Não consigo imaginar melhor fotografia do que esta para tentar dar ideia de qual é o actual estado do Sporting: um carro todo amolgado, quase inutilizável, mas que continua a insistir em rodar pelas estradas e abastecer-se para isso. O carro meio-espatifado não é o Sporting, num todo, é mais o resultado do que tem sido a política e estratégia para o futebol seguida pelo actual Conselho Directivo liderado por Francisco Varandas; o abastecimento desse mesmo carro é a recente contratação de Silas para treinador da equipa principal.

Como é óbvio, apesar do estado lastimável do futebol, precisa-se mesmo de um treinador para tentar dar um rumo a algo que anda à deriva sem perceber para que lado fica terra. Isso não está em causa. A questão é outra: é a mudança de treinador o suficiente para inverter este ciclo devastador e que caminha para ser o pior de sempre na história centenária do clube? A minha opinião é que não. O problema do Sporting não é a mudança de treinador, ou só a mudança de treinador, é muito mais vasto do que isso, é um conjunto de situações que concorrem entre si e que juntas resultam num quadro indigno e repugnante. Podemos enumerar algumas: má planificação da época, falta de critério nas contratações, falta de aproveitamento dos jogadores da formação; falta de estratégia na comunicação, com um comportamento belicista e divisionista; falta de defesa da imagem do clube; falta de posicionamentos claros relativamente às questões da arbitragem e restantes questões do futebol português; desorientação na gestão de activos, ou na venda e dispensa de jogadores; critérios de gestão financeira pouco claros; etc,- certamente algumas coisas faltarão.

Relativamente a Silas, não sei se será o homem certo para deter esta onda de resultados negativos e pontos perdidos, é uma incógnita, e o seu currículo é muito escasso para tirar ilações concretas, mas um aspecto parece indiscutível: Silas não é uma escolha, é o que sobra de escolhas que não foram possíveis. É portanto, um remendo, e não é com remendos que se resolvem situações com necessidade de intervenção delicada e profunda. Até pode resultar para mitigar, mas quando se mitiga já significa em si que no geral as coisas não estão bem. Mitigar é conter estragos e o Sporting não é um clube onde se coadune uma estratégia de reactividade, onde se corre apenas atrás do prejuízo, o Sporting é um clube onde se tem de correr para a vitória e tem de estar estruturado para se apetrechar sempre para a vitória. E não pode ser de outra maneira.

A vastidão de problemas que trouxeram o Sporting a um estado moribundo, não vai ser resolvida com um penacho que não vai trazer mais do que um efeito cosmético, e que é resultado de uma soberba, vaidade e presunção aterradoras. É preciso ir assim com urgência a eleições e os motivos não são ambíguos.

Plantel
Que plantel vai ter Silas para gerir? Silas até pode ser um treinador excepcional, um catalisador de emoções, mas que grau de manobra tem quando está perante um plantel destroçado psicologicamente e ciente de que a sua liderança (Conselho Directo) não é uma segurança, antes uma insegurança. Por um lado, os jogadores que viveram Alcochete, já há muito perceberam que o que aconteceu não foi um simples acontecimento de violência contra jogadores, há muito mais coisas ligadas, uma rede trincada, e isso tem um impacto tremendo na sua cabeça. Por outro, os jogadores mais recentes integraram-se num ambiente em que a perpetuação de um trauma tolhe qualquer capacidade competitiva, e não são acolhidos numa dinâmica potencializadora.

É um plantel envolto em nebulosa, e que carrega ainda o peso de estar ciente de que não há planificação e estrutura que os proteja, sabendo que este fim de janela de transferências trouxe nada mais do que fundos de catálogo e que a próxima janela de transferências provavelmente o trará novamente. O sentimento que deve impregnar o espírito dos jogadores, provavelmente, deve ser: “Que raio é que eu estou a fazer aqui? “Nunca mais chega a Dezembro para sair deste filme.”. A disponibilidade para dar tudo em campo e ter a concentração necessária para assimilar processos tácticos consistentemente é uma equação entrópica. Acrescentemos a isto, a certeza que jogadores de top não arriscarão vir integrar o plantel, e a margem de manobra para acrescentar talento e valor é muito reduzida.

Perante a falta de estrutura e de uma estrutura em si não há mudança de treinador (até pode ser o melhor do mundo) que possa resultar em algo que dê frutos no presente e que sirva de base para o futuro.

Serviços Mínimos
9 jogos oficiais, apenas 2 vitórias, contando com mais 2 empates e 5 derrotas – Incrível! Mais, incrível, o Sporting conta neste momento com 3 derrotas seguidas em casa (já nem o factor casa serve para alguma coisa). Em todos os jogos desta época, incluindo os da pré-epoca (14 jogos), os Leões sofreram golos, sendo que em 10 deles sofreu 2 ou mais golos. Que belo quadro que se apresenta…

É preciso mudar o chip. Renovar. Respirar sem os constrangimentos de crises de ansiedade constantes. A urgência de ir a eleições, não se traduz só na necessidade de blindar o plantel e fazê-lo acreditar que pode fazer coisas bonitas no clube, é preciso também perceber que neste momento está em causa não só a presente época, mas como também a(s) seguinte(s). É preciso estancar a hemorragia o mais rápido possível e garantir que não fiquemos de fora da Liga Europa. Infelizmente, e perante o cenário actual, é urgente acautelar, no mínimo (irónico), serviços mínimos. E isso, só é possível como novo rumo.

