Mulher. Filha. Esposa. Desportista. Bonita. Elegante. Sorridente. Aos 16 anos, quando muitos ainda estão em casa dos pais, ela arriscou ir atrás de um sonho chamado voleibol. Saiu de casa, mudou de cidade e treinou até à exaustão. Com as dificuldades desta decisão, cresceu rápido demais. A vida foi-lhe retribuindo o esforço com a ajuda de Deus, o seu grande amigo. Parar nunca foi uma opção, por isso o mundo convidou-a a conhecê-lo. Emigrou para fazer o que mais gosta e o seu amor ao voleibol é tão grande que o Bruno Mars se deve ter inspirado no tamanho da sua paixão pela modalidade, quando canta “93 millions miles from the sun”.

Chegou ao Sporting com ambição. Um dia que saia, que leve títulos e carinho pelo nosso clube. Durante toda a época foi um exemplo de profissionalismo. Transborda carisma e liderança dentro daquele campo que tão bem conhece. Diz que não há segredos, só paixão e trabalho.

Admiro-a desde o primeiro dia que a vi jogar. Uma vez comparei-a com o quadro do Beijo de Gustav Klimt. Não foi exagerado, ela é uma master piece.

Com a simpatia e um sorriso de quem é feliz, aceitou vir à Tasca conversar connosco. À mesa, vestida de verde e branco, FERNANDA SILVA!

1- Por muito que no Brasil possa ser um pouco mais comum que em Portugal, decidir aos 16 anos que se quer ser profissional de voleibol requer uma dose grande de amor à modalidade, uma colher de coragem e pitadas de loucura. Como é que se consegue tomar uma decisão destas numa idade tão jovem?
Ao certo, a decisão em ser profissional não foi aos 16 anos. Quando sai de casa e morar fora para jogar voleibol, o primeiro pensamento foi “ir atras de um sonho” que no caso seria jogar voleibol. Poder trabalhar com o desporto e chegar a ser profissional veio depois de ter atingido o escalão sénior. Quando ali as dúvidas começam a aparecer, tive de decidir se seguia a carreira de desporto ou não. Na verdade, as dúvidas que eu tinha naquela época seriam se eu conseguiria uma equipa para jogar, nunca me veio a cabeça, naquela altura, se iria ser profissional ou não… e com o passar do tempo, ano a ano fui me profissionalizando e somando experiências e vi que ali teria o melhor trabalho do mundo, aquilo que faço por amor.

2- Vou ser justo com a tua carreira e dizer que já tocaste o céu. Participar na superliga brasileira é aquele certificado de mérito de excelência como quando tivemos notas máximas na escola. É um desfile de craques aquele campeonato. É mesmo bom como parece ou melhor ainda?
A superliga, sim, era um dos meus objetivos pessoais e graças ao meu bom Deus, a minha fé e minha força de vontade consegui almejar. Confesso que quando consegui equipa e que participei numa das melhores ligas do mundo não acreditava e vivia aquilo da melhor maneira possível. Aproveitei cada segundo, os jogos, as torcidas, o profissionalismo que têm, cada treino com os melhores e as melhores, cada viagem, cada treino específico e tático. Enfim, aproveitei as oportunidades e tenho pena de terem sido só duas épocas, mas também me sinto feliz porque se não tivessem acontecido, não estaria onde estou hoje. Foi sem dúvida inexplicável.

3- Há duas posições em campo que te sentes muito à vontade e tens um rendimento elevado. Preferes ser líbero, passando mais despercebida, ou jogar na entrada de rede, colando um pavilhão a saltar com os teus pontos?
Eu adorei jogar a libero, desde a formação jogava como atacante no meu escalão e nas mais velhas jogava a líbero. Fui conciliando estas duas posições, até que surgiu a oportunidade de jogar somente a líbero e agarrei-a. Eu fui muito feliz, mas confesso que atacar é o que mais me alegra. É o que me dá garra, atacar uma bola, fazer pontos, ter responsabilidade de ter que fechar o ponto, ter que definir bola e ter que colocar a bola lá, ou seja, não falhar jogadas, fazer diferente, são desafios que mexem mais comigo e que despertam o bichinho…

4- Em tempos, numa entrevista, disseste que tentavas sempre passar aos mais novos “a vontade e o querer jogar voleibol. O amor e a paixão de jogar voleibol”. Como é que traduzirias isto a alguém que vive num país onde se está sufocado com futebol?
Desde quando comecei a jogar voleibol, sabia que iria trabalhar com a formação, sabia que eu teria de deixar algo daquilo que aprendi a quem pudesse e quem quisesse aprender. Tive uma formação muito boa, fui privilegiada e não haveria forma mais justa do que repassar o que aprendi. Queria deixar ao meu desporto a minha fidelidade e poder fazer com que a malta pequenina possa amar o voleibol assim como eu amo. Eu tento passar a paixão, depois o resto vem, nunca me preocupei se vão para outro desporto ou não, acredito que cada um tem seu destino, tem o seu caminho a perseguir e o caminho do voleibol está ai para quem quiser seguir. O futebol é um mundo a parte, para poucos na verdade. Eu sou suspeita a falar, amo assistir jogos, amo a modalidade infelizmente são poucos os que conseguem chegar ao auge. Assim sendo o voleibol é mais acessível e por isso tão menos reconhecido, infelizmente.

