Lutar pelo título de campeão é a grande meta em qualquer época do Sporting. Qualquer que seja a época, qualquer que seja a real legitimidade para chegar a esse objectivo, esse é o designío constante do nosso clube. Infelizmente nem sempre o atingimos, às vezes nem perto chegamos. Esta temporada é peculiar nesse sentido, pois partimos para a mesma sem grandes ilusões que disputaríamos o primeiro lugar e a páginas tantas do Keizerball imaginámos ser natural fazê-lo. Nas passagens por Guimarães e especialmente por Tondela, deixámos créditos por terra e a terra mágica das goleadas semana sim, semana sim deram lugar ao fosso profundo de “andar atrás do Braga”.

Somos apenas adeptos, adeptos de um clube que oscila tanto como tem dificuldades em fundar a legitimidade, autoridade e carisma dos seus dirigentes. A praxis está em permanente mutação e os resultados tendem a não surgir de forma sustentada. O que queremos? O que achamos coerente exigir? Porque falhamos? Há forma de a curto prazo ter aquilo que queremos ou exigimos? O que somos ou qual a nossa força no contexto da competição com os nossos rivais?

É extremamente fácil colocar por cima das nossos juízos de valor a conjetura intangível da “força do Leão”, do “universo leonino”, da “onda verde”, do “clube mais isto e aquilo da Europa e do Mundo”. Mas até que ponto a grandeza, história, popularidade ou expressão social materializa competência, aptidão ou qualquer outra qualidade objectiva importante para estimular os níveis de competitividade que empregamos (nomeadamente na disputa pelo título)? A minha resposta, pode haver outras, é… pouco.

No passado, na era dos clubes de futebol e não das SAD, ter 100.000 sócios pagantes era sinónimo de enorme capacidade de investimento. Era mais fácil atrair os melhores atletas, era muito mais fácil pagá-los, era simples chegar ao Brasil, Argentina, Bulgária, Jugoslávia ou Russia e recrutar as maiores promessas. O contexto hoje é muito mais complexo, mais global e tentacular. Esta é a era dos empresários, dos contratos televisivos, do Moneyball, das CMTVs e redes sociais, o tempo das engenharias e ciências financeiras. Não há espaço nem tempo para amadorismos e muito menos a história ou dimensão social decide jogos ou títulos.

O dinheiro manda. O crédito compra. A obra já não é sonhada, é financiada. O futebol já não é um desporto. É um elaborado esquema financeiro que ainda usa um espectáculo desportivo como plataforma de medição e transacção de valores. Os clubes mais ricos (e não maiores) prosperam, os clubes mais ricos das ligas mais endinheiradas (e não maiores) prosperam muito mais. A força de um clube já não é medida em números de sócios, capacidade do estádio ou número de títulos conquistados. O que vale hoje é o seu orçamento, o valor do seu contrato televisivo, a quantidade de empresários e marcas que gravitam à sua volta.

Nesta nova era, que se iniciou com a Lei Bosman e se firmou com a decalage dos prémios das competições europeias, o Sporting (como não vê-lo) está longe de estar adaptado às suas exigências principais. Para prosperar nesta “nova ordem” futebolística é preciso ter 4 definições, ou se quiserem, 4 competências essenciais:

1/ Estrutura empresarial
Se vivemos num ecosistema essencialmente financeiro, há que pensar como empresa e agir como empresa. Não é o título que permite enriquecer, enriquecer é que permite conquistar títulos. Embora associados, ambos os objetivos têm de ser priorizáveis. O problema no Sporting é que não somos campeões há demasiados anos e ninguém está disposto a esperar, a contemplar anos de “conquistas financeiras” sem ver tradução desse crescimento no terreno de jogo. Queremos tudo, ao mesmo tempo, em todo o lado. Mas não tenhamos ilusões, sem uma grande equipa – cheia de grandes jogadores – o Sporting não será campeão. Todas as “forças ocultas” da nossa Liga não nos permitirão qualquer esperança de lutar “entre iguais”, pelos mesmos objectivos. Isto já está demasiado “torto” e em inclinações enraizadas. Como contratar melhores jogadores que os outros, sem ter mais dinheiro que os outros? Como capitalizar a SAD do clube mantendo os adeptos crentes que se está a percorrer o melhor caminho? O ponto a seguir poderá facilitar essa tarefa.

