Directo ao assunto: Keizer é para manter e apoiar ou Varandas deve começar a preparar a substituição de técnico no final da época?

Antes de tentar dar a minha opinião sobre este assunto, devo dizer que o texto seguinte é um exercício de opinião, válido enquanto adepto e que reflecte apenas sobre os dados disponíveis para análise, que são meramente conjunturais.

Keizer trouxe mais agilidade à equipa, um futebol mais positivo e uma tendência para procurar o passe com critério, em vez de despachar a bola para o meio-campo contrário. Estas propriedades são constantes e mantém-se quer estejamos a olhar para o Keizerball (pré-Guimarães) ou para o Pós-Kaiserball (desde Guimarães até agora). Mas a dinâmica, a velocidade e sobretudo a pressão sobre o adversário perderam-se. Há muitas teorias que elaboram outras tantas teses para explicar a razão porque o Sporting deixou de praticar o “Keizerball”, de entre todas, elejo as que apontam 1- o desgaste físico acumulado e 2- a preferência por uma pressão para recuperar a bola menos desequilibrada.

Sinceramente, não vejo outras explicações tão prováveis como estas e, racionalmente, são completamente verificáveis. Todas as restantes falham quer na causa, quer no efeito. Seja como for, a verdade é que se torna difícil de saber se o Sporting pós-Keizerball é ou não mais seguro defensivamente que a sua versão anterior. Os únicos que podem estar em posse dessa informação, estão dentro do grupo de trabalho e teremos de confiar que a mudança operada serviu melhor o objectivo que a manutenção da célebre regra dos 5 segundos.

O Sporting ainda assim, continua a sofrer muitos golos, sobretudo devido a falhas de marcação e a enormes dificuldades de manter um bom posicionamento no momento de transição defensiva. Dou de barato que Keizer não tenha nem o tempo, nem o espaço para ensaiar toda uma nova forma de defender, mas começa a escassear a oportunidade para redefinir o papel de Gudelj ou a utilidade de Doumbia. Permanecemos numa espécie de limbo onde os erros parecem manter-se e não regredirem, o que seria o mais racional. Um limbo que coloca em cheque a validade do próprio treinador, como um agente que consegue ajudar a equipa a ultrapassar dificuldades e a melhorar.

Muitos adeptos colocam mais peso em cima da valia dos jogadores no plantel, aligeirando a responsabilidade de Keizer. Concordo em parte, discordo na essência do argumento. Se olharmos os treinadores (ou as equipas técnicas num todo) como mágicos dos tempos modernos, capazes de transformar cepos em jogadores de utilidade, então Keizer não é o homem que precisamos. Não tem nem o discurso auto-propagandístico, nem os dotes de especular taticamente para disfarçar as carências de determinados jogadores. Como produto da escola holandesa, Keizer procura a dinâmica, a forma de mover peças, colocando-as em posições genéricas e com largo espaço de ação e evolução. Esta visão, responsabiliza muito mais o papel de cada jogador dentro de campo. Virtudes e defeitos tenderão a ser muito visíveis.

Em muitos sentidos, Keizer é a perfeita oposição do típico treinador português, que prefere modelos táticos bastante fechados, centrando-se nos papéis individuais de cada jogador e deste em relação ao seu sector. A escola holandesa não faz este tipo de baby-sitting posicional, nem é tão obsessiva nos momentos particulares do jogo. O que é difícil é sustentar a ideia que podemos ter, com sucesso, uma equipa holandesa dentro de uma liga intrinsecamente portuguesa. Talvez tenha sido essa a ideia-chave que fez Keizer modificar o Keizerball, talvez tenha sido apenas e só uma primeira abordagem ao desempenho da equipa que correspondeu a uma fase de plena forma dos jogadores, talvez resida na motivação e ilusão dos jogadores que, tal como nós adeptos, encontraram nos primeiros inputs do holandês uma receita milagrosa que entretanto perdeu a validade.

