Era fácil para qualquer sportinguista entender que tudo o que aconteceu no final da temporada passada e durante todo o Verão iria ter consequências graves quanto à competitividade da equipa de futebol profissional. Disseram-se muitas coisas em qualquer conversa entre dois ou mais adeptos, mas a mais unânime seria decerto que as próximas temporadas estariam possivelmente comprometidas. O entendimento que o verdadeiro terramoto institucional iria condicionar quer a imagem, quer as finanças, quer a resiliência dos jogadores (os que decidiram permanecer) era mais do que um palpite, era um facto previsível.

A verdade é que as “emendas” da Comissão de Gestão foram apenas um curativo ligeiro para as feridas graves que o futebol tinha sofrido. Empurrou-se com a barriga para a frente e prometeram-se curas mais pela fé do que pelo tratamento. Não sou dos que achou que era inultrapassável todo o longo episódio de fraturas e ódio visceral, mas também não me consigo encontrar entre os que sempre abundavam de optimismo quanto ao sucesso desta temporada.

Vi a aposta em Peseiro como uma espécie de penso rápido, daqueles que com o passar do dia vão perdendo adesão e chegam rápido ao ponto em que parecem mais danosos para a ferida do que benéficos. Mas também vi jogadores que fizeram questão de manter o mínimo de qualidade exibicional, dispostos a competir ao mais alto nível, não dando a época por perdida logo no seu início.

Com a chegada de um novo elenco directivo, chegaram também novas promessas. Novos métodos de gestão, uma nova atitude, mais introversão e foco na vertente interna, uma nova abordagem quanto à valia e potencial do produto oriundo da Academia. Das promessas aos actos, gerou-se um ambiente de maior esperança, sobretudo devido ao impacto positivo provocado pela entrada de um novo treinador. Com Marcel Keizer, a equipa deu sinais que a história poderia ter um final bem mais feliz que o previsto no início da época.

Embebidos num Keizerball ao melhor estilo de uma verdadeira Ilha da Fantasia, as hostes animaram-se e durante semanas as fraquezas pareciam ter desaparecido dando lugar a forças imparáveis. O “clique” parecia tão poderoso como durável e apenas a desconfiança crónica leonina com os karmas fantasmagóricos mantinha ainda uma reserva quanto ao futuro da nossa aspiração ao título. O jogo em Guimarães foi um verdadeiro stop à euforia, o jogo em casa com o Belenenses (ou a sua SAD) trouxe dúvidas e a derrota em Tondela certezas. As tais certezas que ninguém quiz assumir, as tais certezas que abrem muitos pontos de interrogação.

A assunção que perdemos em Tondela porque os jogadores não tiveram a atitude competitiva mais justa é precipitada e simplista. Primeiro e antes de mais nada, Keizer errou. A manobra da equipa não funcionou, primeiro porque parece ter passado completamente ao lado do que é jogar em Tondela e o que é o conceito de jogo de Pepa, principalmente quando defronta Porto e Sporting. Depois, porque insistiu num desenho sem avançado fixo e num conjunto sem referência para aproveitar o espaço nas alas para desferir cruzamentos. Na verdade, desde que os nossos adversários passaram a povoar o centro do meio-campo, com vigilâncias apertadas a Bruno Fernandes e à primeira fase de construção do nosso triângulo, as dificuldades de dominar o jogo aumentaram drasticamente.

Se olharmos bem este último jogo, podemos verificar que a nossa equipa foi ineficaz em vários parâmetros, desde a finalização (se Diaby tivesse pelo menos aproveitado uma das duas oportunidades que teve, o jogo seria completamente diferente), à construção (perdeu-se o fio de jogo durante o tempo em que as equipas estiveram em igualdade numérica) e mais óbvio ainda – a confiança (muitos jogadores estiveram muito longe dos seus padrões exibicionais). Tudo isto possibilitou que o Tondela entrasse a ganhar, cometesse erros que costumam custar derrotas e ainda acabar por levar os 3 pontos, com quase metade do jogo com menos um jogador.

É aceitável? Não. Não é admissível que tantas coisas falhem ao mesmo tempo num jogo mais que acessível. O Tondela fez o que esperava e a diferença entre as duas equipas é muito maior que o que vimos no terreno. Então, como explicar esta falência coletiva? O que aconteceu? Como? Na ressaca de Segunda-Feira e durante o resto dos dias, todos temos feito estas perguntas de forma mais ou menos exasperada. Usando de alguma lógica poderemos responder a algumas, mas a maioria ficará por satisfazer nos próximos confrontos.

Na minha opinião, o Sporting teve em Tondela a junção infeliz de 3 factores que contribuíram para aquela miserável exibição:

1/ Erro táctico – MK privilegiou a troca de bola, em vez de um modelo mais conservador. O problema é que o adversário não permitiu espaços no preciso local que o Sporting elege para “pensar” o ataque. O Tondela deu as alas, mas sem referência na área e com laterais como Acuna e Gaspar, ficámos longe de conseguir construir por ali, ficámos longe de entender onde o lençol de Pepa estava mais curto. Ir com Diaby, em prejuízo de Luiz Phellype é todo um sinal do quanto MK ainda tem que aprender e possivelmente a qualidade dos seus “conselheiros” na restante equipa técnica.

2/ Reação – Os jogadores do Sporting, sofrendo o golo tão cedo, demoraram uma eternidade a entender a mensagem que aquelas entradas agressivas dos adversários significaram. Não era jogo para o talento ou toques de classe, não era hora para trocas de bola curtas e futebol rendilhado. Os níveis de resposta deveriam ter subido muito, a simplicidade devia ter sido a prioridade, desenhos toca e corre, subidas rápidas e pé firme na disputa da bola.

3/ Qualidade – Tondela também trouxe muitas mais dúvidas na qualidade, mental e física, de alguns jogadores. Não deveria ter sucedido, mas muitos jogadores perderam completamente a capacidade para entender o que o jogo pedia ou simplesmente não foram capazes de impor uma mudança acima no seu esforço. Na hora de arregaçar as mangas e ir à luta, muitos esconderam-se, afundando o colectivo numa sombra do que já foi.

Resumindo tudo numa ideia geral, penso que o Sporting tem uma plantel curto, com poucas individualidades acima da média, que num bom momento pode disfarçar as suas deficiências, mas pouco capaz de resistir ou ultrapassar níveis máximos de dificuldade, sejam provocados por adversários, lesões ou acasos infelizes do jogo. Marcel Keizer não pode refugiar-se tanto nas preocupações internas e deve procurar intensivamente entender o que são as idiossincrasias do futebol português, retirando obrigatoriamente razão aos “abutres” que pregam a primazia e dependência do “treinador português”.

Estes dois problemas têm solução, mas dependem primeiro da sua observação como facto. Dependem depois de soluções eficazes. A primeira depende enormemente de uma saúde financeira que o clube não tem. Pode atenuar, sobretudo com decisões pragmáticas quanto à redundância no plantel e um scouting que consiga encontrar diamantes em hortas. A segunda será mais fácil, mas não passará por adjuntos holandeses, com zero de “tempo de combate” em solo português. Sobretudo nesta primeira época, o treinador principal deveria ter tido o apoio especializado de um verdadeiro “treinador sombra”, alguém que desse a Keizer o conhecimento e previsão que os relatórios de observadores tácticos não conseguem nunca dar.

A 8 pontos da liderança, que poderão passar a 5 ou a 11 (ou manterem-se), o próximo jogo é mais um enorme teste ao que é este Sporting de 18/19. Se formos honestos, podemos pensar que será a última oportunidade de afirmar que fazemos parte das contas do título. Se formos ainda mais honestos, imaginamos todos que há vida para além da disputa do título, com o apuramento para a Champions e as Taças. Mas para quem está a ver o quadro como eu estou, as sombras parecem tapar o nosso lugar ao solo a cada momento de decisão que tem surgido e não culpo os atletas, o treinador ou a Direção vigente. Muito menos culpo adeptos ou sócios.

A verdadeira culpa está, pelo menos na minha opinião, na verdadeira montanha russa que não nos permite seguir um rumo, não nos permite sair da floresta de problemas, broncas, polémicas e golpes sucessivos para ver o melhor caminho a seguir. Pode às vezes parecer que mesmo batendo contra as árvores, continuamos a caminhar. A verdade é que caminhamos mais lentos e muitos mais preocupados com as árvores, que a concorrência.

Para 2019, como já apontei noutros posts aqui na Tasca, desejo um novo desenho, uma visão global e profunda do caminho a seguir. E elejo para “missão do ano” que este plano estratégico escape às “árvores” que muitos farão questão de nos mandar para o caminho. Porque nem todos contribuem para um Sporting confiante. Nem todos querem “um Sporting competitivo”. A estratégia de muitos competidores passa por colocar os seus “parceiros estratégicos” a minar-nos o terreno, pois a sua própria desgraça nunca parecerá tão má, comparada com a nossa. Só terão sucesso se o permitirmos e há limite para a quantidade de merda que teremos de comer, na vã ilusão que desarmamos inimigos com pacatez e compromissos.

Enquanto a maré não mudar, não valerá a pena tentar subir rios. Contamos apenas connosco e com os nossos. A guerra com os polvos e os seus comendadores não será nunca ganha num dia, mas persistentemente ao longo de várias épocas, evitando as árvores e sobretudo…não comendo merda. Não vamos ter malas, árbitros, VAR’s, imprensa, equipa, dinheiro, empresários ou investidores. Mas podemos ter inteligência, astúcia, visão e eficiência. Precisamente o que mais nos têm faltado. “Não dão campeonatos!” dizem. Claro que dão. A aldrabice e a chicoespertice é a arma dos preguiçosos ou incompetentes que querem os prémios que desconfiam não ter a arte ou o talento de conquistar honestamente.

Mas o esquema não faz crescer, não faz evoluir, não desencadeia paixão ou aumenta valor. E num dado momento a balança começa a pender para o lado da competência. O problema é que o Sporting raramente tem entendido o que é ser competente no futebol português, mudando sucessivamente de gestão e de gestores, tornado praticamente impossível sustentar ou enraizar um modelo que dê espaço e tempo, que dê trunfos às equipas, em vez de dificuldades.

*às quartas, o Zero Seis passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca