Antes de mais, as minhas desculpas (sem culpa) à comunidade da Tasca e dentro desta, ao dono do estabelecimento, pela ausência do petisco semanal, da minha parte. A vida não é só Sporting e por vezes há que dar atenção a outros assuntos que nos ocupam parte desta coisa que dura 24 horas e chamamos dia.

Vivemos um tempo peculiar em matéria de Sporting. Não é nada de novo, infelizmente a “casa” tem andado quase sempre desarrumada e quase sempre numa espécie de alvoroço que torna as paredes mais finas que cartão prensado. A chuva está amolecer a, já por si, fraca consistência e tudo ameaça ruir à próxima tempestade. Há quem esteja por dentro a rezar por dias de sol. Há quem esteja de fora a fazer danças da chuva. Há, por fim, quem esteja já a escolher os materiais para erigir as novas instalações do edifício de governação leonina.

Se não vos é dado a conhecer este lado do nosso mundo verde e branco da (des)construção, posso dar aqui um contributo e enriquecer a vossa imaginação. Neste preciso momento há pelo menos uma dezena de pretendentes a novos inquilinos da 10A. Ainda estão, como disse, a escolher os “materiais” e com isto quero dizer “nomes”. A nem é por perfis ou habilidades, é apenas a procura é por nomes, quanto mais sonantes melhor. Estes, serão o mármore italiano e o soalho de madeira rara. A pretenção é clara e passa por “vender” o projecto aos “financiadores” da obra (que são os sócios, ou melhor, os sócios que votam) começando pela exibição do quão requintado e glamoroso vai ser o acabamento da coisa. Enfim, o normal. Sendo que “este” normal é cada vez menos o que o estado do clube necessita.

Não tenho dúvida que acabarão, na sua maioria, por dar em mapas de acabamento bastante impressionantes, com visualizações espetaculares em 3D, daquelas que nos fazem duvidar se é foto real ou apenas um render computadorizado bem feito. Sinceramente, canso-me desta tendência de começar projectos pelo “aspecto”. Pela riqueza ou aparente soma de riqueza que em vão procuramos vislumbrar nas somas de nomes sonantes. Entediam-me as “propostas” que se constroem do fim para o princípio, ou seja, começando pela escolha dos “Quem” e acabando numa espécie de “Como”, que é na verdade um autêntico rechear do peru, sendo que a ave somo nós os sócios e o recheio é um aglomerado de ideias avulsas que se enfia à bruta, à pressa e à parva, nas nossas ilusões de competência, poucos dias depois de se iniciar o espaço de campanha.

Assim, meus caros consócios leoninos, é fácil. Não “fácil, fácil” como diriam outros, mas ainda mais fácil do que isso. Faço 100 telefonemas, envio 100 emails, organizo 10 ou 15 jantares, provavelmente o dobro dos almoços e prometo muita coisa a muita gente. Pode parecer uma trabalheira, mas é um ínfimo esforço, é uma preguiça monumental e revela muito do que se está disposto a entregar ao clube. Acreditem…é quase tudo, mais jantar, menos almoço, mesmo assim. E é muito triste. Não admira que depois, na ausência de paredes sólidas, na carência de uma visão partilhada do que é sequer uma casa, à mínima intempérie, os revestimentos bonitos mas inconsistentes, cedam e exponham muito mais cedo do que seria suposto, a inutilidade de juntar pessoas debaixo de apenas um propósito – “ir para lá”.

Ser eleito para dirigir, para presidir, comandar ou liderar qualquer coisa não passa apenas por ser o topo da pirâmide das decisões. Passa muito mais por ser a base e a génese da inspiração, da motivação, da visão e da estratégia do que se irá fazer. E isto, meus caros, é muito do que tem faltado aos sucessivos Órgãos Sociais do Sporting. A missão tem passado mais pelo glamour do privilégio do que (o pouco glamoroso) suor de quem trabalha, metendo mãos na massa e não o garfo na pasta. As listas de nomes, depois da eleição, tornam-se numa espécie de espectro social, uma nobreza e clero eleito para aplaudir (e ser visto a fazê-lo) as decisões do CD, essa “casa real” de dinastias válidas por 4 anos.

