No final, falou-se de justiça. E de falta dela. Mas haverá algo mais justo do que premiar que esteve no chão, foi pisado, anda há meses a lamber feridas que teimam em não cicatrizar e chega a uma final de quase exorcismo condicionado por vergonhosos erros de arbitragem e ainda tem que levar com mais 120 minutos deles? “O problema é quando nos dão por mortos”, diria Coates, na tarde em que o Leão, mesmo cheio de equívocos futebolísticos, quis rugir bem alto “estamos vivos, caray!”

Se houvesse alguém capaz de personalizar o jogo de ontem, esse alguém poderia ser Bas Dost. Há um ano, com a cabeça entrapada de verde para esconder as feridas da vergonha, o holandês, verdadeiro abono de família leonino, era uma sombra de si mesmo e até falharia um golo de baliza completamente deserta, acertando no poste.

Um ano depois, no mesmo palco, com doze meses de balanço que contam com uma rescisão, um regresso, a dificuldade em ser o mesmo junto dos adeptos e dentro do relvado, uma lesão prolongada e a perda da titularidade, Dost entrou, esperou e marcou assim que teve uma oportunidade. O golo foi quase o golo da vitória, mas a partida foi para penaltis e Dost, primeiro a avançar com a verde e branca vestida, atirou em força e colocado, mas a bola embateu com estrondo na barra.

E é este o momento. Não sei o que ia na cabeça de Bas, mas sei o desespero que vi no rosto de vários Leões e Leoas que me rodeavam. Afinal, era como se o universo estivesse a girar ao contrário, dando-nos a provar o travo amargo de algo que já tinha sabido tão bem. Como se a história pudesse repetir-se, mas invertida, com um golo sofrido no último suspiro e um 2-2 a poder transformar-se numa derrota em penaltis, com a crueldade de tudo acontecer onde tentávamos amenizar dores que ainda são tão grandes.

“O problema é quando nos dão por mortos”, Coates

Mas o que aconteceu até chegarmos a essa bola que, caprichosamente, embateu na trave? O Sporting entrou num clássico 4-3-3, o fcp optou por utilizar os dois alas para, através do jogo interior, tentar anular a desvantagem numérica que teria no corredor central. Isto resultou em 15 minutos em que o Sporting esteve melhor, mesmo tendo em conta o alívio suicida de Bruno Gaspar que oferecer a Otávio a possibilidade de aquecer as luvas a Renan.

Na resposta, Bruno Fernandes obrigaria Vaná a ir ao relvado e, logo a seguir, o redes azul só não foi ao fundo da baliza porque a bomba de ressaca disparada por Raphinha passou uns dez centímetros ao lado do alvo. Depois, Diaby pregou um ferro ao caceteiro Felipe e só não ofereceu o golo a Luiz Phellype porque Pepe apareceu a safar.

Com Conceição a morder as orelhas ao bandeirinha e a todos os que por ali passavam, o fcp celebrou um golo caído do céu e em fora de jogo tão escandaloso que o VAR de serviço não teve outro remédio que não anulá-lo. Estavam decorridos cerca de 25 minutos e esse momento acabou por marcar o resto da primeira parte. O Sporting pareceu incomodado com a ideia de poder estar em desvantagem e passou a perder uns 80% dos duelos individuais e das bolas divididas. Deixou-se encostar lá atrás, passou a ter Diaby e Raphinha mais preocupados em acompanhar as subidas dos laterais adversários do que em colocá-los em sentido.

Mas, ainda assim, não existiam oportunidade de golo para qualquer das equipas. Até que, na sequência de um livre lateral batido por Alex Telles, a bola vai para o segundo poste e é claramente dominada com o braço por Herrera antes de ser cruzada para a cabeça de Soares. Uma autêntica vergonha como se deixa passar numa televisão, com repetições, uma infracção clara que até da bancada se viu, provavelmente o tipo de justiça que o cabeçudo Sérgio considera ter faltado e que, a cinco minutos do intervalo, caía como soco no estômago da turma de Alvalade.

“O problema é quando nos dão por mortos”, Coates

Mas se um gato tem sete vidas, um Leão, este Leão a que chamaram Sporting Clube de Portugal, tem mais de um século de fugas à morte. E quando muito boa gente já se dirigia para as garrafas de água, Bruno Fernandes aproveitou a bola de Acuña para disparar mais com raiva do que com pontaria, mas, ainda assim, tabelando em Danilo para se anichar na baliza.

A festa mudou de topo, mas, estranhamente, os de Alvalade não aproveitaram esse balão de oxigénio e foi o fcp quem veio melhor do balneário. Soares acertou no poste logo a abrir (ignorando os pedidos para a bola ser colocada fora por haver o jogador leonino caído), dando o mote para quase meia hora em que o Sporting não conseguia sair a jogar e via o perigo rondar a sua baliza demasiadas vezes.

Foi então que Keizer mexeu. E bem. Primeiro com cabeça, trocando Bruno Gaspar por Ilori, pois a forma como o fcp carregava pelo lado do já amarelado lateral direito tinha tudo para se transformar num filme tantas vezes já visto. Depois, com algum arrojo, trocando Diaby por Bas Dost e assumindo um 3-5-2 onde Raphinha e Acuña eram os alas. O choque trouxe feitos, o meio-campo foi ganho e Wendel teve um remate que passou bem perto do poste da baliza de Vaná.

Mas duraria pouco, esse reequilíbrio, até porque Renan deixou tudo e todos de coração nas mãos quando quis jogar à rabia em situação de pressão e quase ofereceu o golo a Herrera. Depois foi Ilori, com um corte despropositado de cabeça, a quase oferecer o golo a Brahimi e na ressaca a um canto Danilo quase marcava um golo sem saber muito bem o que estava a fazer, com a bola a voltar a bater no poste antes de Jorge Sousa, homem incapaz de mostrar cartões às gentes da sua terra, apitar para promover mais trinta minutos de jogo.

Já com Doumbia no lugar de um exausto Gudelj, o Sporting ganhou músculo e pulmão na linha intermédia. E com o jogo meio amarrado na primeira parte do prolongamento, Acuña cruzou, Felipe desviou e Dost aproveitou à moda antiga. Foram cinco minutos de euforia na curva verde e branca, quebrados pela mudança de campo e por aquele relógio em que 15 minutos pareciam uma eternidade. Conceição lançou Fernando Andrade, mas o Sporting segurava bem a vantagem, com Mathieu e Coates verdadeiramente imperiais. Veio a agressão de Manfá a Bruno Fernandes, nas barbas de Jorge Sousa, que, obviamente, sancionou tal momento com um cartão amarelo. E veio um livre, mesmo a terminar, quando a placa de tempo extra indicava “um minuto”.

Podemos dizer que não se admite sofrer um golo naquela altura, mas o futebol é mesmo feito de momentos destes e, para desespero leonino, o trauliteiro Felipe conseguiu aparecer a desviar de cabeça e a forçar os penaltis. Nem tudo era mau, rapazes. Íamos a penaltis. Contra o fcp. E contra o Conceição. Dost, primeiro a avançar com a verde e branca vestida, já depois de Soares ter convertido o primeiro, atirou em força e colocado, mas a bola embateu com estrondo na barra.

E é este o momento. Não sei o que ia na cabeça de Bas, mas sei o desespero que vi no rosto de vários Leões e Leoas que me rodeavam. Afinal, era como se o universo estivesse a girar ao contrário, dando-nos a provar o travo amargo de algo que já tinha sabido tão bem. Como se a história pudesse repetir-se, mas invertida, com um golo sofrido no último suspiro e um 2-2 a poder transformar-se numa derrota em penaltis, com a crueldade de tudo acontecer onde tentávamos amenizar dores que ainda são tão grandes.

“O problema é quando nos dão por mortos”, Coates

Danilo veio e fez o 0-2, Bruno Fernandes deixou a paradinha em casa e espetou um pontapé de raiva como se Vaná merecesse desprezo. Pepe, esse rapaz tão bem comportado, quis ser mais artista do que é, fez uma rábula de desconcentração com Renan e apontou ao ângulo com a bola a sair à trave, oferecendo a Mathieu a oportunidade de fazer o 2-2. E fez, obviamente. Adrián López atirou para o 2-3; Raphinha descarregou nervos no 3-3. Hernâni viu Renan quase parar o 3-4 e muito boa gente quase viu parar o coração quando viu que era Coates a avançar. Não percebo estes tremeliques em relação ao Patrão Sebastião. Nem eu, nem ele, que até mostrou ao Vaná que só se fosse estúpido é que ia, pela quarta vez, atirar em força e rasteiro para o lado direito.

O mata mata passava a roleta russa e Fernando Andrade viu Renan fazer o que tinha que ser feito: defender pelo menos uma grande penalidade. E estava tudo nos pés de Luiz Phellype. Por momentos, o latagão, com pinta de pugilista, virou Alex Owens e quase aposto que, enquanto caminhava para a bola, escutava, ao longe, um “Take your passion, And make it happen”, transformado num remate feito de lágrimas. Dele e nossas. What a feeling!

Ficha de jogo
Sporting-FC Porto, 2-2 (5-4, g.p.)
Final da Taça de Portugal
Estádio Nacional, em Lisboa
Árbitro: Jorge Sousa (AF Porto)

Sporting: Renan Ribeiro; Bruno Gaspar (Tiago Ilori, 66′), Coates, Mathieu, Acuña; Gudelj (Doumbia, 90+3′), Wendel (Jefferson, 106′), Bruno Fernandes; Raphinha, Diaby (Bas Dost, 75′) e Luiz Phellype
Suplentes não utilizados: Salin, André Pinto e Jovane Cabral
Treinador: Marcel Keizer

FC Porto: Vaná; Éder Militão (Hernâni, 104′), Pepe, Felipe, Alex Telles (Fernando andrade, 106′); Danilo, Herrera; Otávio (Wilson Manafá, 78′) , Danilo, Brahimi, Marega (Adrian López, 101′) e Soares
Suplentes não utilizados: Fabiano, Maxi Pereira e Óliver Torres
Treinador: Sérgio Conceição
Golos: Soares (40′), Danilo (45′, p.b.), Bas Dost (101′) e Felipe (120+1′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Bruno Gaspar (25′), Gudelj (39′), Coates (90′), Soares (96′), Danilo (100′), Alex Telles (105′), Raphinha (107′), Wilson Manafá (120′) e Bruno Fernandes (120′)

Desempate: Soares, 0-1; Bas Dost, 0-1 (trave); Danilo Pereira, 0-2; Bruno Fernandes, 1-2; Pepe, 1-2 (trave); Mathieu, 2-2; Adrián López, 2-3; Raphinha, 3-3; Hernâni, 3-4; Coates, 4-4; Fernando Andrade, 4-4 (defesa Renan); Luiz Phellype, 5-4

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