O Sporting voltou a não ganhar e, pior, voltou a dar sinais de ser uma equipa completamente sem rumo. Frente a um Marítimo que apostou tudo em jogar no erro, os Leões, sem jogo colectivo, estiveram sempre dependentes da inspiração individual e deixaram dois pontos na Madeira, dando um passo em falso no arranque do campeonato

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Primeiro a pré-época, depois a Supertaça, agora o campeonato. O Sporting ainda não saboreou uma vitória 2019/20. Claro que podemos dizer que na visita à “ilha maldita”, aquela na qual, há dois anos, uma derrota por 2-1 nos roubou milhões e nos atirou para um dos períodos mais negros de toda a nossa história, o Sporting teve oportunidades mais do que suficientes para ganhar. Claro que teve.

Só à conta de Raphinha os Leões podiam ter saído da Madeira com dois ou três golos de vantagem no marcador, com o desespero a ser levado ao limite aos 87′, quando o extremo brasileiro, poço de transpiração mas de total ausência de inspiração na hora de definir, viu as bolas rematadas por si embaterem duas vezes no mesmo poste. A esse lance se juntam mais três, sempre protagonizados pelo camisola 11, sempre desperdiçados.

Do outro lado, um Marítimo que se apanhou a vencer sem saber ler nem escrever, aproveitando a “ratice” de um reforço, que fez daquelas faltas sacanas sobre Thierry (ontem no 8, depois do 80 frente ao benfica) e aproveitou para se esgueirar pela esquerda e cruzar para a emenda de um desacompanhado Getterson. Aos 8 minutos, na primeira incursão à nossa área, os insulares colocavam-se na frente do marcador e davam uma valente paulada no moral de uma equipa à beira de um ataque de nervos.

Há quem diga que a postura corporal dos jogadores diz muito sobre eles e, ontem, tive Mathieu como barómetro desse aspecto. Completamente fora de forma (aliás, tirando Raphinha, Wendel e Thierry, todos os outros jogadores parecem precisar de máscara de oxigénio), o francês é o espelho dos fantasmas com que esta equipa vive. A forma como um enorme jogador, com a experiência acumulada aos 35 anos, olha em redor como se a alma estivesse vazia é sintomático. A forma como, duas, três, quatro vezes ao longo da partida tem lances comprometedores dizem tudo o resto.

E esse postura corporal tem continuidade no banco, onde Marcel Keizer indicia tudo menos saber o que fazer para inverter a queda (já para não falar das conferências de imprensa onde o homem cada vez menos quer estar e as quais aproveita para enviar alguns recados à hierarquia). Ontem, depois da surpreendente aposta em três centrais contra o benfica, regressou ao seu 4-3-3. O problema é que o seu 4-3-3 já não é o 4-3-3 que nos fazia sorrir e que fazia chorar os adversários. O jogo entre linhas desapareceu, porque Nani já não está, porque Wendel tem que descer demasiado para ajudar na construção (e, ontem, o brasileiro bem tentou estar em todo o lado), porque a ideia de ter Vietto a ajudar nesse papel morreu, porque Bruno Fernandes ficou sozinho nessa tarefa. E, com isso, o Sporting que circulava a bola, construía a dois toques, tinha uma intensa reacção à perda da bola e criava oportunidades de golo em catadupa, desapareceu.

Ora, a isto juntarmos mais dois problemas. Primeiro, a ausência de magia nas alas, onde se descarta Matheus Pereira e se deixa Plata em casa a crescer em frente à televisão (já para não falar de termo-nos esquecido de um puto chamado Elves Baldé). Depois, a incapacidade de, em 9 meses de trabalho, não ter havido capacidade de resolver os problemas das transições defensivas. A ausência de um seis a sério tem enorme peso (Gudelj tinha a velocidade de um caracol nas transições defensivas e só brilhava quando a equipa jogava enfiada lá atrás; Doumbia e Eduardo são dois número 8 a fazerem o que podem na adaptação) e torna-se realmente ridículo não se ter dado uma oportunidade a Daniel Bragança, rapazinho que, com jeitinho, ainda permitiria um duplo pivot com Wendel e nos daria futebol entre linhas. E para quem acha que estou a exagerar, basta recordar o que aconteceu ontem, assim que Manta Santos lançou Daizen na partida. O japonês, já destacado no bloco de notas, transformou num verdadeiro tormento os últimos 15 minutos da partida, lançando o pânico de cada vez que arrancava no espaço vazio e ainda atirando uma bola ao poste.

Com tudo isto, o Sporting chega ao final dos jogos com 70% de posse de bola, vivendo preso a um duplo colete de forças: por um lado, são raras as vezes em que trabalha em equipa para saber o que fazer ao esférico e fica dependente da inspiração individual que vai faltando à vista desarmada; por outro, vive num constante receio de ser apanhada numa transição rápida do adversário. E quando tem que tentar resolver algo, Keizer atira gajos lá para dentro sem qualquer critério, como se viu ontem, quando Vietto e Dost entraram em campo sem qualquer desenho táctico que sustentasse as mexidas.

Ou seja, mais do que uma questão de perder ou não perder pontos, o que se sente é que não são dados sinais de melhoria ou de que existem ideias para proporcioná-la. Ao nível do relvado e ao nível da estrutura, provavelmente um bocadinho chateada, mas nada preocupada com este empate.

Marítimo-Sporting, 1-1
1.ª jornada da Primeira Liga
Estádio da Madeira
Árbitro: Tiago Martins (AF Lisboa)

Marítimo: Charles; Nanu, Zainadine, Dejan Kerkez, Rúben Ferreira; Bambock, Jhon Cley, Vukovic (René Santos, 88′); Correa, Edgar Costa (Marcelinho, 71′) e Getterson (Daizen Maeda, 56′)
Suplentes não utilizados: Amir, Lucas Áfrico, Barrera e Erivaldo
Treinador: Nuno Manta Santos

Sporting: Renan; Thierry Correia, Coates, Mathieu, Borja (Diaby, 84′); Eduardo (Vietto, 73′), Wendel, Bruno Fernandes; Raphinha, Acuña e Luiz Phellype (Bas Dost, 73′)
Suplentes não utilizados: Luís Maximiano, Tiago Ilori, Neto e Miguel Luís
Treinador: Marcel Keizer

Golos: Getterson (8′) e Coates (29′)
Ação disciplinar: cartão amarelo a Eduardo (19′), Raphinha (23′), Correa (23′), Zainadine (36′), Edgar Costa (71′), Coates (88′), Rúben Ferreira (90+1′) e Thierry Correia (90+2′)