Uma direção é eleita. É mandatada pelos sócios para que, representando o todo, administre o clube seguindo três linhas fundamentais de ação: o bom senso, o respeito pela identidade do clube e o programa com que se propôs à votação. Este conceito parece fácil para qualquer um entender, mas infelizmente no Sporting, nem os eleitos nem os eleitores parecem conseguir dimensionar os seus comportamentos de forma a que a equação seja…lógica e transparente.

Crises de resultados com décadas de desaires consecutivos geram desconfiança, muitos sócios e adeptos tornam-se em autênticos panfletos andantes de anarquia, de uma não aceitação tácita das regras mais óbvias da democracia. A “direção” nunca é “minha” ou contará “com o meu apoio”, é sempre “dos outros”, dos tais que exibem um sportinguismo menor, o tal sportinguismo que não traz resultados, que não ganha, que acumula vexames e que desvia receitas para entregar a terceiros.

Mas acompanhando a dificuldade de suportar ou sequer tolerar as direções está também uma divisão de adeptos. De 4 em 4 anos o Sporting parte-se, ou melhor, reparte-se. De um lado ficam os “avençados”, os “acéfalos”. Do outro os “defensores” do Sporting “puro e virtuoso”, os “resistentes”. O Sporting não cumpre ciclos eleitorais, cumpre ciclos de golpes de estado e usurpações de funções. Nenhum acto social é aceite ou legítimo, nenhum erro do Conselho Directivo é possível de debater, sem cair nos maniqueísmos fundamentalistas do “se não estás a favor, estás contra”.

O diálogo, o debate, a circulação e trabalho de ideias está arruinada logo à partida. Os presidentes tornam-se caricaturas fáceis, a mais alta figura da instituição veste-se de bobo e, faça o que fizer, bem ou mal, torna-se na mais pobre das pobres figuras que todos fazemos. O ser perfeito, de Jesus ao Superhomem, seria alvo fácil para um sportinguista. Se a “dar a face ao inimigo” era um gesto de um perfeito “bananinha”, vestir uma capa vermelha seria um golpe “lesa estado” à dignidade leonina.

A verdadeira questão, sejamos honestos, não é quem comanda os destinos do clube. Nunca foi. É o perfeito isolamento que nós, como adeptos, votamos ao nosso próprio clube. Só entendemos dois estados: o perfeito enamoramento com os líderes ou o insuperável ódio aos mesmos. Não sabemos encontrar o meio-termo – o estado natural do adepto ou sócio, que se manifesta num conceito absolutamente simples: o adepto apoia o clube e as equipas, não as direções. De 4 em 4 anos considera os mais aptos e ao longo de cada mandato debate, crítica, apoia ou sugere o que o seu julgamento lhe permite.

Não há oposições nos clubes de futebol. Simplesmente porque não há parlamentos ou assembleias regulares. O Sporting não tem “deputados” nem “bancadas partidárias” e este é verdadeiro problema. Alguns adeptos acham que estas instâncias existem ou devem existir, sem sequer entenderem o perigo que se torna assumir status quo imaginários. O perigo que existe de criar organismos de poder ou legitimidade paralelas que: 1) não foram eleitos, nem representam formalmente ninguém; 2) que têm apenas um ponto na agenda – destruir o que foi eleito estatutariamente e formalmente representam os sócios, a SAD e o clube.

Não sou conservador, nada me aproxima de crenças religiosas, assustam-me as filosofias liberais e rejeito qualquer tipo de elitismo primário ou secundário. Mas assusta-me mais a destruição da legitimidade ou pirâmide democrática, tanto como fico siderado de perplexidade quando leio ou ouço, gente adulta e inteligente, desconsiderar o processo democrático, a liberdade de opinião e o respeito absoluto por resultados eleitorais. Esse é primeiro passo para entrar velozmente numa crise de governação, um grave sintoma de desconhecimento histórico, o mais grave sinal que uma ditadura ou uma separação pode ser sustentada ou defendida por alguém.

Este é o segundo pacto que se torna vital no universo leonino. A lealdade. Lealdade entre sócios, entre adeptos, destes para a sua direção e da direção do clube para todo o espectro de votantes. Os “golpes”, os “expulsos”, os “PMAGs oposicionistas” ou os Vices ou Directores Clínicos com aspirações a presidente não são um bom terreno para plantar concórdia. As ambições individuais são válidas, mas a partir do momento em que ultrapassam o terreno aspiracional, tornam-se em agendas e culminam em sementes de mais desconfiança e a história recente do nosso clube está repleta de “facas espetadas nas costas” e teorias de conspiração há às pazadas (nem sempre erradas, diga-se).

O tabuleiro “político” no Sporting tem de ser enterrado a seguir a cada eleição. Os ex-candidatos passam a ser apenas “sócios”. Não há, nem nunca devia ter existido a figura de “notável” – essa raça de “senadores” televisivos ou de papel de jornal que desgraçam o clube em elitismo barroco. Não há “oposições”, nem “governos sombra”, apenas sócios que podem ou não juntar-se para debaterem o clube, os reconhecimentos devem ser nossos e não os que os iluminados nos aconselham. O Pacto é entre apenas três corpos e identidades – Direção, Sócios e Adeptos e Equipas. Não há e teremos de as expurgar, outras instâncias.

Critiquemos como sócios, apoiemos como adeptos. A direção que… dirija pelos e para os sócios. As equipas devem ser melhoradas, o clube deve crescer, os estádios encher e os títulos celebrados. É um trabalho conjunto, não apenas da Direção. Não apenas dos que votaram na Direção. Somos do Sporting e não de Varandas, Godinho ou Bruno de Carvalho. As concordâncias e discordâncias ficam à porta do que deveria ser o apoio indefectível às equipas, podendo ser perfeitamente debatidas nos fóruns que cada vez são mais e de interação mais facilitada.

Quem tiver ideias melhores ou acreditar nisso, que se organize e à margem de um debate transversal, que se constitua numa opção eleitoral, assim que se abra essa janela. Não antes, não depois. Se não quiser formalizar uma lista ou submeter-se como corpo social, que transporte essas ideias para dentro do clube, não as definindo como armas de arremesso, mas sim como acréscimos que podem ser somados à agenda de debate leonina. É este o pacto. A lealdade não se deve apenas a pessoas, mas principalmente a ideias, a condutas e a instituições, que como o Sporting, contaram com a lealdade dos nossos bisavós, avós e pais.

Somos todos grãos de areia numa praia que se chama Sporting. Somos todos responsáveis, desde o tamanho das ondas, à cor das dunas. Como sócios e adeptos devemos respeitar a condição e opinião de todos os outros. Porventura respeitando também a ideia mais poderosa da humanidade – todos nascemos e crescemos com os mesmos direitos e deveres e ninguém tem o direito de se achar mais ou melhor que outro, podendo até sê-lo, mas nunca agindo com essa convicção. A lealdade não deve ser dada a facções ou a conceitos de purismo, mas sim à universalidade, à generalidade do que significa ser do Sporting.

No dia em que este pacto for entendido e prevalecer, o Sporting crescerá, tornar-se-á mais competitivo e iremos unir-nos para celebrar títulos e congregar em massa nos espetáculos desportivos e não para contestar “golpes” ou “oposições”. “Golpistas” e “Saudosistas” serão encarados como apenas sportinguistas com ideias de Sporting diversas, que de 4 em 4 anos apresentam os seus argumentos e regressam rapidamente, seja qual for o resultado da eleição, ao apoio das equipas, ao cachecol no inverno, ao jersey no Verão, à lealdade e respeito com o que é e deverá ser sempre o “nosso” Sporting e não à azia e ao trabalho de corrosão permanente ao Sporting “dos outros”.

*às quartas, o Zero Seis passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca