Depois de uma série de hecatombes institucionais e de um perfeito cataclisma contratual no último Verão, remendou-se o que se pôde e taparam-se os buracos que foram possíveis tapar. Neste mercado de Inverno, as duas grandes apostas foram o desentupimento da folha salarial e a primeira série de contratações da responsabilidade do novo elenco directivo. Se encontrar saídas boas para muitos atletas excedentários era difícil, mais o era encontrar verbas para fazer novas contratações.

A meu ver ficámos aquém de conseguir fazer encaixes definitivos, mas esse seria um cenário improvável face à residual utilização desses mesmos jogadores. A solução de empréstimos com e sem opções de compra foi pau para toda a obra – aguardaremos a capacidade de cada jogador em recuperar algum valor de mercado e serem reais compensações financeiras num tempo futuro. Não tendo “parecerias estratégicas” com nenhum empresário, não existirão milagres e esta foi mesmo uma solução que estando longe do ideal, é irresponsável criticar.

Mas eliminamos o problema ao “despachar” os Misic e os Castaignos? Ou apenas eliminamos para já “esses” problemas específicos, cometendo outros que teremos de eliminar daqui a outros tantos meses?

A meu ver é hora de começar a olhar para toda a nossa operação no mercado de forma bem distinta do que tem sido a história recente e apesar de começarem a surgir alguns indícios de scouting, exemplo máximo na aquisição do passe de Plata ou Doumbia, temo que a escolha de Neto ou Ilori sejam a perfeita negação dessa prioridade. Se é para quebrar o modelo e não resistir à tentação de ir buscar nomes à revelia daquilo que é um overall scouting, esqueçam o modelo e parem de idealizar.

Não faz sentido construir algo e estar constantemente a aceitar rebuçados de empresários, danificando o que podem ser os primeiros passos para investir de forma mais racional e estruturada, retirando as grandes apostas imediatas para a equipa da equação.

Mas gerir o plantel não é apenas olhar para o presente e substituir peças à procura de melhores combinações. Varandas terá a oportunidade de definir um modelo mais moderno e eficiente que o atual. Ter 30 atletas na equipa A e 30 atletas nos sub23, podendo juntar (a mais que óbvia necessidade de) uma equipa B com outros tantos é apenas desaproveitamento de recursos, uma redundância absurda. Há que olhar para estes 3 edifícios como um só e de uma vez por todas assumir o que é o futebol do Sporting. Ter 2 ou 3 estruturas que não se apoiam nem se complementam é apenas mostra de uma incapacidade de agilizar, criar corpos que dialoguem e profissionais que se articulem.

Estamos em 2019 e já era mais que tempo de colocar o nosso clube a viver segundo um plano ou projecto funcional, que tire partido das infra-estruturas e dos recursos humanos existentes na sua máxima capacidade. O modelo de Equipa A como elite, da equipa B como rodagem e dos sub23 como fase final dos júniores e ante-câmara de profissionais está, sinceramente, obsoleto e é em tudo arcaico para acompanhar as necessidades de um planeamento e investimento racional.

scouting

A Academia também desempenha um papel decisivo. Mas têm de ser enfrentados alguns obstáculos de forma mais incisiva e deixar de empurrar os problemas com a barriga. A rede de deteção de valores nacionais e internacionais tem de ser uma estrutura capaz, rápida e com elevada articulação com a cúpula de gestão da Academia. Tem de ser aproveitada a extensão total do universo leonino e com milhões de adeptos espalhados pelo país e pelo mundo, torna-se óbvio que qualquer adepto pode ser um eventual promotor de um valor a ser avaliado pelo clube. Mas avaliado a sério e em caso de ser relevante, acompanhado a sério e rapidamente chegar à Academia. O clube neste momento vive isolado, parcialmente cego e demora uma eternidade a chegar a um jogador – seja qual for o seu potencial. Faltam imensos recursos humanos que representem a Academia e a tornem ágil e atrativa. É como ter um esqueleto enorme e um revestimento de pele incapaz de o envolver. Não serve e está a custar-nos anos de atraso no capítulo da formação, algo que deixou seriamente de ser um trunfo competitivo do nosso emblema.

Hoje em dia não é compreensível que se diga que a Academia é estratégica e depois não fazer o óbvio para se torne nisso mesmo. Nomear ex-atletas para a gestão da mesma e para a liderança de muitas equipas é um vício tacanho e a negação do que deve ser uma estrutura de formação. Não nego que alguns ex-futebolistas leoninos acrescentem algum valor nos vários departamentos da Academia, mas acho um pecado mortal colocar uma organograma que se quer essencialmente científico e formativo debaixo de perfis que apenas sabem o que viveram dentro do terreno de jogo, sem qualquer expertise em termos pedagógicos, formação desportiva ou desenvolvimento de recursos humanos. É simpático dar abrigo às lendas passadas e acolher os símbolos do clube, mas por favor, retirem-nos de papéis decisórios e recorram aos mesmos como perfis de acompanhamento ou representação da estrutura.

A Academia Sporting deve ter os melhores treinadores, os pedagogos mais adaptados à função formativa, os melhores gestores e observadores de talentos jovens e não quadros que procuram sobreviver adaptando-se empiricamente e deficitariamente ao que pensam ser o “trabalho com os putos”. Parecendo que não, 1999 já foi há duas décadas atrás e o futebol de hoje em dia é uma indústria tecnológica, hiper competitiva e ultra mediática, muito longe das chuteiras que iam e vinham de casa e das camisolas de jogo a arejar no estendal por detrás da baliza no campo de treino.

Resumindo, para materializar o tal modelo do Sporting urge:
1/ Calendarizar a aposta na equipa B;
2/ Criar duas estruturas de scouting (formação e profissional, comunicantes entre si);
3/ Ampliar a Academia (face ao crescimento do futebol feminino e regresso de equipa B);
4/ Alargar e melhorar as funções do Acompanhamento do Atleta para dar apoio ao Scouting;
5/ Criar uma rede informal (através de App ou espaço no Site) de deteção de atletas;
6/ Adquirir novos quadros para liderar as várias equipas dos vários escalões;
7/ Reduzir o número de atletas da equipa A, colocando mais potencial (e usando-o) nos sub23 (e equipa B);
8/ Canalizar uma percentagem fixa de lucros com transferências para o orçamento da Academia;
9/ Seguir um modelo de contratações fortemente apoiado em scouting e cada vez mais cirúrgico;
10/ Criar estrutura de permanente avaliação e reporting que acompanha a evolução de todos os atletas (formação e profissional) hierarquizando as apostas do clube.

*às quartas, o Zero Seis passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca