“Nesta direção lideramos pelo exemplo”. A frase é dita pelo presidente Varandas e repetida como uma punchline que demarca a atitude do atual dirigismo do Sporting com o passado recente. Escapa-me sempre a necessidade de permanentemente fazer a prova de contraste para com o que está para trás, mas ainda me escapa mais a coerência da “guideline” para com a recente opção de aumentar os vencimentos da Administração da SAD.

Vou ser transparente nesta matéria – o mérito, o empenho e a competência devem ser bem remunerados. Se Varandas, Cal e Zenha trouxerem resultados evidentes e indiscutíveis de capacidade para fazer crescer o Sporting em termos financeiros, estruturais e competitivos, serei o primeiro a “pegar no cheque” e cobri-los dos prémios remuneratórios que forem precisos. O talento vale muito dinheiro e no mundo do futebol, quem dá títulos e crescimento, merece ser compensado.

A questão para mim não é a premissa. É a prova. Onde estão as “jogadas de mestre” financeiras que transformaram a nossa tesouraria em algo funcional e desafogado? Onde estão as melhorias evidentes na estrutura humana e física da Academia? Onde posso encontrar as mudanças substanciais no Marketing? Onde estão as “anunciadas” formas de comunicar inovadoras? Onde está a nova estratégia de knowhow no Scouting? Onde está o aumento de competitividade do plantel principal? Onde está a união do universo leonino? Onde está o fim da ansiedade e face palms dos adeptos ao analisar a gestão desportiva do clube?

Na verdade todas estas perguntas podem ser resumidas em apenas uma neste momento: onde está a razoabilidade ou legitimidade para estes dirigentes se decidirem aumentar a eles próprios?

A minha resposta é muito directa: não há. Não existe. Não há prova alguma de excelência que mereça ser recompensada com aumentos significativos. A verdadeira resposta esteve exposta na entrevista de Zenha à Lusa: são aumentados por querem, porque podem e porque se acham no direito a aproximar as suas massas salariais ao que os seus congéneres recebem na SAD do Benfica e Porto. Confesso que depois de ler esta justificação, devo ter ficado com cara de Keizer (escrevi bem?) durante uns bons minutos.

Seria mesmo real que o Vice-Presidente do Sporting argumentou aquilo? É assim tão absurdamente estúpido que nos tome todos por deficientes mentais ao ponto que “comermos” aquela merda de resposta sobre o preço e custo do talento e como o Sporting deve atraí-lo através de boas condições salariais? É isso que o Sporting está a fazer? Meus caros, só há uma forma de responder a tanta hipocrisia… “Caro Dr.Zenha… vá para o caralho!”

Depois de meses e meses a acusar dirigentes passados de gestão equívoca, de terem herdado uma situação financeira instável e à beira da ruptura, de terem gravado na pedra que a necessidade de racionalizar a despesa e conter gastos era suprema. Depois de terem rasurado do plantel Montero, Nani, Dost e Raphinha, substituindo-os por pó (em nome da poupança), depois de vários departamentos e secções terem visto diminuídas a sua capacidade de investimento, depois de vários atletas terem visto a porta de saída, os decisores de toda esta FMIzação leonina, decidem dar-se a si próprios um prémio. Bri-lhan-te. Assim de facto, é…“fácil”.

É tão fácil como ficar revoltado com a incompetência que esta malta revela em “ler” o clube e os adeptos. Em entenderem que não podem nunca pedir “sacrifícios” à ambição leonina de ganhar, esfregar-nos com as nossas limitações face aos principais rivais e depois…quererem mais equidade face ao que ganham os dirigentes do Porto e do Benfica. Relembro aos mais distraídos que nos últimos 20 anos, o Porto e o Benfica acumularam 18 títulos de campeão (Porto 11, Benfica 7). Relembro que desde o início da Liga dos Campeões, acumularam 38 participações na fase de grupos face às nossas 8 (Porto 23, Benfica 15).

Se ainda quiserem mais argumentos, façam a comparação entre orçamentos, vendas de jogadores, número de treinadores despedidos no histórico dos últimos anos. Vejam bem e entendam porque é desonesto querer “ganhar o que os (dirigentes dos) nossos rivais ganham”. Não é uma questão do impacto que estes aumentos terão nas contas, mas sim a legitimidade, mérito e sobretudo a prova de carácter que nos é dada a conhecer. Se de facto liderassem pelo exemplo, nunca decidiriam ser premiados, nunca decidiriam dar a eles próprios aquilo que não dão aos funcionários, à esmagadora maioria dos atletas.

Nunca decidiriam expor a sua completa falta de noção quanto ao momento do clube e da SAD e o quão grave este autismo se pode revelar escavador de um fosso ainda maior entre aquilo que os sócios e adeptos querem ver no comando dos destinos do Sporting. Se já estavam nas mãos dos jogadores da equipa de futebol, ficaram-no ainda mais. Se a bola bater na trave, esmagar-se-á também o caminho desta direção, pois não souberam dar os sinais que deviam de que são líderes, de que querem o mesmo que nós adeptos, de que estão nisto pelas razões certas, num “custe o que custar” que será o único propulsor que teremos para nos aproximarmos dos nossos rivais.

Uma direção do Sporting menos que excelente, apenas nos manterá no limiar da sobrevivência como grande, nunca superará as enormes distâncias que temos face à concorrência. Ser “melhor que o Braga” ou conquistar duas taças numa época é apenas isso – sobreviver – não corrige nada, não nos devolve a confiança no futuro, não traz novos sócios nem aumentos de receitas. Porquê o prémio? Porquê o aumento? Não revela esta atitude uma intrínseca falta de ambição, ao congratularem-se por terem conquistado as migalhas da época desportiva? Não revela esta “satisfação” uma gigantesca falta de percepção quanto ao que será a reação dos adeptos à expectável má performance da equipa principal no que resta da época?

“Liderar pelo exemplo” não é isto. Isto é apenas dizer adeus à “união” e ao pacto com o clube e os adeptos. Uma promessa mais que incumprida, atraiçoada.

zenha-varandas

*às quartas, o Zero Seis passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca