Chegado a Portugal com 10 anos de idade (filho de emigrantes, família quase exclusivamente lampiona), começou-me desde logo a aborrecer, neste país em que dois « F’s » e meio são « Futebol », a basófia galinácia que me era dada a contemplar.

Estávamos em 1984, época onde marcavam presença pelo Clube atletas como Damas, Zezinho, Venâncio, Jordão e Manuel Fernandes, e onde despontavam Carlos Xavier e um recém-chegado Oceano. A comichão que o Clube provocava aos meus irritantes interlocutores deve ter contribuído para este amor à primeira vista, mas sei lá bem, só percebi claramente que o coração era verde e branco, de Leão, e assim fiquei, longe de imaginar que esse era o segundo ano de um longo jejum de 18.

Mas esse jejum nunca importou, em Era de putaria a Norte, entretanto substituída pela toupeirice da nádega contro-lateral. Porque havia fibra, havia sentimento, havia honra, havia história. Pelo caminho houve também Jorge Gonçalves e as suas « unhas », e depois a grande crise de 1988-1989, com salários em atraso à mistura, hemorragia de jogadores a rescindirem com justa causa (Morato, Fernando Mendes), uma puta de sina por cá, está visto….

Lembro-me de, nessa época em que tudo parecia desmoronar como um castelo de cartas numa crise que sucedia a outra crise, antes do « Rei das Águas » pegar no leme e dar arrumação à casa, de ler uma entrevista marcante daquele que seria um dia o maior e melhor Capitão que conheci em vida no Sporting, dizendo que ali se jogava por amor à camisola, e que se jogava sempre tudo em cada jogo, e que os problemas de dinheiro teriam tempo para ser resolvidos como sempre são no maior Clube português. Restituindo alguma da dignidade perdida pelas traições do defeso.

Orgulho! Não seria apenas um Capitão de equipa, era o Capitão de todos os sportinguistas, a sua reserva moral, aquele elemento que nunca deixava o adversário esquecer a grandeza que tinha o Clube, e que ele tão bem personificava, Comportamento exemplar dentro e fora do campo, capacidade de esforço e sacrifício inigualável, força e pulmão fora do comuns, mais de 400 jogos, quase 50 golos.

Nestes tempos de hoje e sem o seu carácter e amor ao Clube (que já não existem na profissão, não assim…), Oceano da Cruz seria uma estrela de uma equipa qualquer de topo europeu, a jogar a Champions todos os anos, e a fazer uma perninha pela Selecção.

Um Leão, que na minha infância e adolescência personificou o que de melhor o Sporting significava. Quase sem títulos, mas com toda a alma e mais alguma. Diferente….

Quando em 1998 ele deixa vergonhosamente o Clube, da forma que foi (em conflito com o paneleiro do Carlos Manuel que treinava a equipa, sem o apoio que devia ter recebido dos dirigentes da altura), foi o Sporting que eu conhecia que foi enxovalhado, foi o Sporting em que eu acreditava que foi posto em causa. Mais do que ninguém, ele merecia estar no Clube dois anos depois, e acabar a carreira finalmente campeão pelo seu Sporting. Nunca mais se repetiu um Capitão assim, nem sequer vagamente parecido.

E foi em 1998 que eu decidi que não me identificava mais com esta Associação Desportiva, que tratava assim as suas lendas e a sua história, e em que deixei de pagar quotas (retiradas com tanto sacrifício da mesada…) e de seguir a sua actualidade. Pelo menos não com a paixão de outrora, não com a assiduidade nas bancadas do passado. Distante, e foi distante que festejei os campeonatos de 2000 e 2002, e a inauguração do estádio.

Entretanto comecei a trabalhar, nasceram os filhos e, para lhes incutir os valores nos quais sempre acreditei, reaproximei-me, e reassociei-me (mais eles) após cerca de 10 anos de divórcio, em 2009. Tempos mornos, mais parecidos com os tempos de 1986-1989, e desta feita com a agravante de não haver a reserva moral que continham alguns atletas e que eu tive a felicidade de presenciar.

Após penoso e lento definhar, eis que em 2013 surge um vento de mudança, uma lufada de ar fresco. Um projecto personificado pelo Bruno de Carvalho, com uma sucessão de bons treinadores, com um arrumar da casa, com uma revitalização geral das modalidades e das estruturas, com a criação de uma espinha dorsal na equipa de futebol, com uma cessação da crónica hemorragia de atletas sem ponta de racionalidade, e por aí fora. Voltei a ver um Sporting à Sporting, com valores parecidos aos que sempre acreditei serem característica do Clube, voltei a vibrar genuinamente, tal como tinha deixado de o fazer desde a golden-hour do Liedson quase uma década antes.

Depois é o que se sabe, a hecatombe de disparates e erros estratégicos do final da época 2017-2018, devidamente atiçados pelos anticorpos entretanto criados, e chegámos ao defeso da época passada com todas as suas patetices e dificuldades. Estamos ainda em convalescença de mais uma desgraçada crise, com mais desgraçadas rescisões à mistura e delapidação do património do Clube. Ficámos todos com um pouco menos em que acreditar, mais uma vez, num Clube que teima em testar a nossa fidelidade a troco de quase nada, e cada vez menos.

Acredito porém na regeneração, acredito que as coisas podem mudar outra vez, e que tempos melhores poderão vir. Que há algures reserva para mais um reerguer. Este não será o último Presidente, e estes não serão os últimos treinadores e jogadores do Sporting Clube de Portugal, e com eles ou com os que se lhes seguirem, as coisas poderão voltar a ficar de acordo com os princípios fundamentais do nosso lema, e gerar o entusiasmo e a paixão do passado recente (e de tantos outros passados menos recentes). Pegando no recente discurso no Dia da Nação, basta que nos voltem a dar razões para acreditarmos, desta feita enquanto colectividade.

Por isso não brinquem com os sentimentos dos sportinguistas: o anterior Presidente do Clube, que fez um trabalho mais que meritório em prol do mesmo a vários níveis, e que também cometeu erros pelos quais pagou bem caro pessoalmente e profissionalmente, foi e É SÓCIO do Sporting Clube de Portugal! E TEM QUE CONTINUAR a ser sócio do Sporting Clube de Portugal! O seu afastamento compulsivo seria uma nova machadada em tudo aquilo que acredito serem os valores deste Clube, e tal como eu existem muitos, muitos mais, make no mistakes. Não quero voltar a divorciar-me desta nossa Associação, mas fá-lo-ei seguramente se essa for a opção desta Direcção, pois não irei nunca pactuar com algo em que deixei de acreditar, e não posso acreditar em quem faça uma coisa destas a um homem que tanto nos deu, e que tanto deu de si, com as suas qualidades e defeitos.

Assim tenham estes dirigentes a inteligência de o perceberem, e de compreenderem bem como querem continuar a gerir o Clube: com os seus sócios e adeptos juntos e pacificados, ou com apenas uma parte dos sócios e adeptos.

ESTE POST É DA AUTORIA DE… Placebo
*às quartas, a cozinha da Tasca abre-se a todos os que a frequentam. Para te candidatares a servir estes Leões, basta estares preparado para as palmas ou para as cuspidelas. E enviares um e-mail com o teu texto para [email protected]