Se um jogo de futebol nunca é só um jogo de futebol, então, uma derrota nunca será só uma derrota. A meia-final da Taça da Liga contra o Braga não foi apenas calendário, não se resume apenas à importância diminuta da prova. Não foi mais uma eliminação. Foi o fim.

Muitos de vocês reagirão com estranheza ao facto de que para muitas pessoas como eu, este jogo em particular tenha sido a pequena gota que fez transbordar o copo. Mas é um facto e é até muito fácil de explicar. Quem acompanha o que escrevo, quer aqui quer nas redes sociais do perfil Zero06Seis sabe que não tendo sido nunca um “apoiante” deste CD e muito menos um crente na “união” ou “fácil, fácil” varandista, dei o tempo e a oportunidade que qualquer sócio deve dar a uma direção. Apesar de não ter um, mas 3.233 pés atrás no que diz respeito à confiança que tinha na valia este elenco, fiz o que pude para criar um ambiente racional, de ponderação e de muita paciência.

Acredito que governar (bem) o Sporting é das tarefas mais difíceis à face do planeta. O peso da história, as carências de sucesso de uma enorme massa adepta, a falta de recursos e estrutura face aos mais diretos rivais, um ambiente competitivo a transbordar de esquemas, lavagem de dinheiro, cartéis, gangsterismo e tráfico de influência, nada disto torna fácil a consolidação de um projecto. Nada disto permite gerir só racionalmente e “by the book”.

Não se ultrapassa este quadro fazendo o óbvio, dizendo o óbvio, escolhendo o óbvio. O tempo que dei a este CD, foi exactamente o tempo que um ser humano inteligente e diligente levaria a entender este quadro, desenhar uma estratégia, implementá-la, corrigi-la e tudo fazer sentido quer operacionalmente quer na agregação dos sócios dentro do desenho e não completamente marginais ao mesmo. O tempo foi dado e nunca me arrependerei do gesto, até porque nunca deixei de manifestar qualquer discordância ou desacordo. Simplesmente não acrescentava um cardinal e um “out” ao apelido do presidente, no final de cada tweet ou comentário no facebook.

Infelizmente, e digo isto com toda a franqueza, esta direção não soube aproveitar o “meu tempo”, não soube aprender e empreender bem o tempo que todos os outros lhes deram. O tempo acabou. Todos os dias, a partir da derrota em Braga serão prejuízo, serão a mais, serão invasores de um tempo que não já não pertence a Varandas ou a Rogério, a Zenha ou a Cal. Pertence aos sócios. Pertence a todo o futuro do Sporting.

Porquê agora? Muitos de vocês até acrescentarão um “só” à pergunta. E talvez tenham razão. Talvez sejam mais inteligentes, mais astutos, mais conhecedores dos meandros ou melhores preceptores deste interminável serpentear da saga leonina. Talvez até sejam mais aguerridos, mais combativos ou mais honestos intelectualmente que eu. Desse grupo, os que me conhecem sabem porque tive paciência, porque não acredito em “oposições” prematuras, porque acho que se deve ser justo e leal com qualquer direção eleita pelos sócios do Sporting.

Mas foi a seguir ao apito final do famigerado “ferrari vermelho” que o meu copo transbordou. Não foi pela derrota, foi pela forma como perdemos. Dominados quer com 11, quer com 10. Sem chama, sem alma, sem confiança ou habilidade. O Braga teve o árbitro, mas também teve mais coragem, mais engenho, mais vontade. Teve mais equipa e embora sem Brunos Fernandes ou Acuna, Mathieus ou Coates, é melhor equipa do nós. Essa foi uma constatação óbvia para quem viu o jogo e quer queiramos quer não, o Sporting parece a cada jogo desta época espelhar um número de dificuldades cada vez mais inconcebíveis olhando as promessas feitas por esta direcção.

Estamos cada vez menos competitivos, e o pior, é fácil perspetivar que continuaremos nesse caminho. Preparamo-nos para transferir o nosso maior ativo, sem que seja sequer entendido como ou quando vamos suprir essa saída. Jogadores como Mathieu, Acuña, Coates ou Wendel têm a porta de saída entreaberta com pouca ou nenhuma confiança que serão substituídos por igual ou melhor. O plantel tem cada vez menos soluções, acumulando problemas e contratações que nunca poderão passar de remendos, que rapidamente caem no estatuto “vai ser bonito recuperar o investimento”. O resultado não é azar, nem fruto de alguma contingência financeira. É o resultado de mau scouting e de demasiada fé que um jogador mediano, a partir do momento em que veste a camisola do Sporting, se torna imediatamente melhor.

Uma obra de arte de fraca qualidade estética ou conceptual no meio de uma coleção de alto valor artístico sai valorizada e disfarçará a sua menor valia ou erro na aquisição. A mesma obra, colocada numa coleção de igual valia, tenderá a ser pouco ou nada valorizada, bem pelo contrário, será mais um problema que se soma e menos uma oportunidade para melhorar o nível médio da coleção. Sei perfeitamente que quem for que tenha avalizado estas aquisições, apresentará como defesa a falta de verbas para chegar a melhores jogadores. Um duplo erro e nem vos vou insultar em explicar porque afirmo isto. O porquê dos equívocos desta deficiente gestão desportiva são mais relevantes que explorar os erros em si.

