece relevante. Muito. Frederico Varandas pode ter dificuldades em exprimir-se publicamente, mas é tudo menos parvo. E sendo tudo menos parvo, estaria a ser uma repimpada besta se metesse a cabeça no cepo à conta do treinador. Claro que seria mais fácil ir buscar um nome conhecido, mas ele não o fez e preferiu ir buscar alguém cujo perfil encaixa no perfil traçado para treinador do Sporting que, sabe-se, na cabeça do actual presidente seria Leonardo Jardim. Mas o madeirense tem tudo menos vontade de regressar a Portugal neste preciso momento e, diz-se, até terá sido ele uma das pessoas a falar de Keizer a Frederico Varandas precisamente por… encaixar no perfil.

Terceiro motivo, não é? O perfil. Não sei se já vos pareceu significativo, mas as maiores mexidas ao nível do futebol visam ir ao encontro do projecto traçado. Reforçou-se o scouting, reforçou-se a componente científica do treino e tudo isto é feito apontando a um trabalho de bases. A um trabalho que começa na formação. Sim, eu sei que o Sporting precisa ganhar um campeonato tanto quanto eu preciso de umas férias de uma semana num raio de um resort algures perdido num mar quente, mas sem um trabalho estruturado essa conquista, loucamente saborosa, será tão efémera quanto as duas últimas e não nos aproximará da possibilidade de tornar o ser campeão em algo minimamente recorrente e condizente com a grandiosidade do clube que nos apaixona.

Depois da vitória frente ao Chaves, Bas Dost deixava uma frase lapidar: «Não interessa se é holandês ou português, interessa é ganhar mais e ter mais futebol… mais futebol… mais futebol. Depois falaremos de títulos.» Parece um pensamento simples, mas vai precisamente ao encontro do que escrevi acima. Existe um processo. Eu sei que a paciência de um Sportinguista é tão grande ou tão pequena que é complicado entendê-la, mas, caraças, se virmos que existe um processo não vale a pena dar-lhe tempo? Não dizemos, hoje, por exemplo, que era bom ter continuado com Mirko Josic?

Bem, resumidamente, eu estou na disposição de dar uma oportunidade a Marcel Keizer e peço desculpa se faço cócegas a alguém por isso. É capaz de não ser assim tão mau um gajo que foi importante para o surgimento de jogadores como De Ligt, Nouri, Kluivert, F. de Jong ou Eiting, tal como é capaz de não ser assim tão mau um gajo que trabalhou as bases da equipa do Ajax que actualmente disputa a Champions.

Sim, é verdade que durou pouco à frente da equipa principal dos holandeses, na época 2017/18, mas também é curioso perceber que foi despedido depois da derrota nos 1/8avos da Taça, frente ao Twente, na marcação de grandes penalidades, numa altura em que o campeonato ia na 17ª jornada e o Ajax seguia em segundo, a 5 pontos do líder PSV, tendo o melhor ataque (com 3 golos de média, num total de 51) e a melhor defesa (com 16 golos sofridos).

Despeço-me com uma curiosidade final: desde que Quique Setien pegou no Bétis, os sevilhanos tornaram-se na terceira equipa mais vista em La Liga, logo a seguir a Barça e Madrid. Mas, claro, o Bétis sonhou sair da crise e assumir-me como uma das principais equipas aqui ao lado e, para isso, apostou num treinador com um cv do cacete, onde o clube onde passou mais tempo foi o Deportivo Lugo e onde nem falta uma passagem pela seleção da Guiné Equatorial.