A tempestade Filomena não queria jogo, mas a doutora Helena, da Liga, apostava a carreira em como tinha que haver. E assim foi, com o Sporting, qual Gandalf a chegar ao Abismo de Helm, a entrar de equipamento branco para enfrentar as trevas. O resultado? Uma vitória assente numa qualidade e numa atitude capaz de encher de orgulho até o adepto mais exigente!

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“Não tenho palavras para a atitude destes jogadores, tenho um orgulho enorme de ser treinador deste grupo.”

As palavras de Rúben Amorim encaixam perfeitamente no sentimento da nação leonina, depois da demonstração de carácter, qualidade e atitude no lamaçal da Choupana. E foi de tal forma que quem agora vos escreve não consegue nem pode destacar este ou aquele jogador, pois se existe segredo que vai movendo este Sporting rumo a um objectivo maior, esse segredo é o facto de serem uma verdadeira equipa dentro e fora do campo.

Sambando na lama de sapato branco, glorioso
Um grande artista tem que dar o tom
Quase rodando, caindo de boca
A voz é rouca mas o mote é bom

Já na véspera, quando o jogo foi adiado por causa da tempestade Filomena, se tinha percebido que aquele relvado ia transformar-se num batatal em pouco tempo. A doutora Helena, da Liga, ia ligando a toda a gente e mais alguma, deixando bem claro que o jogo tinha que realizar-se e tinha. Quase ironicamente, o Sporting entrou em campo de equipamento branco, bonito, com aquele cântico que nos sai das almas gravado sob o símbolo. O equipamento depressa foi ficando tingido a negro – imagino o estado de nervos do Paulinho a pensar no depois -, mas a alma mante-se intocável do princípio ao fim e deu ao Sporting três pontos importantíssimos.

Cantando e sambando na lama
De sapato branco, glorioso
Um grande artista tem que dar
O que tem e o que não tem

Num relvado com zonas verdadeiramente impraticáveis, os Leões souberam adaptar-se. Com Adán a congelar face à ausência de reais situações de golo por parte do adversário, a bola saía menos dos centrais – nota-se que Coates, mesmo com saudades de Mathieu, está feliz por ter dois gajos feios e maus, Neto e Feddal, como companhia – para Palhinha, um monstro que ganhou todas as bolas, ou para João Mário, rapaz que além da fatiota branca ainda teve que trocar as pantufas pelas galochas. A redonda dirigia-se, invariavelmente, de forma directa para Nuno Santos ou para Peter Potter, o primeiro de faca nos dentes, o segundo a ensaiar truques de magia debaixo de chuva, os dois com a certeza que a bola era para cruzar para a área, para o lado contrário. A mesma receita era seguida por Nuno Mendes e por Porro, incansáveis ao longo da linha, sempre de olho em Sporar, que parecia um motoqueiro da Uber a tentar entregar bolas jogáveis numa noite em que está tudo fechado.

A bola andava ali perto do golo, uma, duas, três, quatro vezes e até com a cara o desgraçado do Daniel, melhor em campo por parte dos insulares, a defendeu. Até que, mesmo em cima do intervalo, lá veio um daqueles cruzamentos que já podia ter dado golo a Porro e que apanhou Peter Potter muito mais rápido que toda a defesa, transformando uma bola que parecia ir perder-se pela linha numa assistência de classe para Nuno Santos encostar e festejar, lá está, deitando a alma cá para fora.

Tocando a bola no segundo tempo
Atrás de tempo, sempre tempo vem
Sambando na lama, amigo, e tudo bem

O chá quente com açúcar, ao intervalo, deixou o Leão mais expectante nos primeiros dez minutos do segundo tempo, até porque era preciso voltar a ensopar o equipamento enquanto se media o pulso à reacção do adversário. Com o jogo controlado, o Sporting voltou à carga e à tentativa de derrotar o adversário por ko. Peter Potter construiu um golaço, mas desperdiçou-o; depois viu o poste devolver o que já se gritava. Palhinha também tentava, antes de Sporar dar lugar a Tiago Tomás e João Mário dar lugar a Matheus Nunes e a equipa manter totalmente os níveis de esforço, dedicação e devoção, até porque depressa os dois miúdos pintaram de lama o equipamento branco.

E num terreno que pedia tudo menos o regresso de alguém quem regressa de problemas musculares, Jovane foi lá para dentro, ensopou-se, enlameou-se e sorriu quando viu Tiago Tomás oferecer-lhe o golo que colocou um ponto final numa partida onde o único pecado verde e branco foi mesmo não aproveitar a dezena de cantos e livres laterais para pintar o marcador final com um resultado condizente com o que se passou em campo.

“Iríamos fazer qualquer coisa para ganhar aqui hoje”, diria Emanuel Ferro depois. A verdade é que o que o Sporting fez não foi qualquer coisa. Fez um jogo tão enorme em tanta coisa, que, mesmo evitando dizê-lo, não será exagero afirmar que jogou e ganhou à campeão.

https://www.youtube.com/watch?v=6MmF7qC13so