Se existiam dúvidas, a noite de ontem dissipou-as: no mais exigente desafio da era Keizer, o Sporting foi a Vila do Conde e foi melhor do que o Rio Ave, voltando a fazer sorrir os seus adeptos com um futebol pressionante e enleante, onde procurar o golo é tão natural como gostar de jogar à bola

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«Eu não tinha mandado Peseiro embora». A frase, a roçar o ridículo, sai da boca de Jorge Jesus e não podia ter melhor timing para ser publicada, a reboque de uma entrevista. Lembra-nos, desde logo, que o Sporting perdeu quase ano e meio entregue a gente que vive de boa imprensa e que, aos poucos, nos ia afastando do prazer de ver o Sporting jogar, vendo o Leão aprisionado numa jaula de concepções tácticas enferrujadas, de jogadores aprisionados em medos que se vendem como genialidades, em desculpas e em tiradas balofas que cansam e desgastam enquanto dão aos adversários todo o tempo do mundo para saberem como jogamos e ser-lhes fácil colocar-nos em cheque.

Isso mudou da forma, diria, mais natural do mundo: chegou um treinador novo, com ideias novas e, mais importante ainda, sem a mínima preocupação em parecer bem ou em agradar aos “entendidos cá do burgo” que se apressaram a passar um atestado de incompetência a um homem que nem conheciam. Como está bom de ver, esse homem, Marcel Keizer de seu nome, além de nem perder tempo em ouvi-los, tratou de focar-se em implementar as suas ideias que, ontem, no teste mais exigente dos primeiros três que lhe foram colocados, devem ter deixado muito catedrático com pesadelos.

Desde o apito inicial, mesmo com o tremelique de Renan que começou mal e acabou a calar a boca a este gajo que vos escreve com duas defesas do cacete, o Sporting quis ser e foi melhor do que o Rio Ave. Ponto. E quando escutas o pateta do treinador vilacondense choramingar que o árbitro não apitou para ser marcada a falta que daria origem ao primeiro golo, percebes o quão melhor foste.

Tinha saudades desses lamentos, tinha saudades de ver a minha equipa entrar para marcar cedo, tinha saudades de vê-la marcar golos como esse, o tal que provocou mimimis e que mais não é do que um golo de equipa adulta, concentrada, pronta a aproveitar qualquer desatenção do adversário. E quando Coates bateu rápido o livre a seguir ao meio-campo, com a bola parada, paradinha, como mandam as regras, ainda por cima atrás da zona onde a falta havia sido feita, Bruno Fernandes recebe, dá para Nani, o capitão espera o tempo que tem que esperar e isola o camisola 8 para um remate cruzado sem hipótese.

Estava aberto o marcador, já depois de Mathieu, no seguimento de um canto, ter ameaçado fazê-lo (não sei se já repararam, mas até as bolas paradas parecem começar a ser trabalhadas) e de um defesa ter roubado o pão da boca de Bas Dost.

Respondeu o Rio Ave e logo com um golo. Livre directo bem executado por João Schmidt, com a bola a contornar a barreira pelo lado de fora e a colocar novamente o jogo empatado. Eram 15 minutos que confirmavam as promessas de um bom jogo e o que veio a seguir confirmou como este Sporting está revitalizado. Resposta pronta dos verde e brancos, com Dost, Bruno Fernandes e Diaby a deixarem o grito de golo preso na garganta dos seus adeptos. O Rio Ave estava lá atrás e Acuña foi lá à frente, numa arrancada furiosa lançada pela classe de Nani que terminou num cruzamento perfeito para a não menos perfeita entrada de Bas Dost, de cabeça, respondendo em campo a quem o considerou “um avançado pouco abrangente” fora dele.

O jogo estabilizou, com o Sporting a ter mais bola, a chegar mais vezes à área adversária, e com o Rio Ave a apostar tudo nas arrancadas de Galeno, um gajo realmente complicado de marcar. Mathieu falharia por pouco a emenda a um canto e, do outro lado, um desentendimento entre Renan e Acuña quase dava o golo do empate ao adversário, mesmo antes da saída para o intervalo.

No recomeço, enorme jogada de futebol tricotado por parte dos Leões, com a bola a passar de pé para pé ao longo da área até encontrar o canhoto de Acuña para o cruzamento que daria um grande golo de Dost se Dost não estivesse fora de jogo. O Sporting tinha mais bola, o Rio Ave começava a endurecer o jogo, Keizer tirava Acuña antes que fosse Xistra a fazê-lo sem direito a substituição. Jefferson entrou e, na sequência de um livre, viu Renan fazer duas defesas do cacete, a segunda com a cara, impedindo que Schmidt bisasse na partida.

O Sporting dava abébias nas bolas paradas e Keizer trocava Diaby por Jovane Cabral que demorou três minutos a acabar com a brincadeira, antes de Renan fazer mais uma grande defesa a cabeçada de Coentrão: vindo da direita, o puto recebe, ajeita à entrada da área e quase como se fosse um livre em movimento espeta uma bomba cortada ao ângulo mais distante da baliza de Leo Jardim. O redes do Rio Ave, não o carequita que, diz-se, terá sugerido a Varandas que fosse buscar o carequita holandês que, com a bomba do 77, quebrou o gelo e festejou de punhos cerrados para a bancada, como se estivesse a celebrar um pontapé em meses de letargia. Woo-hoo!