Directo ao assunto. O que passa com o Sporting? Podia começar a responder à pergunta de forma bruta e superficial com um bom “fácil” e depois enumerava aquilo que todos estão a dizer sobre o tema. Podia, mas não é isso que quero fazer. Ao contrário do que me apetece realmente, vou abrir a caixa de ferramentas racional e partilhar convosco como vejo a mais recente sequela daquela série que todos acompanhamos chamada “Crise no Sporting”.

A bola não entra. Os jogadores jogam mal. Os treinadores mudam-se e os gestores stressam. Os adeptos revoltam-se. Novidades? Zero. Não há aqui nada de novo para ficar surpreso. Este tem sido o estado do Sporting nos últimos 30 anos. Houve hiatos? Sim, existiram momentos em que não sentimos que o emblema estava a ir pelo cano. Surgiram intervalos entre momentos onde acreditámos que a incompetência era geral no governo do clube. Como se explica isto?

Como se explica que em 30 anos exista a profunda convicção na esmagadora maioria dos sócios que os Conselhos Directivos foram maus? Como se explica que em várias eleições, tenhamos eleito sempre más opções? Como podemos articular esta incapacidade para gerar boas direções? Terão os sócios competentes passado sempre ao lado das listas vencedoras? Terão os incompetentes permanente salvo conduto até aos gabinetes da direção?

Digo-vos já que não acredito em infalibilidades. Logo também não acredito no oposto, na falibilidade permanente e generalizada. A tendência de aplicar o rótulo da incompetência a quem não é bem sucedido é facilitar na compreensão do problema. Na verdade um dirigente pode ter insucesso mesmo sendo competente, tanto como uma boa ideia pode não resultar, um bom jogador não “colar”, um bom treinador não resultar. O nosso dilema não tem sido a competência, mas sim os resultados finais. E aí, em 30 anos, fatuamente falhámos à grande. Em 30 anos contam-se pelos dedos das mãos o número de pessoas a quem reconhecemos sucesso (logo competência) no futebol do Sporting.

O que acredito estar na origem do problema, não são as más escolhas dos sócios nas AGs, não é a competência dos dirigentes, nem sequer é a falta de dinheiro ou poder nos corredores do futebol. O que nos falta há 30 anos ou mais é uma cultura, uma identidade, a capacidade de aceitarmos o que somos. O que se tem passado é, na minha opinião, toda uma enorme disfunção de personalidade. Achamos que somos maiores do que somos na verdade. Imaginamos riquezas, massas de pessoas e poder. Somos uma espécie de realismo mágico em forma de clube, onde todos preferimos viver de sonhos e aspirações, recusando viver o momento, rejeitando a verdade.

Não estou a dizer que não somos uma enorme instituição, com imensos adeptos e uma história gloriosa, com um impacto social e cultural importantíssimo no nosso país e pela diáspora lusitana. Isso nós somos. O que não somos é, hoje em dia, mais do que isso. Não somos (e só estou a falar de futebol) um clube organizado, não temos dinheiro para resolver tudo de forma instantânea, faltam-nos ferramentas e bases para competir ao nível dos nosso rivais, temos um ausência de influência nos poderes do desporto tremenda, etc. Somos grandes em tamanho, apenas isso. Falta o resto, sendo que o resto é o que temos desprezado.

Da grandeza ao sucesso tem nos escapado toda uma série de compreensões. Compreender o que é um projecto de futebol. Compreender que é preciso tempo para o colocar a dar frutos. Compreender que temos de debater as razões e as ideias e não as pessoas ou os seus comportamentos. As ideias e os projectos não estão dependentes de quem as tem ou aplica (são afectadas, mas não dependem). O problema do Sporting é que nunca existiu nenhum projecto ou ideia do que queremos ser. Existiram dezenas de aglomerados de medidas, centenas de pessoas para tentar dar corpo às mesmas, mas faltou sempre o mais importante. O pacto.

Sem um acordo geral do que é o nosso projecto para o futebol, a linearidade plano-implementação-resultado está sempre comprometida. Há princípio, nem sempre há meio, raramente chegamos ao fim. Andamos a saltitar entre “anos zero”, entre “projectos”, entre ideias pontuais que não obedecem à verdade do que somos, à urgência do que precisamos. Se perguntássemos a Varandas qual é o seu projecto para o futebol, temo que responderia com 5 ou 6 ideias soltas sobre o resultado que pretende desses pontos, mas seria incapaz de traçar um desenho nítido e claro de qual é o paradigma do nosso clube e como consegue chegar até lá.

Não seria Varandas ou qualquer outro antes de si. As direções têm sido pouco mais do que vontades pessoais de 2 ou 3 pessoas, que numa cúpula vão tentando gerir os dinheiros disponíveis para tantas solicitações. A grandeza consome-nos a disponibilidade mental e nunca nenhum presidente optou por parar. Simplesmente parar e pensar “mas o que é que eu estou aqui a fazer?”. E faria falta pensar isso mesmo – o que é que o Sporting deve fazer? Porquê? Será a melhor forma? Serão os melhores meios? É com estas pessoas? É com outras?

O que tem acontecido é uma mudança de caras, experimentamos e deitamos fora. Não ganha, siga. Será este o caminho? Não será melhor termos as ideias primeiro e depois sim eleger os mais competentes para as levar a cabo? Deixo esta pergunta à vossa consideração.

*às quartas, o Zero Seis passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca