Quarenta anos de sportinguismo dá para viver muita coisa, entre um punhado de alegrias pontuais e muitos, demasiados desgostos e frustrações, alguns com contornos de tragédia.

Vivi cair aos pés do Inter de Zenga e companhia o sonho de trazer a Taça Uefa para Alvalade. Vi os 3-6 em Alvalade, o voo, ou carga, do Luisão sobre o Ricardo no estádio da Luz e dias depois o choque frontal numa parede chamada CSKA. Mais recentemente, vi um maldito tufo de relva arrancar do coração de uma nação faminta de glória um campeonato que nos foge há demasiado tempo. E vi a debandada a conta gotas dos tais ídolos que não são ídolos nenhuns mas desgraçadamente são a alma de um clube, talvez a principal razão de existir de um clube, mesmo que de um clube eclético como o Sporting. Murros daqueles de encostar o estômago lá bem atrás, à coluna vertebral. Dolorosos, pungentes, persistentes. Uma pessoa ia à cama e acordava de rastos no dia seguinte. Dois dias depois já doía um bocadinho menos. Até ver novamente a verde e branca em campo, retomar o ânimo e começar de novo.

Até mesmo naquele que foi o acontecimento mais traumático da vida do Sporting, foi possível reagir ao choque com alento: quem de nós não esboçou um pequeno sorriso de alma perante a ideia meio louca de um plantel 2018/19 100% made in Sporting?

Isto, meus amigos, é diferente. E a questão que não me sai da cabeça nos últimos tempos é esta. O que é o Sporting, o Sporting é o quê afinal? É o museu, o palmarés, o legado? É as suas equipas, os seus atletas, os seus ativos? É o Estádio e a SAD? O pavilhão e as modalidades? É os sócios, os adeptos em geral? Sim, eu sei que é tudo isto, ok. Mas se o pudéssemos definir numa única ideia, qual teria mais peso? De tudo isto, para mim, o Sporting é sobretudo os seus adeptos, e por mais voltas que dê, aí reside a minha angústia.

Eu vi o Sporting antes de Bruno de Carvalho, e vi o Sporting do durante Bruno de Carvalho. Não sou melhor nem pior do que os outros, fiz a minha opção de ideia para o clube, e os outros fizeram a deles. E durante os últimos 5 anos, pelo que vi, ouvi, li, apercebi-me que não sou sportinguista do mesmo clube que muitos outros. É claro que os adeptos de um clube têm diferenças. Mas as “nossas” diferenças são demasiado grandes. A tal ponto que atualmente não me sinto mais distante de um adepto do Benfica ou do Porto do que sinto de uma grande parte dos “meus”. Não me imagino a voltar a abraçar o sportinguista ao meu lado nas bancadas se souber que esse sportinguista votou a favor da expulsão do meu presidente. Não me interpretem mal: eu não sou melhor do que ele, simplesmente o meu Sporting não é o dele, e o dele não é o meu.

Termino com outra questão. É melhor viver numa caverna e poder tocar as suas paredes, sem saber o que existe fora dela, ou ser levado pela mão de alguém para fora dela, que me mostre que existe um universo, e passar a viver na angústia de saber que não posso tocar nas paredes desse universo? Aí está uma razão válida para expulsar Bruno de Carvalho. Rachou o Sporting de alto abaixo, e desse ponto de vista, foi justo. O problema é que com ele, também eu me sinto expulso. O clube, ou que resta dele pode chamar por mim, mas eu sou aquele gajo que está na bancada e não consegue saltar o fosso até ao relvado. Com o cartão de sócio na mão como sempre, mas mais órfão do que nunca.

ESTE POST É DA AUTORIA DE… Bala78
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