Imaginem que são arguidos num processo crime. São escoltados pelo meirinho e quando chegam a tribunal o vosso advogado informa-vos que o júri vai deliberar ao mesmo tempo em que é produzida prova, sendo que, enquanto o vosso advogado expõe os argumentos de defesa e alega em vosso favor, o juiz profere a sentença.

Agora imaginem outra situação. No parlamento, um partido minoritário apresenta um projeto de lei. Durante o debate do mesmo, os deputados procedem à votação da referida lei, com o argumento de que os partidos maioritários iriam sempre chumbar esse diploma, uma vez que o partido minoritário não tem força, só por si, para fazer aprovar a lei em discussão.

Por último, imaginem que chegam atrasados à vossa assembleia de condóminos, não mais do que 20 minutos e são informados que todos os pontos foram já aprovados, sem que houvesse discussão, uma vez que há uma convicção generalizada, entre os condóminos, de que todas as moções deveriam ser aprovadas.

Ora, o que há de comum nestes três casos? A resposta é simples – um completo atropelo pelos princípios mais elementares de democracia, direito e justiça, bem como de um processo justo e equitativo, aquilo que os hooligans designam como “due process of law”.

Com efeito, não há tribunal, parlamento ou assembleia – dignos desse nome – que permitam a votação e o debate em simultâneo, uma vez que é essencial o exercício do contraditório entre os membros desses órgãos.

E porque motivo é assim tão importante discutir primeiro e votar depois? Simples. Não é na televisão, nem nas redes sociais que as pessoas devem fazer valer os seus direitos ou formular os seus juízos de opinião. De facto, por muito aborrecido que seja, em democracia, precisamos de convencer os outros que não temos culpa de algo, que as nossas ideias são as melhores ou que apenas queremos participar do debate, para contribuir com soluções e adquirir maior consciência sobre o que vai ser deliberado, mesmo que o nosso voto não tenha qualquer impacto no resultado final. Ora, não é por acaso que o princípio da aparência na democracia e no direito é dos mais importantes, uma vez que as regras, por mais formais que sejam, têm um propósito e um fim.

Como já devem ter percebido, este texto refere-se às últimas assembleias gerais do SCP, bem como à próxima deste sábado.

Este procedimento recentemente adotado – debater e votar em simultâneo – é perigoso e banaliza a vida associativa do clube. Os assuntos que têm sido votados, ou os que estão para ser aprovados, são demasiado importantes para não serem discutidos entre os interessados. Reparem que temos diante de nós uma convocatória para uma assembleia e não para uma votação.

Jogar com as regras a nosso favor pode ser perigoso e, por vezes, em certos casos, esse jogo pode-se virar contra quem manipula essas regras.

Pergunto: hipoteticamente, se o SCP no Natal estiver afastado de todos os títulos e um conjunto de sócios pedir a destituição desta direção, a mesa da AG adotará o mesmo procedimento?

Alguns dirão – “mas isto não altera nada, quem vai votar já sabe como votará”. É verdade. O problema é que se votarmos todos no fim, apenas teremos no pavilhão os “maluquinhos e os doentes”, uma vez que a malta do tour do pastel da nata já voltou a essa hora para o seu núcleo e respectivas casas. E aí sim, o resultado final poderia ser outro.

Por fim, cumpre referir que tudo se torna ainda mais grave, quando temos um presidente de mesa que para além de exercer as funções para as quais foi eleito, é ainda um reputado e experiente advogado, bem como, um ilustre professor académico dos mais variados ramos de direito. O que faria o presidente de mesa, se num tribunal, um determinado juiz escrevesse a sentença enquanto o primeiro, na pele de ilustre advogado de defesa, proferisse as suas alegações?

São estas as perguntas que adoraria ver os sócios do SCP perguntarem ao presidente de mesa, sem ironias e sem ofensas. Está na altura de pensar no clube e dar utilidade aos direitos e deveres que cada sócio tem. Ser sócio não é apenas pagar uma quota.

ESTE POST É DA AUTORIA DE… Bucefalus, the Great
*às quartas, a cozinha da Tasca abre-se a todos os que a frequentam. Para te candidatares a servir estes Leões, basta estares preparado para as palmas ou para as cuspidelas. E enviares um e-mail com o teu texto para [email protected]