Decreto de Marcelo Rebelo de Sousa fez caducar automaticamente a licença especial que o Exército dera ao líder leonino. Para acumular funções militares e no clube, Varandas precisaria de uma autorização prévia. Não a tem nem adianta se vai pedir

Ocoronavírus está a ter impacto em todo o País, mas pode vir a surtir um efeito inesperado no Sporting. O presidente do clube, Frederico Varandas, gozava uma licença especial, sem vencimento, concedida pelo Exército por ser membro da Assembleia de Freguesia de Odivelas, como a VISÃO noticiou em novembro, e só através dela estava liberto das obrigações militares. Agora, com a declaração do estado de emergência por parte do Presidente da República, essa dispensa expirou automaticamente e o líder leonino voltou ao ativo no Exército. Pormenor: como estipula o Estatuto dos Militares das Forças Armadas, essas funções deveriam ser desempenhadas em exclusividade, mas, para já, não é isso que está a acontecer.

Vamos por partes. Após o decreto de Marcelo Rebelo de Sousa ter entrado em vigor (na quinta-feira, 19), Frederico Varandas prontificou-se a reassumir o lugar nos quadros do Exército para ajudar a combater a propagação da covid-19. No entanto, omitiu que era a própria Lei da Defesa Nacional que o compelia a regressar a uma realidade de que estava afastado desde 2013 (quando concorreu pela primeira vez nas listas do PSD à Assembleia de Freguesia de Odivelas). O artigo 33º prevê que “a licença especial caduca, determinando o regresso do militar à situação anterior” em várias circunstâncias, designadamente com “a declaração de guerra, do estado de sítio e do estado de emergência”.

Esse não é, contudo, o único problema legal com que o capitão Frederico Varandas, médico de formação, tem de se debater. O Estatuto dos Militares das Forças Armadas define que “as funções militares são, em regra, exercidas em regime de exclusividade”. A exceção, isto é, a possibilidade de acumular funções “depende de autorização prévia do Chefe de Estado-Maior (CEM) respetivo, de acordo com o regime de incompatibilidades e acumulações fixado para o exercício de funções públicas (…)”.

Contactada pela VISÃO, fonte oficial do Sporting, em nome de Frederico Varandas, contorna a alegada incompatibilidade e desvaloriza a dimensão formal do problema. “Estamos a viver um momento absolutamente atípico. É nosso entendimento, e também de todos aqueles que consultámos, que a noção de estado de emergência prevista na Lei de Defesa Nacional refere-se, regra geral, a cenários de guerra e que podem implicar, nomeadamente, mobilizações, mudanças de cidade ou país de residência. O panorama atual é diferente, estamos perante um cenário de pandemia declarada pela Organização Mundial de Saúde. E todos esperam que seja um período breve para que a vida possa retornar ‘à normalidade’”, vinca.

Realçando que “não faz sentido pensar que as licenças que agora caducam não sejam nova e imediatamente concedidas assim que se verifique o término da vigência do estado de emergência”, a mesma fonte não clarifica se o presidente do Sporting (e também da SAD verde e branca) pediu autorização para acumular funções militares e civis nem adianta se virá algum dia a fazê-lo. E também não se pronuncia sobre a presumível perda de mandato, caso essa prerrogativa não lhe seja concedida. Na prática, se tudo continuar como está neste momento.

A VISÃO questionou também o Exército sobre a concessão de uma autorização para que Frederico Varandas mantenha um pé nas Forças Armadas e outro no emblema de Lisboa, mas até à publicação deste artigo o gabinete de imprensa respondeu apenas que “o assunto foi encaminhado para os órgãos competentes a fim de ser analisado”.

Ora, num quadro em que já há um grupo de adeptos (o Movimento Sou Sporting) a pedir a convocação de uma Assembleia Geral (AG) para que os sócios se pronunciem acerca da situação de Frederico Varandas, o presidente da Mesa da AG, Rogério Alves, evita as polémicas. Garante somente que “analisará a questão, quando ela lhe for suscitada, no local próprio e no momento adequado”.

Seja como for, os próprios estatutos do clube de Alvalade não parecem jogar a favor do líder máximo dos leões. No artigo 37º, estabelecem que o mandato dos órgãos sociais “cessa antecipadamente”, entre outras razões, por “impossibilidade física” ou “situação de incompatibilidade”. No caso concreto do presidente do Conselho Diretivo, a sua queda “determina[ria] a cessação automática antecipada do mandato de todos os órgãos sociais”.

artigo publicado na revista Visão