As palavras que dão título a este post são de Ivkovic e fazem parte de uma entrevista concedida ao Expresso, a respeito da aposta com Maradona e do penalti defendido, e que só hoje apanhei.

Uma boa leitura para este domingo em que esperamos que a mudança de hora também nos traga sinais de mudança ao nível do que a nossa equipa de futebol faz em campo.

Estou, Ivkovic? Ok, fui um bocado chato.
Sim, vá, diz diz lá coisas…

Bom, amanhã [sexta-feira, 27 de setembro] passam-se exatamente 30 anos daquele teu episódio com o Maradona, em Nápoles.
Olha, esqueci-me, mas não costumo fazer essas contas. Mas é um número redondo.

Daí estar a ligar-te.
É impressionante, é impressionante, uma coisa impressionante, pá. Passou tanto tempo, mas parece que foi ontem.

Se parece que foi ontem, deves lembrar-te…
[interrompe] Olha, lembro-me de entrarmos um pouco antes da hora dentro do campo de San Paolo, em Nápoles, só para passear. Foi ideia do preparador físico. Assim, os adeptos deles assobiavam o queriam, deitavam tudo cá para fora, para nós nos habituarmos. Só depois é que fomos fazer o aquecimento. E então veio o jogo.

E?
Posso dizer que fizemos um jogo sólido, um jogo sólido e equilibrado. O Nápoles tinha uma grande equipa, e não era só por causa do Maradona [Ferrara, Alemão e Careca faziam parte desse célebre Nápoles],e levámos o jogo para os penáltis, depois do 0-0. As emoções ficaram todas para os penáltis e, para mim, sempre estive à vontade nos penáltis, desde miúdo que defendia bem os penáltis.

Porquê?
A ideia era sempre a mesma: vocês marcam todos por mim e eu, pelo menos, defendo dois. Só que nos miúdos eu ganhava os jogos, nos seniores foi mais difícil [gargalhada].

Mas já tinhas encontrado o Maradona antes, verdade?
Sim, no Campeonato do Mundo de Juniores, no Japão [em 1979, triunfo da Argentina]. E já tinha uma história com ele, porque nós [antiga Jugoslávia] jogámos no grupo com eles [Grupo B, juntamente com Polónia e Indonésia; passaram os argentinos e os polacos]. E ele tinha a mania de marcar livres com os três dedos de fora do pé esquerdo e eu meti-me com ele; acabei por adivinhar o que ele ia fazer. Depois, Nápoles, e aquela ideia maluca que tive.

Reconta lá essa ideia maluca.
Eh pá, já contei tantas vezes, já é chato para vocês e para mim, não é? Saiu-me naquele momento: quis fazer uma aposta com ele em como ele não me marcava o penálti. O Maradona a olhar para mim com um ar sério, o árbitro a rir-se, e eu atrás do gajo a dizer-lhe: “Então, mas queres ou não queres? Queres ou não queres? 100 dólares”. E ele: “Quero.” E eu defendi, mas saímos da Taça UEFA [4-3, após g.p. na segunda-mão; primeira-mão, em Alvalade, 0-0]

O Maradona deu-te os 100 dólares?
Deu, pois, logo a seguir deu-me os 100 dólares e a camisola que nunca mais me lembro onde a pus, não sei o que lhe aconteceu, mas olha, paciência.

E gastaste os 100 dólares?
Não, estão no meu livro de recordações que eu tenho. É assim, pá.

Voltaste a encontrar o Maradona, no Mundial de 90. E…
E voltei a defender o penálti.

Sei que é chato mas…
Na véspera do jogo com a Argentina, houve um jornalista que me fez uma entrevista e pegou na história do penálti em Nápoles. Foi assim:

– Então e se chegar a penáltis, o que vai acontecer?
– Vou defender outra vez.
– Você está a brincar, ou está a falar a sério? É maluco?.
– Não não sou nada maluco, vou defender.
– E vai apostar?
– Eu, não, mas se o Maradona quiser apostar, apostamos.

O jornalista, depois, foi ao centro de estágio da Argentina e colocou a pergunta ao Maradona: “Queres apostar?”. “Não, só quero concentrar-me no jogo”.

E chegou o jogo.
E fomos para penáltis. Eu chamava e chamava por ele, “Maradona, Diego”, e ele baixava a cabeça, não queria olhar para mim. “Olha, amigo, já sei para onde vais chutar”, e o Maradona nem levantava a cabeça, só queria pôr a bola no pontinho. Quando, finalmente, levantou a cabeça, eu disse-lhe, enquanto apontava e inclinava o corpo: “Olha vais chutar para aqui, para aqui”. Fingi que me atirava para ali, fui para o lado contrário e ele chutou a bola para as minhas mãos. Ele ficou maluco, destroçado. Só que depois nós falhámos duas grandes penalidades e fomos à história. E nunca mais o voltei a ver nem a falar com ele.

Esses tempos no Sporting eram muito diferentes dos de agora?
Quer dizer, só há dois tempos no Sporting: complicados e bons, e há muitos mais tempos complicados do que bons. Não há equilíbrio. Quando se ganha, é uma maravilha. Quando se perde, é problemático. Sabes que mais? Depende dos dirigentes. No futebol não pode ser tudo bom num dia e no seguinte ser tudo uma tragédia. O Sporting tem de ser gerido de uma outra forma, porque uma derrota ou uma vitória não podem mudar a forma como tu fazes a gestão do teu clube. É impossível.

Segues a atualidade do Sporting?
Os treinadores… Bom, os treinadores no Sporting parecem aqueles homens que estão nas fábricas a passar garrafas de uns para os outros, estilo… Falta-me a palavra.

Linha de montagem?
É isso, como no filme do Chaplin [“Tempos Modernos”], sem parar, sem parar. Os treinadores são como as garrafas em linhas de montagem, e isso não é de um clube sério, honesto. Um treinador pode ter culpa? Pode. Mas dois, três, quatro treinadores não podem ter a culpa de tudo o que se passa. Isso é só para limpar a imagem dos dirigentes, isto não tem nível nenhum, não é? Quando se erra, tem de se admitir que se erra, o problema não é do treinador. E já se viu que não é do treinador, mas dos dirigentes. Por várias razões, o Sporting não consegue montar uma equipa melhor do que a do Benfica ou que a do Porto. Portanto, o Sporting tem de assumir que tem de jogar para 3.º ou 4.º lugar, mas montar uma equipa para jogar à bola, com jovens. Os sócios querem ver o Sporting jogar futebol, não podem comprar jogadores sem qualidade. É que depois as asneiras que se fazem lá em cima [na administração] chegam cá abaixo [equipa de futebol] e acontecem coisas como as daquele rapaz, que não quero dizer o nome.

O Coates?
Pois, o central. Isto está tudo ligado: não se pode desligar aquilo que se passa no campo com o que se passa lá em cima. A infelicidade dele é um reflexo do que se passa no clube.

Alguma vez te contactaram para integrar alguma estrutura no clube?
Fui chamado para ser embaixador do Sporting no estrangeiro. Fizeram um vídeo bonito, e tal. Era eu, o Juskowiak, o Mpenza. Quem me mostrou isto foi um porta-voz do presidente.

Mas de qual? De Bruno de Carvalho?
Não, não do médico [Frederico Varandas]. O vídeo estava bem bonito, mas até agora ainda ninguém me disse nada [risos].

Voltando atrás: quais eram os teus amigos no Sporting?
Ó pá, passei muitos bons anos lá. O Damas era espetacular, o Oceano, o Carlos Xavier, Balakov, fazíamos almoços, jantares.Tudo era mais natural na altura. Ah, também o Venâncio. Não havia chatos, eram todos uns gajos porreiros. O Oceano era um ‘palhaço’ do caraças, mas quando chegava o jogo ficava sério, tal como o Xavier. Vivíamos num bom momento só que, na altura, o presidente era o Sousa Cintra.

E?
E o Sousa Cintra era assim: quando ganhavas, dava-te tudo; quando perdias, tirava-te tudo. Não tinha experiência. Ser dirigente das Águas das Pedras não é a mesma coisa do que ser presidente de um clube com o Sporting. Era tudo bom ou era tudo uma tragédia. Aliás, como é que ele dizia quando perdíamos? Ah, era assim: “É tudo uma merda, foda-se, como é possível” [gargalhada]. Ele era porreiro, pá, mas de futebol percebia muito pouco.

Mas o que é que ele vos dava quando ganhavam? Aumentos? Prémios?
Dava tudo, tudo… E depois, rasgava, não dava nada. E sendo uma pessoa aberta, falava com os jornalistas todos, as pessoas nem imaginam. Quer dizer, tu imaginas, não é? [gargalhada]. Olha, mas digo-te, o Sporting é o meu segundo clube, depois do Dínamo de Zagreb. Nunca me vou esquecer do Sporting, da Juve Leo, dos sócios, só boas lembranças.

E aqueles anos 80 e 90? Como eram? Sentia-se o domínio do FC Porto?
Ohhh, naqueles tempos… Era na Europa toda: cada país tinha o seu Porto. O comportamento dos árbitros e dos dirigentes era diferente quando se tratava do Porto – e o Porto ganhava muita coisa, o Benfica menos. Naquela altura, era difícil, mas também te digo uma coisa: sabes quando é que os árbitros ajudam?

Não.
Quando uma equipa está bem, quando uma equipa tem qualidade. Aí, sim, o árbitro pode ajudar. Uma equipa que joga mal não pode ser ajudada pelo árbitro. Eu, agora, como treinador, sei porque é que um árbitro apita assim ou assado, trago a minha experiência também de jogador. E sei distinguir a maldade de uma falha, de um erro normal.

E tu viste maldade em Portugal?
É pá, posso dizer que o Pinto da Costa e o Reinaldo Teles eram as pessoas que toda a gente queria agradar. Porquê? Porque havia a ideia de que eles podiam ajudar quando fosse preciso. Faziam-se bonzinhos, queriam ficar perante eles. Como é que se diz em português? Olha, queriam ser puxa-sacos, foda-se, puxa-sacos [risos]. Mas houve uma dose de maldade por parte de um árbitro, o Veiga Trigo. O gajo ‘matava-nos’ sempre que apitava um jogo do Sporting, era como se nos desse tiros. Só faltava vestir a camisola da equipa contrária. Tu vias logo que não tinhas hipótese.

Estás a treinar?
Neste momento estou desempregado, mas estou em negociações com uma equipa para voltar ao ativo.