5- Numa nova decisão com dose grande de amor ao voleibol, uma colher de coragem e pitadas de loucura decidiste vir para o Sporting. Era evidente que estavas numa divisão descontextualizada da tua. Eu, pelo Sporting, até na 5ª divisão jogava, mas eu tenho 33 anos de fervor leonino no sangue. E tu, o que te motivou?
Muitas pessoas me perguntaram isto, como pude trocar uma 1ª Divisão pela 2ª Divisão? Sobre o meu voleibol eu conheço e não é preciso provar nada a ninguém e é tão simples explicar: Vou para o Sporting Clube de Portugal, não é preciso mais palavras.

6- Na minha opinião, foi a melhor escolha que fizeste desportivamente. Durante a época foram jogando por pavilhões em todo o país. Em todos recebiam apoio dos núcleos, muitas vezes almoços, e eram cumprimentadas por adeptos que vocês desconheciam. Sentiste esta dimensão nacional do Sporting? Alguma história bonita para contar?
Foi muito legal poder conhecer cada adepto(a) por onde passávamos, recebiam-nos sempre bem e isso não existe em lugar nenhum. Almoçávamos, conhecíamos os núcleos e falávamos sobre o Sporting do passado e até mesmo do futuro. Sem nos conhecerem, eles sempre nos apoiavam e alguns chegavam até mesmo a ir aos jogos. Lembro-me de uma história engraçada de um núcleo. Uma amiga pediu uma colher de café e a senhora nos trouxe uma colher mesmo com café, rimos muito. Sempre tinha algo para nos fazer dar boas gargalhadas. Este era o clima, sorrir sempre.

7- Quem olhava para a equipa deste ano via união. Este Sporting era um corpo só. A forma como festejam já mostrava a vossa empatia, mas reparar em como se apoiavam depois de um ataque falhado, num serviço errado ou numa derrota era de uma dimensão leonina! Foi resultado de muito trabalho? Vai deixar saudade?
Com certeza, sim! Era resultado de muito trabalho, de uma equipa cheia de responsabilidades, cumplicidade e com vontade de melhorar dia após dia. Ultrapassámos todos os obstáculos que apareceram durante a época, sempre juntos. Sem dúvida o melhor grupo de trabalho que tive, o mais completo em tudo, trabalhador, unido, tranquilo e focado. Muito bem liderado e muito humilde. Os resultados falam por si e merecemos porque trabalhámos juntos honestamente uns com os outros. Já tenho saudades e levo comigo cada momento desta época que se passou!

8- Tenho um jogo que me recordo bem. O primeiro jogo com o CD Aves, na fase da mini liga final, foi muito bom. Vínhamos de 2 jogos perdidos contra este adversário e, motivacionalmente, era um jogo crítico. Recordo-me da forma como festejaram. A maneira com que te abraçaste às colegas. Foi este o teu melhor jogo com a camisola mais bonita do mundo?
Era um jogo importante porque, sabendo que tínhamos perdido contra elas, sabíamos o quanto era importante vencer. Fomos evoluindo aos poucos e sabíamos que queríamos mesmo vencer quando fosse mesmo necessário. Soube muito bem vencer no momento crucial do campeonato, trabalhamos para isto e não tem sensação melhor do que dever cumprido. Como naquele jogo, como em todos, vencer sempre é bom. Depois existem são situações diferentes e aquele dia cumprimos com tudo o que tinha de ser cumprido para sair com a vitória. Não sei se foi o melhor jogo, não consigo sequer lembrar do meu melhor jogo, tento sempre é manter a regularidade e eficiência sempre.

9- Historicamente, fazes ciclos de 3 anos em cada clube que passas. Posso ficar descansado que vais estar connosco mais 2 anos e festejarmos um Sporting bi-campeão nacional?
É verdade, não costumo fazer somente uma época a cada equipa que passo, gosto de criar raízes, gosto de dar e receber confiança, a minha vontade é de continuar cá neste grande clube.

10- Aqui na Tasca todos te conhecem. Todos mesmo. O teu nome percorreu as leituras durante esta época. Convido-te a deixar algumas palavras.
Eu só tenho a agradecer a Tasca pelas brilhantes notícias que circulam por cá de semana a semana. Eu, como qualquer pessoa que ama o desporto, acompanho e fico muito contente ao ver o nosso desporto sendo reconhecido por uma página tão especial como a Tasca. Agradeço o carinho que tiveram connosco desde que o projeto deu o pontapé inicial e espero que seja assim sempre. A cada sportinguista que nos acompanha, o meu muito obrigada e que possamos contar com vocês para os novos desafios que se avizinham.

fernanda patada 2

*às terças, o Adrien S. puxa a bola bem alto e prega-lhe uma sapatada para ponto directo (ou, se preferires, é a crónica semanal sobre o nosso Voleibol)