Numa noite que foi mais uma manifestação de competência e de querer por parte do Sporting, não faltou o momento apitado para nos recordar que por melhor que a relva esteja o nosso percurso vai ter que ser feito numa lama mais profunda que a da Choupana. Do Bessa vieram três pontos, a liderança intocável em vésperas de dérbi e o castigo a Palhinha que poderá ter um efeito contrário ao desejado pelos adversários

porro bessa

Quando, em 1996, rumei à Aula Magna para assistir a um concerto de um quase desconhecido Ben Haper, jamais esperaria encontrar uma das eternas referências musicais. Naquela noite, com a sala por metade onde cabiam curiosos por ver no que resultava ao vivo um álbum que te mexia com a alma, um gajo que toca toda e qualquer guitarra e ainda a deita no colo entrava, com a maior simplicidade do mundo, para a galeria dos meus notáveis, onde cabem Eddie Vedder, Kurt Cobain, Lou Rhodes, Mike Patton ou Chris Cornell, entre outros. Daquele palco soltavam-se notas que falavam de desigualdades, de fé, de força interior, de luta, de resistência. Resistência é, precisamente, uma palavra que encaixa na história do Sporting e dos Sportinguistas. E, ontem, escreveu-se mais um capítulo.

O Sporting ganhou sem mácula e ganhou por poucos, pois caso não fosse o desacerto de Sporar (tanto que o homem trabalha para a equipa e tão exasperante é vê-lo desperdiçar quando a equipa tenta retribuir-lhe), a displicência de João Mário (a forma como tira o adversário do caminho é sublime, o remate contra as pernas do redes com a baliza escancarada é inaceitável), o remate de Jovane cortado sobre a linha e a nossa enervante incapacidade para transformar em golos os vários cantos de que dispomos, o resultado final ganharia um volume totalmente diferente, até porque do lado do Boavista contou-se uma real situação de golo, já depois do 2-0, na sequência de uma bola parada e com a equipa enervada pelo momento Veríssimo, momento resolvido com enormíssima defesa de Adán junto ao poste.

E para ganhar sem mácula, a turma de Alvalade entrou desde o primeiro minuto com vontade de resolver, mesmo sabendo que Coates, Palhinha, Neto e Nuno Santos estavam à bica para o amarelo que os retiraria do dérbi. Palhinha ficaria no banco de início, dando a Matheus Nunes a oportunidade de fazer o melhor jogo dos crescidos com a verde e branca vestida. Sporar também jogaria de início, dando descanso a Tiago Tomás, ainda a recuperar da quanrtidade de porrada que levou durante os dois jogos da final four da Taça da Liga. Em tudo o resto, o Sporting foi dono e senhor do jogo, não esperando para colocar a nu as enormes diferenças de qualidade entre as duas equipas.

Nuno Santos faria o primeiro golo, a meio da primeira parte, emendando um dos vários lances construídos por Nuno Mendes, puto que a cada jogo nos espanta pela maturidade com que resolve as mais variadas situações, nomeadamente quando está pressionado em movimento defensivo, já que a atacar é um verdadeiro monstro que vai por ali fora e que só não faz a equipa inclinar à esquerda porque do lado contrário existe outro monstro, Pedro Porro, rapaz que depois de ter resolvido a final da Taça da Liga resolveu sacar um pontapé do meio da rua e marcar um golo que vale todos os oito milhões que vamos ter que gastar para ficar com ele.

Pelo meio, zona do campo onde Jovane apareceu várias vezes para dar a Matheus Nunes e João Mário um apoio decisivo, o Boavista ia acumulando faltas (Mangas sai de campo sem ver um amarelo, Javi Garcia levou uma cueca mas cartão nem vê-lo, Paulinho bateu como e quando quis). Veríssimo, uma das mais tristes figuras do apito, ia preparando o serviço com paninhos quentes, enquanto Jesualdo Ferreira lançava Nuno Santos e Benguché para tentar dar um ar de sua graça e enganar uma linha defensiva leonina que se mostrava perfeita na colocação dos adversários em fora de jogo.

Com o terreno pesado e sem saber que Porro iria engatilhar uma das bombas do ano, Amorim não quis correr riscos com o resultado em 1-0 e lançou Palhinha para dar apoio a Matheus e ao já entrado Daniel Bragança. Veio o tal disparo do espanhol e veio aquilo que se sabia que iria acontecer: o Boavista tinha 20 faltas feitas e zero amarelos; Palhinha ganha a bola no ombro a ombro (até a falta é discutível) e ainda nem tinha apitado já Veríssimo tinha a mão no cartão que estava no guião para tirar o médio do dérbi.

Um dérbi ao qual o Sporting chega com seis pontos de vantagem sobre o rival, quatro sobre o fcp e as lágrimas de um Palhinha que são as lágrimas de adeptos ao longo de décadas. Saibamos limpá-las em conjunto, agarrar na guitarra e cantar uma canção de resistência a esta corja que gere o futebol em Portugal.

I’m more afraid of loving
Than i am of being scorned
But i will keep on trying
Though i have been forewarned
Every moral has its story
And every story has an end
Every battle has its glory
And it’s consequence

Captura de ecrã 2021-01-27, às 12.21.48

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