A tudo falta identificação com uma missão concreta, a todos falta uma verdadeira participação no que foi a construção da ideia que vão implementar de Sporting. E falta tudo isto, porque na verdade, nunca existiu ideia nenhuma para partilhar, não há missão ou visão para além da sobrevivência do mandato, há apenas a observação política do processo, escapando a materialização da ideologia – ou seja – porque queremos governar, de que forma o faremos, o que queremos que o nosso governo produza. Parecem questões semelhantes, mas são bem diferentes e respondidas de forma consistente, antes e não depois da eleição, podem tornar-se mais inspiradoras para os sócios e sobretudo projectos que valha a pena ler o manifesto ou programa eleitoral.

Foi por tudo isto que decidi participar no Movimento Sou Sporting, não porque me interessa o que posso ter ou usufruir, vindo do Sporting ou debatendo o tema, mas precisamente pelo contrário. Pelo que posso contribuir. Pela primeira vez vi uma junção de sócios começar pelo princípio, pelas ideias, ou se quiserem pela grande ideia do que seria o “seu” Sporting e só depois iniciar esse trabalho tão duro como motivador de descobrir os caminhos para lá chegar. Tenho a certeza que esta junção de “Esforço, Dedicação e Devoção”, que não procura “Glória”, holofotes ou prémios, dará bons frutos (na verdade já deu) e será sempre um projecto útil, pois parte de um pressuposto tão simples, mas no contexto de Sporting, tão raro: todos somos Sporting, todos somos importantes, todas as visões podem ser debatidas até ser eleita a melhor e a mais vantajosa para o Sporting.

Ao imaginar um clube sem limites ou fronteiras, sem divisões ou antagonismos, somos livres para sonhar e somos ainda mais livres para trabalhar rumo a esse objetivo. Não há paraísos, não há nada que não tenha um custo, a visão não é lírica nem etérea, é dinâmica e pretende-se objectiva. Confesso-vos que o estímulo de estar envolvido numa ideia em que não estou a combater, a desprezar, a rebater ou a desvalorizar outros sportinguistas é muito mais recompensador. Não estou a fazer envagelizações baratas (nem caras, porque não há mecenas nem padrinhos) do que cada um decide fazer. Por mim, o desejável era que todos participassem nos “movimentos” que quisessem, seguindo as ideias e os projectos que acham melhores. Melhores para o Sporting.

O importante é que participemos todos o mais possível, debatendo o mais possível, confrontado saudavelmente argumentos e soluções, emergindo do insulto pessoal nas redes sociais, emergindo das facções dos grupos de Facebook, WhatsApp ou Twitter, emergindo do ódio e da procura da diferença, iniciando um novo tempo na cabeça e motivação de cada um. Um tempo de convicções e não “achismos”. Um tempo de verdades e não teorias de conspiração. Um tempo de engrandecimento do Sporting e não do eterno continuar do seu empobrecimento. Se o Sporting é “nosso”, também é meu E esperar que de 4 em 4 anos surjam iluminados que, cada vez menos defendem o que eu defendo e querem o que eu quero para o Sporting, simplesmente não funciona.

Este é o tempo de desfocar da expressão das discordâncias ou das vergonhas que sentimos com os erros de quem dirige o clube. É o tempo de nos juntarmos, pensarmos, debatermos e usarmos o espaço de comunicação que nos rodeia para propor as nossas ideias e vontades a todo o universo leonino. O Sporting não acaba nos seus dirigentes (nem sequer começa) e temos de parar de nos isentarmos de contribuir, temos de parar de nos reduzirmos aos assobios, aos insultos, que embora sejam opinião e plenas de direito, não constroem nada, nem solucionam nada. O CD é uma representação eleita pelos sócios, pode, aliás…deve escutar e acompanhar as “nossas” vontade. Há estatutos para cumprir e espíritos democráticos para respeitar, quanto mais Sportinguistas se envolverem, maiores e mais fortes serão as ideias, mais sólidas serão as propostas, mais sensíveis terão de ser os dirigentes ao que lhes suposto ser sempre sensíveis.

Façam o que quiserem, mas não se dediquem de corpo e alma apenas aos ódios e os ajustes de contas, foquem o que será o “vosso” Sporting, imaginem-no, partilhem-no e debatam-no com outros sportinguistas. Foquem o que é preciso para construir o vosso “novo” Sporting e não o que é melhor para destruir o “velho”. As ideias melhores impõem-se naturalmente e no momento mais tenebroso, cada um de nós pode ser um começo de algo diferente, algo muito mais forte e com muito mais futuro. A solução está no Sportinguismo de todos nós, não nos jantares e almoços de uns poucos. Pensem nisto.

*às quartas, o Zero Seis passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca