Estes dias caracterizaram-se pela demonstração escarrapachada, mais uma, da total falência da moralidade cívica em Portugal. E digo falência, para não dizer ausência. Este é um problema que não se explica ficando-se limitado ao tema-futebol.

A falência de Cidadania, entendendo-se por isso aquele sentimento público do que é admissível e do que deve ser inadmissível, e que indica o que depois se deve legislar em consequência desse sentido moral, deve-se a uma ausência de capacidade da população acreditar e mudar este estado de coisas. Em tempos pós-ditadura, a culpa foi de uma deseducação do povo em geral, que não sabia e por isso não exigia, mas hoje em dia deve-se sobretudo ao amordaçar daquilo que deviam ser os motores de uma cidadania saudável, entenda-se: Justiça e Meios de Comunicação Social. Que se querem independentes dos interesses que, em Portugal, os esvaziam da relevância que deveriam ter.

Vivemos num regime de Estado-monstro, que capitaliza a maioria dos rendimentos da sua população com impostos directos e indirectos, alegando uma virtuosa capacidade de redistribuição pelos que mais precisam. Claro que, sem me querer alongar no tema, a alegação não surte quaisquer efeitos práticos, os necessitados continuam necessitados, e o grosso desses rendimentos dirigem-se para grupos de interesse comodamente instalados na estrutura partidária, manipulando-a, comprando-a e esvaziando-a transversalmente, independentemente do sentido de voto nas urnas. Só isso explica os milhões que se encaminham para bancos que desajeitadamente nos tentam explicar que não podem falir, para empresas que se servem de « investimentos públicos» para enriquecerem, em troca de todo tipo de favores aos que assim « redistribuem » o nosso dinheiro. Controlo total, e ao mais alto nível.

Com isto nomeiam-se procuradores « simpáticos » que não chateiam e afastam-se dos lugares que interessam os que chateiam, numa promiscuidade com a Justiça que a neutraliza.

Paralelamente ao Estado-monstro tomado de assalto pela malta do dinheiro, com o domínio sobre um sistema Judicial que se queria independente, e que assim perde a função, seria essencial o papel dos Meios de Comunicação Social, que se desejariam críticos e denunciadores do pantanal em que todos vivemos. Por isso, quer directamente na parte relativa aos « canais do Estado », quer indirectamente relativamente aos « independentes », as Direcções dos jornais, televisões e rádios são escolhidas pelos perpectuadores do status quo, que as compraram e tomaram de assalto, tendo feito com os jornalistas o que o Estado fez com os Procuradores da República e outros domínios da Justiça, asfixiando pelo caminho qualquer veleidade de jornalismo independente, tornando-o financeiramente inviável e morto à nascença.

E assim tudo se silencia sobre os poderes instalados e corruptos, dando-se relevância ao acessório para disfarçar o essencial. Pensadores independentes são silenciados, desacreditados, remetidos à condição de falsos profetas. São os Paulo Morais desta vida, maluquinhos, que gritam sem ninguém lhes dar palco.

Tal como foi o BdC, antes da sua apoptose. O interesse político no futebol é, essencialmente, o da captação de simpatias dos adeptos, sendo que neste caso o clube mais agregador é aquele que interessa, num sistema político que assenta na conquista de maiorias. Depois há os enormes interesses financeiros dos agentes que gravitam à volta do fenómeno, e que tomaram por isso há muito tempo de assalto os Meios de Comunicação Social que os poderiam denunciar. Até o fenómeno Judicial foi comprado, sem que as instâncias superiores tenham qualquer interesse em molestar a maioria dos seus eleitores, por gostarem dos seus votos por um lado, e por terem provavelmente o rabo preso por outro.

A esperança? Não tenho. Nem que apareça outro Bruno Quixote de Carvalho menos suicidiário que o anterior. Não há um sentido de Cidadania ou de « moral pública » em Portugal que condene o esgoto a céu aberto em que o futebol e tantas outras instituições se tornaram, não há Justiça que a condene, não há Comunicação Social que a denuncie, e não há espaço a alternativas em quem votar para mudar este estado de coisas. É um país amordaçado e amarrado à teia de interesses que gravita à volta desse estadinho bacoco e servil para os ricos e fortes, e que só levanta a sua voz contra os fracos e aqueles que se atrevem a contestar esta miséria.

«Os animais são todos iguais, mas há uns mais iguais que outros». E por cá, o Leão é seguramente menos igual que a galinha. Em Portugal, o futuro para o Sporting é zero. Isso para não falar da generalidade dos portugueses, mas isso seria outra história, que até já está a ser contada há vários anos… E eu sei que isto não é o que todos gostaríamos de ler.

ESTE POST É DA AUTORIA DE… Placebo
*às quartas, a cozinha da Tasca abre-se a todos os que a frequentam. Para te candidatares a servir estes Leões, basta estares preparado para as palmas ou para as cuspidelas. E enviares um e-mail com o teu texto para [email protected]