Em todo o caso, seja qual for a travessia amarga da adaptação de Keizer ao nosso tipo de futebol, é mais que evidente que alguns jogadores vão comprovando a sua dificuldade em melhorar e acelerando a sua tendência a errar e errar nos momentos em que menos o podem fazer. Ou seja, a qualidade individual também não tem ajudado Keizer. E quem desaprecia esse factor, que ponha os olhos nas dificuldades que o Benfica teve quando precisou de recorrer a Lema e a Conti como centrais ou o Porto, mais recentemente, sem Marega e Aboubakar. É giro dizer que um grande treinador consegue disfarçar a falta de qualidade individual, mas é idiota acreditar nisso como processo. A história do futebol está vazia de exemplos que nos mostrem que um treinador pode ter bons resultados com jogadores sem atributos para vencer. E quem aponta o AS Mónaco de Leonardo Jardim como um exemplo, que vá ver os jogadores que tinha ao seu dispor e a circunstância dos resultados obtidos. Proeza? Sim. Magia? Não.

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Mas as proezas, não se “pedem”, não são a regra. Não são exigíveis nem modelos que se possa construir em cima. São acasos, feitos, ocorrências extraordinárias. Recorrendo ao mesmo exemplo, o PSG tenderá a vencer 20 ligas e o Mónaco apenas 1…a tal proeza, a excepção. E o Sporting não pode idealizar “proezas”. Não deve procurar “garimpar” treinadores-maravilha, à procura do “tal” efeito Leonardo Jardim, da tal época em que não tendo os melhores jogadores, consegue impor-se aos seus rivais.

Quando olho à questão se Keizer podia fazer mais com os jogadores que tem ao seu dispor, não deixo de pensar se estou a avaliar com a paixão leonina ou sem ela. Como Sportinguista, é fácil acreditar que sim, que 11 gajos com a nossa camisola podem ser sempre melhores que os adversários. Mas como não consigo tirar esse filtro, nunca poderei responder cruamente a essa pergunta.

Mas posso reflectir sobre o resultado. E a resposta que exibem é dura. A nossa equipa sente imensas dificuldades em dominar os jogos contra os emblemas melhor classificados na Liga Nos. Além de não dominar, sofre imenso para manter a sua baliza inviolada. Explicar esta tendência apenas com a menor ou maior valia do treinador é querer ignorar o que significa “tendência” e que a mesma atravessou vários treinadores de forma mais ou menos semelhante. É curioso, por exemplo, que se aponte a 1ª época de JJ como uma das épocas onde melhor nos comportámos nas grandes partidas, nos clássicos e derbies. Alguém tem dúvidas que essa foi a melhor equipa que tivemos nos anos mais recentes?

Dizem os mais “exigentes”, que não tendo matéria-prima para nos superiorizarmos ao rivais, é obrigação fazê-lo contra todos os outros. É uma visão com que é fácil concordar mas que no passado trouxe péssimos resultados a quem a adoptou no Sporting. Lembro-me ainda dos tempos de Paulo Bento e dos eternos segundos lugares, lembro-me de uma massa adepta conformada e apenas acordada quando derrotar o Benfica era provar que não éramos o pior dos grandes. Não quero esse modelo de volta, não quero ficar “descansado” porque ficámos à frente do Sp.Braga, não acho um bom caminho assumir que devemos construir para que ganhemos aos fracos e que tentemos dar uns tirinhos nas barracas da sorte contra os mais fortes.

O que validará Keizer e quem o segura no seu posto, será precisamente a capacidade e vontade de ir além de um modelo de sobrevivência, de um Sporting “pior dos melhores”, de uma equipa montada para o sucesso adiado e o falhanço presente. Respondendo à questão inicial, Keizer subiu muitos degraus, retrocedeu talvez mais do que os que subiu e agora está quase no início do lance de escadas, contemplando ele e todos nós, a melhor forma de progredir seguramente. Acho prematuro e desprovida de dados objectivos a concepção que alguém no lugar de Keizer faria melhor, sobretudo olhando à nossa capacidade para atrair ou investir num perfil bastante mais valioso.

Penso que o mais racional seja deixar Keizer mostrar o que vale até ao final desta época e, das suas uma, ou assumir que não há capacidade financeira para lhe dar jogadores para fazer melhor que esta época (desresponsabilizando o treinador) ou assumir o contrário, assim que o desfecho pareça ser semelhante (responsabilizando sobretudo Keizer). Das duas, uma.

*às quartas, o Zero Seis passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca. Este post sai à terça porque estava a marinar desde a semana passada