A grande promessa desta direção foi bem vincada. A capacidade de melhorar a equipa e os resultados do futebol profissional. A célebre sapiência em operar “a casa das máquinas” ficou tão por provar como a união que anunciaram. Os erros foram sistemáticos: saíram os jogadores errados, entrou quem não trouxe diferencial, as verbas que recebemos foram mal gastas e à medida que íamos vendendo o que tem valor, fomos ficando com um plantel em que se torna difícil descobrir quem será o líder, a estrela, fiável ou o garante de pontos. Pelos dias de hoje estão todos depositados no mesmo jogador, mas e quando sair? Quem liderará a equipa em campo? Quem marcará ou dará a marcar? Quem sairá da exibição mediana? Quem será apontado como o melhor jogador? Quem irá representar-nos na Seleção?

Além desta francamente má gestão de ativos, há outros capítulos de ineficácia directiva. Uma comunicação de silêncios, completamente distópica do contexto do futebol português, onde tudo se resume a “coisas” que se passam à imprensa, desgarradas, sem coerência, deixando cada jornalista ou redação a preencher o vazio da estratégia, o vazio de uma forma de comunicar mais perturbada, que confiante, mais complexada que assertiva. Nunca ninguém conseguiu descobrir o que pensa Varandas, o que verdadeiramente quer, o que lhe é mais importante ou prioritário. Há declarações, mas se somarmos tudo, não há um fio condutor, uma identidade. Cada acto ou comunicação vale por si mesma, é pobre e sem alma. São palavras sem cara, sem açúcar ou sal, ideias que se esgotam sem paixão ou objetivo.

As escolhas do que dizer e do que sublinhar foram quase sempre erradas. Os “inimigos” foram quase sempre internos e pouca ou nenhuma atenção foi dada a tentar combater os verdadeiros rivais ou quem nos prejudica sistematicamente. Faltou sempre coragem, dignidade e convicção para dizer o que tinha de ser dito. Faltou sempre iniciativa para fazer o que tinha de ser feito. A mais recente “demanda” incidiu sobre as claques. Mais do que resolver o problema, tentou-se subjugar o problema, esquecendo que nem sempre o poder está em quem castiga, mas pode estar em quem sabe que tendo a razão pelo seu lado, negoceia com vista a uma aproximação e não a uma destruição completa. Ostracizar as claques, não resolve problema algum, tanto como fechar os olhos a todos os actos que foram fazendo e deviam ter merecido posições mais firmes.

As claques fazem sentido, acrescentam beleza e vivacidade ao jogo e ao espetáculo. O sentimento de impunidade e previlégio de quem que se aproveita cobardemente da agressividade e marginalidade de alguns grupos é o que deve merecer repressão, não é o facto de se sentir Juve Leo ou de outro GOA qualquer. Mas esse não é o papel de nenhuma Direção. É o papel da PSP, PJ e Governo. À Direção do Sporting compete cuidar que o ambiente do clube acolha todo o tipo de adeptos e sócios, mesmo que seja membro de uma claque, algo que não o diminui e lhe atribui tanta importância que qualquer outro sócio ou adepto.

Há em tudo isto uma inabilidade concreta em entender o fenómeno desportivo, como se “mexe” no futebol e qual é o objetivo a cada momento. Desapreciaram-se as massas, o diálogo com os adeptos e sócios, olhou-se em demasia para o universo leonino desprezando aquilo que está no seu centro – as pessoas, as causas, a partilha de ideias e ideais maiores que o acto de “apenas” dizer sim ou não, este ou aquele, agora ou amanhã. Gerir o Sporting, é acima de tudo, gerir as ambições, sonhos e motivações de dezenas ou centenas de milhares de seres humanos. Pessoas que se sentem tão ligadas ao seu clube, como se este fizesse parte da sua família, do seu dia-a-dia, da sua alegria ou bem-estar. Não saber isto ou governar à revelia disto, é falhar no básico e passar ao lado daquilo para que se foi eleito.

Neste momento creio que o melhor que Varandas e pares podem fazer é escutar, pensar e decidir. Decidir que cabe aos sócios manifestarem-se quanto ao caminho já feito por esta Direção e sobretudo quanto ao futuro. O melhor que podem fazer é evitar empurrar o clube para um acto de destituição, algo que não tenho dúvidas que irá acontecer tão cedo quanto as derrotas forem minando o pouco que resta de legitimidade, tão cedo quanto o número certo de sócios der expressão ao que já está à vista de todos: esta Direção não está à altura do desafio de fazer crescer este clube. Pode até querer fazê-lo, pode até tentar, mas não sabe como e levará um tempo que não temos para conseguir atingir essa eficiência.

Por tudo o que aqui escrevi (e tanto ficou por dizer) é completamente óbvio que este CD se deve demitir e pedir à MAG para convocar eleições, no prazo mais curto e justo possível. Se quiserem voltar a candidatar-se, estão no seu pleno direito. Mas acima de tudo urge não ter qualquer tipo de receio em admitir que quase tudo o que prometeram não foi feito, não está a ser cumprido e tenderá a ser impossível de concretizar até ao final do mandato. E esta é uma realidade que ninguém pode deixar de observar. Desculpas ou atenuantes não resolvem o futuro de nada nem de ninguém. O Sporting não pode desculpar-se de estar sempre adiado, atrás das falhas e defeitos, orgulhos e fantasmas de pessoas que se preocupam mais com as consequências do insucesso pessoal, do que com os prejuízos (do mesmo insucesso) para a nação leonina.

Este mandato, para mim, já pertence ao passado do clube. Espero que também eles saibam e aceitem isso, abrindo uma oportunidade para o futuro, onde também poderão estar, assim queiram os sócios.

*às quartas, o Zero Seis passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca