Levanto-me quase sempre cedo e a primeira coisa em que penso é no Sporting. É assim desde que me lembro. Penso no Sporting antes de pensar na minha família. Isto dito assim tão frontalmente parece frio, e é. Poderia parecer corajoso, mas há um certo anonimato por detrás do meu nickname. Quanto muito, com optimismo, seria meio-corajoso.

Apesar deste meu peculiar acordar, são incontáveis as vezes em que questiono o meu sportinguismo. Hoje é mais uma. E invariavelmente acabo a pensar no menino que após a derrota por 4-0 com o Rapid Viena fez toda uma avenida a chorar, com a garganta apertada e sufocada, a caminho de casa. No café, não bastara o resultado, benfiquistas e portistas, adultos, haviam sido implacáveis. Deitei-me com raiva. Não seria a última vez. Se aquela almofada falasse, traria ao mundo os mais belos poemas de vernáculo concentrados.

Foi ali que me tornei num doente, num radical sportinguista. Dito assim frontalmente até parece frio. Talvez seja. Mas não é bem radical no sentido mais… radical. Não consigo explicar, pois o meu sportinguismo não vê admitido na lógica ou na razão o conceito que melhor o define: o de sportinguista-radical-moderado. Radical porque sempre defendi o Sporting com unhas (roídas) e dentes (cerrados); pelo Sporting vou aos píncaros e às catacumbas; posso chorar de alegria e rir de tristeza. O meu sportinguismo nunca teve um botão de ligar e desligar conforme as conveniências (talvez um standby não fizesse mal). Mas depois consigo moderar esse radicalismo, refrear a montanha russa, ter esperança, respirar fundo e parar para pensar. Pensar soa erudito quando o adequado é remoer. É o que estou agora a fazer: a remoer. É da Crise, da do Sporting e da minha. Já nem as diferencio mas disfarço habilmente e torno-me frio.

Muitos poderão dizer que já devia estar habituado, só que nunca me poderei conformar com a cumplicidade entre o Sporting e a Crise. É que agora tenho mais um porquê, uma causa, um propósito. É como pai sportinguista que tenho a obrigação de educar dois filhos: uma menina de 6 anos e um menino de 4 meses. Torná-los sócios foi a parte fácil (demora um minuto). O difícil, difícil começa agora quando começarem a chegar as perguntas para as quais posso não ter as respostas adequadas. Essas perguntas. Esse é o meu grande fantasma, um medo que pensava não vir a ter. Não sei o que fazer e tenho vergonha de perguntar como se faz. Não quero que sejam hoje eles os meninos que vão para a cama com raiva. No fundo sei que ao transmitir-lhes o Sporting estou a demonstrar-lhes que na vida o sucesso tem muitas vezes caminhos difíceis, que não podemos viver de ajudas asseguradas e favores garantidos, que é necessário trabalhar arduamente, que devemos escolher bem em quem depositamos a nossa confiança, que nos devemos orientar por valores e princípios nobres, que devemos lutar pela felicidade. Sei disso tudo. É de certa forma um sportinguismo-darwinismo quando penso torná-los mais aptos para enfrentar o futuro. E dito assim também parece frio. Não é. Tem amor, tem muito amor. Mas raios me partam, estamos em Setembro e tenho frio.

ESTE POST É DA AUTORIA DE… Zezinho
*às quartas, a cozinha da Tasca abre-se a todos os que a frequentam. Para te candidatares a servir estes Leões, basta estares preparado para as palmas ou para as cuspidelas. E enviares um e-mail com o teu texto para [email protected]