Estamos afastados. Por tudo. Por nada. Por nossa culpa. E por culpa do mundo, que resolveu oferecer-nos uma palavra nova que nos martela os dias como um vizinho que acaba de mudar-se e resolve partir de alto a baixo a casa que era da Dona Cremilde e que deixou de sê-lo porque a Dona Cremilde deixou de esboçar aqueles sorrisos de rugas sinceras traídos por olhos ainda mais sinceros. Que já viam pouco, mas que diziam muito.

Não sei onde é que as pessoas guardam as coisas que não as fazem felizes. Para ser-vos sincero, nem sei muito bem dizer-vos onde raio eu guardo coisas que não me fazem feliz, porque há coisas como o raio dessas coisas que parecem ter desaparecido e às vezes voltam. Acho que foi mais ou menos assim que nos ensinaram. A todos. Estás triste? Vá, anima-te que para a frente é que é caminho e tristezas não pagam dívidas! E tu sorris. E andas para a frente. E olhas para as redes sociais e para o mundo que te rodeia e há fotos de aniversários, de lugares de sonho, de filhos, de netos, de primos, de férias, de casa nova, de biquini novo, do primeiro dia de escola, do último dia de escola que raios o partam ainda se fundiu com o teletrabalho. E lá pelo meio, lá bem pelo meio, entre milhares de miúdos e miúdas à procura de atenção quando não sabem o que fazer já a madrugada se quer armar em dia, aparece alguém que te diz que perdeu algo. Leva muitos corações, abracinhos virtuais que isto está mesmo é para evitar ajuntamentos, e a receita passa-se com um “vai ficar tudo bem”.

Alguém sabe se fica? Não, não fica. Porque a tristeza não tem morada e agarra-se ao vazio. Como o vazio que, à data de hoje, consigo sentir em relação a uma paixão que celebra 114 anos de vida.

O vazio não se fotografa. A alma, dorida, não se deixa ver. A não ser que já esteja tão cheia que te transborde pelos olhos. Como os da Dona Cremilde, cansados de ver tanta coisa coisa feia que a deixaram triste e alimentaram o vazio.

Estes dias, estes estranhos dias que já são meses, mostraram-me que consigo desligar de algo a que estarei sempre ligado. O Sporting, porra, o Sporting… o Sporting que me tirava a fome, o sono e me torcia o estômago como programa de lavagem para toalhas vinda do acampamento. O Sporting que me tornou mais pai, que me deu alguns do meus melhores amigos, que me juntou a vós, que me faz continuar por aqui.

Que me faz continuar por aqui… Não sei se gosto desta frase. Porque não basta continuar por aqui. Soa-me a “vai-se andando” e eu nunca gostei de ir andando porque o raio do ir andando sempre me fez questionar onde é que as pessoas guardam as coisas que não as fazem felizes. E eu não guardo um Sporting que não me faz feliz e que me trairá pelos olhos sempre que tentar sorrir a falar dele. Não quero.

A culpa? O texto vai longo e, como deves calcular, se eu entrasse num listar de alvos de culpa era coisa para passarmos o dia nisto. Pior, era coisa para passarmos o dia nisto e, no final, sairmos daqui todos um bocadinho mais tristes e mais vazios de Sporting. Também não quero.

Por isso te digo que a culpa é minha. Se este arrefecimento global em pandemia style foi o melhor que podia ter acontecido ao planeta, deixá-lo alastrar ao Sporting é decisão minha! 38 dos 43 anos que tenho fazem parte de uma história incrível, a verde e branco pintada. E eu ajudei a pintá-la. E eu ajudei a pintá-la. E eu ajudei a pintá-la… Não há como não sentir-me orgulhoso ao escrever-te isto e aposto que sentirás o mesmo se também o escreveres.

Há demasiadas coisas que podemos fazer pelo Sporting para aceitarmos deixá-lo ir. Há demasiado Sporting bonito dentro de cada um de nós, para que os olhos nos ousem trair quando sorrimos a pensar nele.