Quem é que acredita que este gajo faz 50 anos?!? Mas faz e vale a pena dar uma olhadela à reportagem que o MaisFutebol fez a respeito desta data histórica.

50 anos de Paulinho: viagem às memórias de um símbolo do Sporting
Roupeiro cumpre meio século de vida e o Maisfutebol foi falar com antigos jogadores para saber o que é que ele significa verdadeiramente para o clube. Pelo caminho ouviu histórias engraças e curiosas.

30 de janeiro de 1969.

Paulo Gama, o popular Paulinho, faz esta quarta-feira 50 anos: meio século de uma vida cheia de curvas e contracurvas, que encontrou a estabilidade quando se vestiu de verde e branco.

Não se sabe, de resto, de onde vêm exatamente as limitações psicomotoras. Há quem diga que são de nascença e há quem diga que surgiram após um acidente rodoviário numa passagem de nível, quando era criança. Certo é que são problemas que o acompanharam praticamente toda a vida.

Abandonado pela mãe, cresceu num lar da Santa Casa da Misericórdia. Apaixonado pelo Sporting, habituou-se a viver rodeado de verde e posters do clube. Foi por isso, aliás, que os médicos que acompanhavam aconselharam a Santa Casa a falar com o Sporting para propor uma colaboração: a proximidade da sua grande paixão podia ajudá-lo a desenvolver-se.

Com apenas 16 anos começou a trabalhar em Alvalade, como roupeiro do hóquei em patins. Foi aí que travou amizade com António Livramento, a quem fez questão de agradecer na apresentação do livro. Nessa altura, e nos tempos livres, Paulinho corria para a famosa Porta 10-A, para sentir o Sporting: cruzava-se com os jogadores, via os treinos, ouvia os outros sócios.

Até que um dia, o adjunto Fernando Mendes lhe faz um desafio: ir apanhar as bolas que saíam do campo e devolvê-las aos jogadores. Paulinho aceita e nunca mais deixa o futebol.

Já lá vão mais de 30 anos. Começou como apanha-bolas, passou para auxiliar de roupeiro e chega a técnico principal de equipamentos.

A paixão de Paulinho pelo Sporting é enorme e o clube acaba por adotar o jovem, que abandona a lar da Santa Casa da Misericórdia. Inicialmente vive no Estádio, mais tarde o Sporting aluga-lhe um quarto na zona de Sete Rios, não muito longe de Alvalade.

À medida que os anos passam, de resto, os progressos psicomotores de Paulinho são evidentes. Inicialmente tem enormes dificuldades em andar ou em falar, com o tempo passa a correr, torna-se um especialista em dar toques sem deixar a bola cair, consegue alimentar normalmente uma conversa e demonstra até uma certa agilidade mental.

Por isso torna-se notícia e a mãe que o abandonara em criança procura-o, para retomar o contacto. Desta vez é Paulinho que não quer. Não precisa. A família dele é o Sporting, e os jogadores que vão passando por Alvalade. Foi esses jogadores que o Maisfutebol foi ouvir, para perceber o que significa exatamente o cinquentenário roupeiro para o universo leonino. Ah, e já agora: parabéns, Paulinho!

Sá Pinto e os mil escudos por cada golo:
«O Paulinho, desde que cheguei ao Sporting em 1994, é um dos símbolos do clube, uma das pessoas que nos recebe com alegria, alguém que percebemos que faz parte do clube, de quem toda a gente gosta, que sempre fica no clube. Depois percebemos um pouco da história do Paulinho, o percurso dele, o processo familiar, enfim.

Ele é muito simpático, muito disponível, adora o clube, vive para o clube e todos nós que passámos pelo Sporting e convivemos com o Paulinho ficamos a gostar dele, porque é uma pessoa muito genuína. Conhecemo-nos há 25 anos e gosto muito dele.

Já não consigo precisar a quantia, penso que eram mil escudos, mas lembro-me que tinha apostado pagar-lhe uma nota por cada golo que marcava. Sempre que fazia um, dois, três golos, lá lhe pagava. E se me esquecia, ele vinha atrás de mim. ‘Ó primo Sá, não se esqueça que você fez dois golos, portanto deve-me dois mil escudos’. E eu respondia ‘tem razão, vejo que faz contas melhor do que eu, fico muito feliz por ver que está a progredir, aqui tem e desculpe o atraso’.

Muitas vezes ia jantar a casa comigo e com a minha mulher, ia passar sempre o natal e o fim de ano a casa de alguém, enfim, foi adotado por todos os jogadores. Aproveito para lhe desejar um feliz aniversário e vemo-nos em breve.»

Adrien não esquece a despedida emocionante no relvado
«O Paulinho é acima de tudo um amigo. Temos uma história muito, muito antiga. Quando cheguei ele estava com alguma regularidade na Academia, às vezes ficava lá a dormir, passava muito tempo connosco. Por isso criou-se uma grande amizade, que foi sendo reforçada ao longo do tempo.

Quando cheguei ao Sporting era muito novo, senti algumas dificuldades de adaptação por causa da distância da família, de estar sozinho, de ter saudades de casa e ele ajudou-me muito. É uma pessoa sempre bem-disposta, sempre disponível, é contagiante.

Quando me despedi do Sporting, quis ter a minha família comigo no relvado e quis ter o Paulinho, para lhe agradecer tudo o que fez por mim e pelo Sporting. Foi um momento muito emocionante. Sempre que chegam dirigentes novos, jogadores novos, funcionários novos, ele recebe-os, faz-se notar, ajuda-os e isso é de uma pessoa marcante.»

Pedro Barbosa recorda perseguição no relvado do Jamor
«Antes de mais é necessário dizer que é um grande, grande profissional. Faz todas as tarefas de forma irrepreensível e com grande alegria. Trabalhei com ele dez anos como jogador e três como dirigente e pude comprovar que tem um profissionalismo a toda a prova. Estar no Sporting não é um favor que lhe fazem, porque ele é muito brioso no que faz.

Depois trata os jogadores com carinho e com amizade. Ele é próximo de todos os jogadores. Naturalmente tem mais afinidade com uns do que com outros, mas dá-se bem com todos os jogadores. No momento dos insucessos ele sabe estar, sabe ter um gesto de carinho.

Por tudo isso é uma figura incontornável do Sporting. Chegou lá miúdo, o Sporting é a vida dele, é a família dele. É uma figura aglutinadora, que gosta de desafiar os jogadores a participar nas brincadeiras. Tem uma alegria contagiante.

Lembro-me que ganhámos uma Taça no Jamor, ao V. Setúbal ou ao Leixões, e ele começou a correr o estádio com a taça e nós atrás dele a tentar apanhá-lo. Parabéns ao grande Paulinho.»

Quando João Alves se questionava sobre quem era afinal o jogador da bola
«O Paulinho era uma pessoa divertida, muito humilde, que gostava de brincar com a malta. Às vezes os jogadores davam-lhe uns calduços e se não lhe déssemos ele ficava triste: queria que brincássemos com ele e que estivéssemos bem. É das melhores pessoas que eu conheço.

Muitas vezes íamos almoçar ou jantar. Ele agarrava-me no final dos treinos e perguntava-me ‘João, estás sozinho?’ e eu lá respondia ‘estou Paulinho, hoje vamos jantar’ ou outras vezes ‘hoje não posso, hoje está cá a minha mulher’. Mas almoçávamos e jantávamos muitas vezes.

Ele tem uma característica: come mesmo muito. Quando os colegas nos viam a sair juntos, diziam logo ‘ó João, lá vai o Paulinho comer-te tudo’. Depois tem outra coisa, nunca paga. Anda de metro, anda de autocarro, vai almoçar fora e nunca deixam que ele pague.

É uma figura. Aliás, quando íamos almoçar ou jantar fora, as pessoas falavam mais com ele do que comigo. Ele é que parecia o jogador. ‘Olha ali o Paulinho’, diziam. Iam falar com ele, pediam fotos e parecia que eu não estava ali.»

Rui Bento e as memórias de um fim de ano na Madeira
«O que nós jogadores sentíamos era que o Paulinho era o ponto de equilíbrio no Sporting. É uma pessoa que demonstra grande determinação, que tem muita alegria, mas o que mais sentia é que era impossível chegarmos chateados ao treino e passado um pouco não estarmos a rir. Ele tem a capacidade de alegrar o grupo. É uma pessoa pura e quando gosta, gosta.

O Paulinho era e continua a ser para todos nós família. Ele para mim é família. Ele ia connosco para todo o lado e há uma altura em que vai comigo e com o Hugo para a Madeira passar a passagem de ano. Marcámos aquilo em cima da hora. Comprámos bilhete para ele para estar na festa e lembro-me que passámos um excelente tempo juntos na Madeira.»

Litos diz que aconteceu um pequeno milagre
«O Paulinho chegou ao Sporting a pedido do padre e dos médicos que o acompanhavam, porque, devido ao amor dele pelo Sporting, a integração no clube podia ser uma forma de apresentar progressos. O que lhe aconteceu depois foi um milagre. Sabe o que diz, sabe o que pensa, sabe o que quer fazer, portanto hoje é uma pessoa completamente integrada na sociedade.

Quando o conheci, nos anos 80, não era brincalhão como é agora. Era muito introvertido, até porque estava com os ídolos e tinha limitações na fala. Mas com o tempo ficou à vontade e foi progredindo.»

Fernando Mendes lembra um adolescente muito tímido
«Quando o conheci ele era muito tímido. Quem se dava muito, muito bem com ele eram o Damas e o Carlos Manuel. Eu estive com ele dois ou três anos com ele no Sporting, conheci-o ainda muito menino e hoje vejo que está um homem muito diferente.

Ele apareceu muito tímido. Notava-se que não estava à vontade, por ser reservado, por estar num ambiente que não conhecia e por ter limitações na fala, mas já gostava de brincar.

Na altura o roupeiro era o sr. Manuel Fernandes e ele era o ajudante. Foi evoluindo enquanto pessoa, foi ultrapassando os problemas que tinha e melhorou a olhos vistos. Com os anos tornou-se no brincalhão que todos vemos hoje.»

paulinho51