Chegou sob uma chuva de desconfianças, foi apelidado de tudo e mais alguma coisa em tom jocoso e atacado, de forma a roçar o xenófobo, por vários treinadores portugueses. Começou por calar toda a gente, fez em duas semanas o que o seu antecessor não havia sido capaz de fazer em quatro ou cinco meses e conquistou o direito a, pelo menos, merecer o benefício da dúvida.

Marcel Keizer, assim se chama o homem de quem vos falo, é treinador do nosso Sporting Clube de Portugal. E eu não quis deixar de escrever este texto antes de se iniciar um ciclo de jogos incrível, durante e findado o qual este personagem de cabeça luzidia será alvo das mais variadas análises.

Takes more than combat gear to make a man
Takes more than a license for a gun
Confront your enemies, avoid them when you can
A gentleman will walk but never run

Há anos que eu defendo que o caminho do Sporting deveria passar pela contratação de um treinador estrangeiro. Não, obviamente que jamais me lembrei de Keizer e, disse-o na altura, a sua chegada fez-me levantar os dois sobrolhos em simultâneo, coisa que não é fácil e que daria um óptimo gif. Mas por muito desconfiado que estivesse, quase chocado, não me pareceu ser suficiente para tentar limpar o chão com alguém cujas capacidades desconhecia de todo.

Era a ausência de cv, era o ser um fantoche, era o vir a prazo porque o JJ estava a caminho, era o gajo que no Natal estaria a regressar a casa para pendurar as meias à lareira. E, creio, isto foram os comentários mais simpáticos, naquele que foi e continua a ser o primeiro grande obstáculo de Marcel Keizer: chegar a um clube em que milhares dos seus adeptos estão entrincheirados em duas valas de guerra e se recusam a aceitar que existe um Sporting no meio. E se o holandês tiver que servir de arma de arremesso para atingir outras pessoas, então que o seja.

Contra isso, Mister Marcel teve, desde logo, a grande vantagem de ser estrangeiro, não perceber português e, quase aposto, de não perder dois segundos a ler o que se escreve na internet. Chegou, trabalhou e a equipa correspondeu ao fim de três jogos. Jogadores soltos, processos de jogo bem definidos, vontade de marcar golos sob a máxima de que quantos mais marcares mais perto estarás de ganhar.

E ganhou. De goleada, uma atrás da outra, recuperando vários sorrisos no rosto de adeptos leoninos a precisarem de algo assim depois de dois anos de futebol mecânico de merda e mais quatro meses de merda sem mecânica. Mas, e há sempre um mas, até o mais optimista sabia que chegaria o momento de perder um jogo. Mas, e há sempre um mas, dezenas, centenas, milhares estavam de faca afiada, à espera do primeiro momento para espetá-la em Keizer. De adeptos a comentadores, muito boa gente sorriu face ao primeiro desaire, como se aquilo sim fosse o verdadeiro holandês sem currículo, como se aquilo sim fosse o estrangeiro que veio roubar o lugar aos Peseiros, aos José Motas, aos Miguéis Cardoso ou aos Silas desta vida.

Modesty, propriety can lead to notoriety
You could end up as the only one
Gentleness, sobriety are rare in this society
At night a candle’s brighter than the sun

Da minha parte, para lá da natural preocupação e irritação que qualquer derrota do Sporting me provoca, esteve longe de ser o fim do mundo esse desaire. Estivemos mal em Guimarães e perdemos com justiça; o homem pagou pelas próprias opções em Tondela, mas perdemos porque falhámos golos feitos; empatámos em casa, com o fcp, no momento que mais me incomodou pela ausência de risco, pelo atraiçoar de todas as ideias ofensivas que Keizer me apresentou quando chegou a Lisboa.

E esse é, em meu entender, o ponto essencial. O ponto que permite olhar Marcel Keizer como o legal alien que aterrou neste nosso futebol cheio de manhas, de lugares comuns, de compadrios, de treinadores que acham que basta parecer para o ser e que trocam tudo por resultados. «Foda-se! Mas tu não queres ganhar, ó Cherba?!?». Oh meu caro amigo, se quero… se quero! Não só por mim, mas pela minha filha e por todos os que da idade dela precisam de beber dessas felicidades para o seu Sportinguismo brilhar ainda mais.

Mas que isso não nos conduza ao caminho sombrio dos resultados. Unicamente dos resultados. #NoMoreMourinhos é uma expressão que eu gosto de utilizar e da qual me lembrei imediatamente assim que comecei a ler as comparações entre as percentagens de Keizer e de Peseiro. Como se tudo fossem números. Como se a ideia e o acreditar nela não valesse. E, claro, seguido da bipolaridade de atacar o “careca” porque ele abdicou do romantismo do futebol de ataque frente a fcp e na segunda parte, frente ao Moreirense. Em que é que ficamos, pessoal?

Eu sei qual a resposta que dou à pergunta: quero a ideia. E acredito que Keizer tem uma boa ideia. Tal como teve Mirko Jozic, técnico que acabou por nada ganhar, mas que nos ofereceu uma ideia de bom futebol e de crescimento de uma equipa que viria a ser a base da que nos deu aquelas lágrimas de felicidade, em 99/00.

A minha grande questão é “até onde está Keizer disposto a ir para defender a sua ideia?”. É essa resposta que quero que ele me/nos dê nas próximas semanas. Duras, duríssimas, onde todos vão ter que contar num plantel a quem foi oferecida uma pré-época patética e uma total anarquia táctica no arranque para aquela que já se sabia ser uma das mais complicadas épocas de sempre.

Quanto menos Mister Marcel abdicar da sua ideia, mais eu estarei ao seu lado. Até ao final desta e aguardando por uma em que lhe seja dado o direito de prepará-la de raiz. Melhor do que eu, ele saberá o quanto pesam os resultados, principalmente num clube a morrer à sede de vitórias no futebol como o Sporting. Mas jamais colocando de lado esse objectivo máximo de atingi-las, peço a este Dutchman in Lisboa que me mostre que acredita na sua ideia e que é ela o caminho para atingir os incontornáveis resultados.

If “manners maketh man” as someone said
He’s the hero of the day
It takes a man to suffer ignorance and smile
Be yourself no matter what they say
Be yourself no matter what they say
Be yourself no matter what they say…