Entre a primeira e a segunda crónica de “O futebol não é para meninas!” dedicada ao Mundial de França 2019, jogaram-se a última ronda da Fase de Grupos e 4 (metade) dos jogos dos oitavos de final do mais importante certame internacional do futebol feminino. E a maioria dos 17 jogos disputados foram bem mais interessantes de ser seguidos que 90% dos jogos da Liga NOS, o escalão máximo do Futebol Masculino profissional em Portugal.

Dos jogos da última ronda da fase de grupos destaco:
o Nigéria 0-1 França (a Nigéria defendeu bastante bem e as francesas, que alinharam um onze com algumas poupanças, acabaram por ter de fazer entrar as duas “setas” dianteiras – Le Sommer e Diani – para a meia hora final, sendo o jogo resolvido por um penalty com direito a repetição – quer no penalti, quer na ordem de repetição, o VAR esteve bem);
o Itália 0-1 Brasil (que levou o Brasil aos oitavos de final, sendo o melhor dos 3ºs lugares – o Grupo acabou com 3 equipas ex-aequo, com 6 pontos, escalando os golos a Itália como primeira e a austrália como 2ª),
o Jamiaca 1-4 Austrália (particularmente graças ao poker da ponta de lança australiana Sam Kerr, que colocou o seu país no 2º lugar do grupo),
o Japão 0-2 Inglaterra (que confirma a Inglaterra como uma das 4 ou 5 selecções que praticam um futebol mais desenvolto, e se perfilam como principais favoritas),
o electrizante Escócia 3-3 Argentina (a selecção sul americana que detinha o record da mais pesada derrota em fases finais de Mundiais, surpreendeu ao empatar com o Japão, perder pela margem mínima com a Inglaterra e, neste jogo com a Escócia, fazer uma quase remontada, pois estava a perder 3-0 até aos 74 minutos de jogo),
o Holanda 2-1 Canadá e o Suécia 0-2 EUA (dois jogos que vale a pena ver e rever, onde parece que qualquer das equipas pode jogar com as suas atletas de olhos vendados).

Feitos os destaques da fase de grupos, passemos então aos quatro primeiros jogos dos oitavos de final.

No primeiro dia, a Alemanha venceu facilmente a Nigéria por 3-0 e a Noruega acabou por derrotar a Austrália na “lotaria” das grandes penalidades (após um empate a 1 bola no tempo regulamentar, que persistiu no prolongamento). Curiosamente as duas nações que se apuraram para os quartos de final neste primeiro dia, Alemanha e Noruega devem ser as que mais uso fazem do poderio atlético (que não significa necessariamente maior altura, pois as norueguesas até nem são assim tão altas).

No segundo dia, voltámos a assistir a jogos de futebol mais técnico, vistoso e agradável: primeiro, a rigorosa Inglaterra eliminou, com facilidade mais aparente que real, uma equipa dos Camarões muito voluntariosa e com algumas jogadoras muito interessantes, mas muito indisciplinada e excessivamente emocional (perderam-se demasiado em contestar as decisões da equipa de arbitragem e do VAR, o qual, mais uma vez, mostrou o porquê de ser uma ferramenta útil para a verdade desportiva); para fechar com brilho o programa domingueiro, a França mostrou-se superior ao Brasil em quase todos os aspectos e momentos do jogo, mesmo até do ponto de vista técnico. O Brasil das meninas parece sofrer do mesmo defeito de que padece a selecção masculina: muito “rodriguinho” de “brinca na areia” e muito pouco rigor táctico; apanharam uma França cujas jogadoras aliam ao rigor táctico e ao poder físico uma qualidade técnica que em nada é inferior à das brasileiras e passaram a maior parte dos 90 minutos a querer resolver os seu (muitos) problemas através de rasgos individuais.

A destoar na equipa francesa, neste jogo, as duas centrais: a poderosa Mbock Bathy e a gigante Wendie Renard (1.87m) estiveram muito desastradas quando chamadas a defender dentro da sua área, errando cortes, falhando marcações, mostrando “dureza de rins” e aparentando um nervosismo absolutamente constrante quer com as suas acções defensivas a partir do 30 metros, quer particularmente com as suas acções de apoio ofensivo. O grande destaque vai para o muito bom jogo de 5 francesas: a lateral esquerda Majry, afazer com à vontade e imenso pulmão toda a sua ala, tanto a defender como, sobretudo, a apoiar o ataque; a média todo-o terreno Amandine Henry, um portento de capacidade atlética, de leitura de jogo e de capacidade técnica, que colocou a cereja no topo do bolo, ao assinar o golo da vitória , na segunda parte do prolongamento; as duas atacantes, Le Sommer e Diani, muito velozes e fortes fisicamente mas também bastante dotadas tecnicamente e sem qualquer receio de assumir o um para um; e, finalmente, a guarda-redes Bouhadi, com uma excelente leitura do jogo e absolutamente impressionante a jogar com os pés.

De muito negativo, neste excelente espectáculo, algo que é bastante recorrente no futebol e que mostra como a mudança de algumas leis do jogo não passaram de pura estupidez: a guarda redes brasileira, cada vez que segurava uma bola demorava uma eternidade para relançar em jogo; de tal modo que comecei a contabilizar o tempo a partir dos segundos 45 minutos e por 7 vezes ultrapassou os 10 segundos e uma vez atingiu os 18 segundos (!!!); em mais de 20 anos desta mudança dos 6 passo para os seis segundos já assisti a bem mais de um milhar de jogos e não me recordo de uma única vez ter sido assinalado livre indirecto por aplicação do excesso de tempo com a bola nas mãos. Para quê então a regra? É ainda mais estúpida que a recomendação de 1995 de, em caso de dúvida, nas situações de eventuais fora de jogo, beneficiar o ataque – até com a possibilidade de recorrer ao VAR, a maioria dos fiscvais de linha continuam a ter como “reacção instintiva” (já nem digo defensiva, porque com a possibilidade de recurso ao VAR passou a ser apenas ímbecil) levantar a “bandeirola”.

O resto dos oitavos, deverão ser jogos muito interessantes, particularmente o Suécia- Canadá e o Holanda-Japão.
Como curiosidade, ficam os futuros emparelhamentos nos quartos de final: a França irá apanhar o vencedor do Espanha-EUA; a Alemanha jogará com a Inglaterra (enorme jogo em perspectiva); a Noruega defrontará o vencedor do Suécia-Canadá e o vencedor do Itália-China jogará com o vencedor do Holanda-Japão. O que poderia levar 8 equipas europeias aos quartos de final, sendo, no entanto, pouco provável que a Espanha consiga bater os EUA e algo difícil que a Itália vença a China ou mesmo que a Suécia bata o Canadá.

Actualizando os dados referentes às assistências: com ainda 10 dos 14 jogos de mata-mata por efectuar já foram aos Estádios 741.997 espectadores pagantes, o que dá uma média de 18.550 espectadores por jogo. Atendendo a que os próximos jogos deverão trazer as maiores assistências e que já estão lotados os jogos das meias-finais, do 3º lugar e da final, podemos afirmar com garantia que serão ultrapassados o 1,1 milhões de espectadores.

Um abraço a todos os tasqueiros com o desejo decontinuação de bom Futebol Feminino.

* às segundas, o Álvaro Antunes faz-se ao Atlântico e prepara-nos um petisco temperado ao ritmo do nosso futebol feminino