Não é só o factor desportivo, é também o factor financeiro que está em causa. Perder até o apuramento para a Liga Europa, significa mais um rombo nas contas que trará, por arrasto, o aumento do fosso em relação aos rivais e um nivelamento por baixo, ao nível de um Braga…

Crises
A crise não é só desportiva, a crise também é financeira. O novelo que se desenrola deixa antever que a perda de receitas é um ponto incontornável. Se por um lado, já visto, o plantel desvaloriza e capacidade negocial do clube se vê reduzida, por outro a perda de adeptos e receitas com bilheteira, merchandising e envolvimento com clube traz a perspectiva de um futuro descapitalizado, materialmente e humanamente. Não é bonito ver um estádio às moscas, mas para lá caminha pelo rumo palmilhado.

À crise desportiva e financeira é preciso que não se instale uma crise de identidade que impeça a renovação geracional do clube, crise que poderá ser irreversível com a perda da maioria da SAD. E tendo em conta que é neste mandato que a que se chegou o maior passivo de sempre, 324, 8 milhões de euros, a urgência de cortar com esta gestão é vital para dar um pontapé em todas estas crises.

É preciso cativar os adeptos afastados, recuperar quotas, recuperar o calor da massa associativa, que os novos sócios e adeptos sintam orgulho em ser Sporting. Mas para isso acontecer é preciso que o Clube exista enquanto Clube e que tenha capacidade para lutar.

Perigo de Contágio
Se ainda podemos ter orgulho em alguma coisa, é nas Modalidades. São as Modalidades que têm dados alegrias e títulos, não só nacionais como europeus. Aqui, é preciso manter o nível elevado. Não há sinal que a crise tenha chegado às Modalidades, mas é preciso evitar o perigo de contágio. O afastamento dos sócios e adeptos por influência do Futebol pode ter impacto nas Modalidades, desde logo pela quebra nas quotas.

Este é mais um argumento a acrescentar, sobretudo quando vemos um atleta campeão do mundo, Jorge Fonseca, a ser ostracizado, por “delito de opinião”. Incompreensível, e um sinal de que o perigo de contágio é bem real.

Formação
Se não fosse a formação que seria do Sporting? Sabemos o que valeu a formação nos últimos, responsável por dar ao clube jogadores capazes de dar competitividade ao plantel e por trazer benefícios tanto ao nível da imagem do clube, como a nível financeiro, através de vendas importantes, como João Mário, a maior venda do clube (cerca de 40 milhões), mas também Adrien Silva, Nani, ou até Ruben Semedo e Bruma, entre outros.

Mas o que é resta da formação (tanto usada como bandeira por este CD) hoje no Sporting? Muito pouco. Já é grave não se aproveitarem os talentos da casa em detrimento de contratações dúbias e empréstimos estapafúrdios, mas bem pior será se os rumores de que as camadas jovens andam a saque de interesses de empresários que fazem gato-sapato do Sporting, até porque sabem que o podem fazer, se confirmarem. O recente Relatório e Contas pode ser um indicio desse rumor: O Sporting devia dinheiro no exercício 2017/2018 a apenas 21 empresários, mas no exercício 2018/2019 passou a dever a 41 empresários.

Ora se o Sporting apenas fez 10 contratações no último exercício, e sendo que em 3 delas não houve comissões associadas (Llori, Renan e Rosier), isto significa que o Sporting em 13 momentos teve de pagar comissões em contratos que não foram para a equipa principal. Não há nomes dos jogadores para saber quem é quem no Relatório, mas a recente entrevista (12 Setembro n´A Bola) de Aurélio Pereira deixa, nas entrelinhas, uma sensação de que onde há fumo, há fogo. Se olharmos para a maneira como o Sporting na equipa principal, se deixou entregar nas mãos de empresários, seria assim tão estranho que acontecesse nas camadas jovens?

Presidencialismo
De urgência em urgência, é preciso não só olhar para o presente e futuro, mas também para o passado com um olhar crítico e mais a jusante do que a montante. Muitos falam na necessidade de uma 3ª via, o que significa uma candidatura que não se conote com nenhum dos actos do passado mais recente, contudo isso anula desde logo perceber que o Sporting têm tido um problema estrutural de visão.

A meu ver, o problema do Sporting tem sido o modelo Presidencialista, e isso varre quase tudo o que foi Presidente depois de João Rocha. Não vou ser exaustivo, mas os exemplos de Sousa Cintra, que conseguiu criar fortes expectativas, para as depois destruir com decisões impulsivas como o despedimento de Bobby Robson e venda de Valck em 1993/1994, o que valeu a perda de 2 campeonatos; da fanfarrice de Santana Lopes que usou o clube para se promover apenas a si e trazer o cavalo de troia SAD; a incapacidade de Godinho Lopes, que achou que por magia podia perceber de futebol; a obstinação de Bruno de Carvalho, incapaz de reflexividade sobre a circunstância da altura; e agora o desnorte de Frederico Varandas – tudo isto, aponta para o desastre do modelo Presidencialista no Sporting.

Última Nota
Eleições no Sporting, eram para ontem. O clube precisa de se levantar, precisa de se unir (deja-vu), por tudo o que foi dito, e pelo muito que falta aqui mencionar. Mas o paradigma tem que mudar, e as candidaturas (e candidatos) têm de afastar deste modelo presidencialista, demasiado centralizado, autista, e sem reflexividade, caso contrário corre-se o risco de as eleições serem uma forma de validar actos de gestão semelhantes. O Sporting precisa de ter estrutura que tenha continuação para além da temporalidade dos cargos eleitos.

A mobilização urge, consciente e emotiva. Sobretudo, felina. Adiar é, provavelmente, esmorecer.

ESTE POST É DA AUTORIA DE… Montenegro
*às quartas, a cozinha da Tasca abre-se a todos os que a frequentam. Para te candidatares a servir estes Leões, basta estares preparado para as palmas ou para as cuspidelas. E enviares um e-mail com o teu texto para [email protected]