O que podem ter em comum um homem de 85 anos, que viveu numa pequena aldeia do Oeste do país, com uma rapariga de 26 anos, nascida e criada na barulhenta Lisboa? Provavelmente nada. Nada ou pouco mais do que os laços de família que os uniam, entre celebrações, dias tristes, casamentos, batizados, sardinhadas e toda uma vida que acontece e que partilhamos com quem nos viu crescer.

Entre mim e o Tio Victor existiam poucos pontos em comum para além das finas paredes que separavam a sua casa da casa dos meus avós e do seu quintal (onde ia ver os gatos) ou da sua garagem, onde enchia os pneus da minha cansada bicicleta. O Tio Victor era um homem de outro tempo, que nasceu e viveu num país muito diferente do meu, era o avô dos meus companheiros de aventuras na infância e dos meus companheiros de copos na vida adulta. Era aquilo que poderia ser dada a diferença de quase 70 anos que nos separava e aos 85 anos despediu-se de todos nós, rodeado das pessoas de quem mais gostou em vida.

E quando penso em todos os momentos que fomos vivendo (uns mais tristes outros mais alegres) existe forçosamente um elo de ligação e uma grande paixão que os dois partilhámos, apesar de todas as incontornáveis diferenças a que já me referi: o Sporting Clube de Portugal.

O Tio Victor era um enorme sportinguista, que gostava de estar com outros sportinguistas, e que acompanhava a vida do clube todos os dias. Talvez até seja chato chamar “doente” a um homem que já não está entre nós, mas era assim mesmo: era um doente pelo Sporting, tal e qual como eu sou. Só teve um neto a partilhar esta nossa paixão, mas no último jogo do campeonato esse seu neto estava em minha casa a beber umas cervejas, enquanto esperávamos pela inevitabilidade do Benfica campeão e nos lamentávamos da temporada miserável do nosso clube.

Muitas vezes falamos do absurdo que é o futebol e do tempo útil que ocupa nas nossas vidas, das vezes que nos chateamos por causa de um jogo e dos dias gastos à volta do Sporting. Mas o futebol tem essa força geracional, que une todas as classes sociais, de qualquer zona do mundo, de qualquer ideia ou visão política. Se pensar bem, e nesta estranha geração em que nasci, só soube o que era o teletexto porque o Tio Victor ali via os horários dos jogos. Sentado no seu cadeirão em frente à televisão, enquanto reclamava com o fraco jogo do Sporting todos os anos (algo que parece ser sintomático entre todos nós).

Sábado verei a grande final a pensar no meu Tio Victor e espero que possamos passar a noite em alegria. Porque muitos sportinguistas nasceram e morreram, mas é a paixão das gerações antes das nossas, que nos passaram o amor ao clube e o vício de acompanhar os seus atletas e equipas, que é a maior força do Sporting. É a forma doente como o meu tio vivia os nossos jogos, é a dedicação apesar dos anos de seca e o prazer de estar rodeado dos seus que permite que uma instituição como aquela que seguimos continue a representar tanto para tantas pessoas.

Farei como ele. Vou reclamar do onze inicial, culpar o Bruno Gaspar e o Ristovski pela sua burrice, soltar um riso irónico quando o Wendel tocar na bola, pedir ao Keizer para fazer alguma coisa rápido e, no fim (esperemos) ficar imensamente feliz quando vencermos mais um troféu e esquecermos tudo aquilo que nos estava a irritar.

O Sporting uniu o improvável, agora está na hora de celebrar todas essas uniões.

*às quintas, a Maria Ribeiro mostra que há petiscos que ficam mais apurados quando preparados por uma Leoa