Janeiro de 2021. A duas jornadas do final da primeira volta, o Sporting Clube de Portugal, contra todas as expectativas, lidera a principal Liga do País com quatro pontos de vantagem sobre os seus principais rivais. E quando escrevo “contra todas as expectativas”, incluo os adeptos do Clube das camisolas Rampantes, mesmo aqueles que tenham a distinta lata de vir dizer-me que não estão minimamente surpreendidos.

Se recuarmos cerca de um ano, levamos com uma frase simbólica: “e se correr bem?”. Com o futebol completamente à deriva, Amorim era apresentado como novo treinador do Sporting a troco de uns explosivos 10 milhões de euros, acto de gestão desesperada num tudo ou nada realizado com tanta certeza como a de que Jesé se reabilitaria como atleta por vestir a nossa camisola. Viria o Covid, o campeonato pararia, os três estarolas pateticamente contratados no fecho de mercado já não voltariam e iniciar-se-ia uma espécie de recomeço. O quarto em ano e meio de gestão. “E se correr bem?”

O 3º lugar iria à vida, os cofres dizem-se vazios e o arranque da nova época é feito com uma linha clara: apostar nos melhores miúdos da formação e completar o plantel com alguns dos jogadores que, ao serviço de clubes do meio da tabela (incluindo o Valladolid), mais se destacaram na época 19/20 e juntar-lhes um jogador da casa regressado com experiência e liderança. A derrota caseira, de goleada, frente ao Lask, e consequente eliminação da Liga Europa, é um balde de água gelada que coloca a nu vários problemas, decepção que só volta a acontecer três meses depois, com a eliminação da Taça de Portugal frente ao Marítimo. Nos entretanto, a equipa soma vitórias no campeonato – e concede dois empates com inegáveis razões de queixa face às equipas de arbitragem – e atinge a final da Taça da Liga, que será jogada dentro de 24 horas.

Ao longo destes quatro meses que separam o dia de hoje e o primeiro jogo oficial da época 20/21, com vitória frente ao Aberdeen, esta equipa que joga por nós foi capaz de conquistar-me. Existe um inegável mérito do treinador, timoneiro com muitas marés por navegar mas com clara apetência para fazer estes marinheiros acreditarem que são capazes de ultrapassar qualquer cabo das tormentas. Não querendo apontar nomes, até porque uma das grandes mais valias desta equipa é o espírito de união que impera, penso que será claro para qualquer um de nós que existem jogadores que estão a render o que estão a render porque quem os lidera os faz acreditar que são capazes. Mais, quem os lidera fá-los sentir que, mesmo quando passam semanas sem jogar, fazem parte de um grupo que espera que eles estejam prontos quando forem chamados. E têm estado. Os mancos fazem-se tecnicistas, os mais caceiteiros apostam no desarme com pinta, os mais lentos aceleram como se alguém pressionasse o ffw, os mais stressadinhos sabem contemporizar e todos, mas todos, sabem que existe um modelo e uma estratégia e acreditam nela até ao fim. Tal como o treinador. Não foi à toa aquele jogo na lama da Choupana. Não foi à toa que, frente ao fcp, se foi buscar um resultado e se virou outro nos momentos finais. Onde vai um vão todos, dizem eles. E vão.

A isto se junta o extra, pelo menos para mim, formação lover assumido, de semana após semana sorrir futebolisticamente à conta de miúdos formados em nossa casa. Chamem-me romântico, chamem-me parvo, mas, mesmo tendo fresca a cicatriz da punhalada das rescisões, não consigo não sentir a alma mais cheia quando imagino que o Palhinha, o João Mário, o Nuno Mendes, o Tiago Tomás, o Daniel Bragança, o Max, o Gonçalo Inácio, o Jovane, o Eduardo Quaresma, o Matheus Nunes e os que vão tendo pequenas oportunidades estão a viver um sonho que lhes dá uma motivação que não se compra quando vestem a verde e branca.

Não se admirarão, por isso, se vos disser que este degrau a degrau tem sido festejado de forma sentida. Tão sentida que, quando esta equipa está a jogar consigo esquecer-me de tudo o resto.

Consigo esquecer-me que o meu clube continua a ser gerido por um grupo de pessoas recorrentemente carimbadas com “incompetente”.
Consigo esquecer-me que esta equipa continua a não ser favorita ao que quer que seja porque, fruto do trabalho desses mesmos incompetentes, temos quase uma dezena de encostados comprados e sustentados a peso de ouro que impedem o necessário reforço do plantel para ombrear com adversários que, mesmo com meia equipa covidada, ainda sacam do banco gajos que entrariam no nosso onze inicial.
Consigo esquecer-me que ao treinador também foi entregue o trabalho de director desportivo e de director de comunicação (pelo menos não diz que a vontade de três mil e muitos sócios é irrelevante).
Até consigo esquecer-me do quanto me preocupa ter a certeza que estes incompetentes, nada parvos nos objectivos traçados, continuarão a aproveitar a cortina de fumo do estado de graça futebolístico para fazer despedimentos, desinvestir nas modalidades, acabar com outras, ir tratando as equipas femininas como uma cena que tem que ser e continuar a fingir que não aconteceu a AG onde o Relatório e Contas da temporada 2019/20 e o Orçamento da época 2020/21 foram chumbados por larga maioria. No fundo, tenho a certeza que a aposta destes incompetentes passa pela crença de que em milhares de sócios e de adeptos do Sporting existe um bocadinho de Soares Franco e que se o Sporting ganhar no futebol tudo o resto, mesmo que tóxico para o clube, ganhará contornos de pouco relevante e tornará em maus Sportinguistas todos os que venham a apontar o dedo à incompetência.

Conseguir fazer-me esquecer de tanta coisa que me incomoda é um inegável mérito deste grupo. Um grupo que, também ele, luta com armas desiguais e que terá no apoio dos adeptos, mesmo à distância, um reforço importante. Por isso vos digo, rapazes, que independentemente do que venha a acontecer de amanhã até maio, #OndeVocêsForemEuVou