2/ Comunicação – Somos o que comunicamos
Num mundo em que um esquimó mete like numa foto do Cristiano Ronaldo, 2 segundos após quem gere o perfil do mesmo ter feito a sua publicação, podemos dizer que existir é comunicar. E quanto maiores e mais dinâmicos somos, mais comunicamos. A posição, peso e influência de qualquer pessoa passou a ser medível pela sua constância, alcance e qualidade comunicativa. Se o Sporting quer estar entre os primeiros, transmitir essa imagem e lucrar com a mesma – deve comunicar mais, melhor e mais rápido que os seus competidores. O espaço mediático e uso que se faz do mesmo vale dinheiro, cada vez mais dinheiro. És quem pareces ser. O “penso logo existo” cartesiano deu lugar a um definitivo “comunico, logo existo” e comunicar bem é quase tão importante como a qualidade das decisões que se tomam.

Projeção – é a pedra de toque. Seja para mobilizar, convencer, articular ou fortalecer a base de apoio – o Sporting tem de encarar o acto de transmitir ideias, prioridades ou planos como natural. Nenhuma empresa cresce sem vendas e sem parceiros, nenhum país cresce sem o crescimento dos seus cidadãos, nenhum ideal assenta sem adesão ou debate. O Sporting não deve temer, evitar ou relevar para segundo plano o acompanhamento por parte dos adeptos quanto ao que querem e planeiam fazer. Antes pelo contrário, deve tornar essa “comunicação” com os adeptos clara e cristalina, tão assídua quanto possível, de preferência suportada por bons critérios definidos há décadas pelas ciências da comunicação e seguindo os padrões estéticos (textuais, digitais, oratórios ou visuais) mais consensuais do momento.

3/ Inovação
Fazer o que os outros fazem, depois de outros o fazerem pode ser encarado como “best practices”, mas não chega. Há que pensar mais adiante de forma mais ambiciosa e com mais criatividade. Hoje em dia nenhum produto, marca ou instituição se pode dar ao luxo de não estar em permanente evolução e reinvenção. Só é possível fazê-lo trazendo para dentro do Sporting massa humana compatível com essa mentalidade. Encarando o clube e a SAD como organismos que fazem coisas, é possível em centenas de fases de centenas de processos tornar o “mecanismo” mais ágil, mais rápido e eficiente. É sobretudo vital que toda esta mudança vá interferir no “resultado”, obtendo taxas de eficiência muito mais satisfatórias. O processo conta, as pessoas contam, a definição e medição objetiva da qualidade do processo e das pessoas conta. Como grande clube e com as maiores ambições, o Sporting deve ter a mais alta exigência sobre a qualidade e eficiência que desenvolvem os seus dirigentes, atletas e funcionários. O exemplo vem sempre do topo. O respeito advém das condições dadas pelo topo, para que todos os outros ajudem ao cumprimento das metas globais. O crescimento interno faz-se de forma ascendente e não descendente. Quanto melhor a base operadora, melhor o topo decisório. Não compreender isto está a matar a SAD do Sporting e a sua capacidade para se reinterpretar.

4/ Cultura/ Identidade
O Sporting não é o Real Madrid, não é o Real Massamá, não é o Ajax ou o PSG. Os nossos adeptos percorrem a diáspora lusa, encontram-se por toda a comunidade lusófona, falam maioritariamente português. O Sporting é eclético, elege a transparência e adora debater-se em tudo. O Sporting é participado, tem uma rivalidade visceral ao Benfica, um enorme contraste cultural com o Porto e despreza o papel puxa-saco do Sp.Braga. O Sporting privilegia craques e acarinha jovens da formação, dando muita importância e preocupação ao estado das suas finanças. O Sporting é apegado aos seus códigos (símbolo, alma mater do leão, cor verde) e tem uma relação complexa com os seus heróis.

Estes são alguns traços da identidade leonina. Há muitos mais, mas o que me oferece dizer sobre isto é que poucos dirigentes se importaram em agir sobre este mapa. A quase totalidade dos presidentes tentaram mesmo subverter ou desvalorizar esta “personalidade coletiva”, dobrando-a às necessidades de cada momento. O que se obteve foi, sem dúvida, um enorme amontoado de projectos sem rumo e conflitos evitáveis. Somos o Sporting. Com tudo o que isso tem de bom ou mau. Mudamos? Sim, constantemente. Mas há ADN que muta pouco e é sobre a identificação do mesmo que poderemos pensar e agir de forma mais concertada. Sem este último ponto bem assimilado, todos os anteriores poderão falhar. Como têm falhado e de forma trágica.

*às quartas, o Zero Seis passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca