Numa noite importante para a história da Liga 2020/2021, El Rei D. Sebastião regressou numa versão 2.0. O nevoeiro foi substituído por uma chuva capaz de levar a arca de Noé, os marroquinos deram lugar a um samurai e o capitão que lidera as tropas agarrou a batalha pelos guizos em vez de fugir para parte incerta

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Ainda o jogo se espreguiçava e já Coates olhava para o céu. Tinha acabado de falhar um remate ali pela marca de penalti, daqueles que nos deixa com o grito de golo preso na garganta e o jogador a pensar que raio se passou para a bola ir ter com o que as apanha em vez de estar no fundo das redes. Mas sabíamos nós que, nesse olhar, Sebástian procurava uma estrela com o nome de Santiago García, avançado uruguaio que se suicidou na semana passada, fruto de uma depressão acentuada por saber que tinha contraído Covid 19.

O Sporting tinha entrado bem no jogo, encostava o Gil ao seu último terço, via Super Porro (mais um jogo gigante) tentar mais um golo para a galeria dos ilustres e até conseguia lançar Paulinho para uma corrida isolada que terminaria num remate disparatado que só não nos deixaou estilo o puto do sexto sentido a dizer que viu o Sporar porque estava fora de jogo. E à medida que a chuva ia engroçando, o Sporting ia ensopando e encolhendo. Mérito do Gil Vicente, claro, e de Ricardo Soares, que foi capaz de fazer aquilo que todas as equipas tentam fazer ao Sporting: retirar a profundidade e povoar o miolo, numa pressão constante para matar o jogo interior dos Leões. Resultou e resultou bem, ainda para mais porque Palhinha e Matheus Nunes não mostravam a clarividência para encontrar espaços naquele amontoado de gente, porque Peter Potter estava com demasiados espectros à sua volta, porque Nuno Santos era uma constante inconsequência.

Para agravar o cenário, o meio campo nem funcionava a atacar nem funcionava a defender, o que deixou a defesa completamente exposta ao erro. O Gil Vicente crescia, ganhava confiança e o samurai Fujimoto disparava para defesa de Adán e recarga patética de Baraye, que falhou com a baliza aberta. Estava dado ao aviso, a seguir veio o balde de água fria (piada seca numa noite de chuva): mais um carrinho desnecessário, mais uma perda de bola e Claude Gonçalves a meter a bola ao segundo poste onde apareceu o japonês a marcar.

Era urgente mexer e até o mais impreparado adepto percebia que não valia a pena manter Antunes em campo se se podia recuar Nuno Santos e que era obrigatório colocar Daniel Bragança ou João Mário em campo.

Face a uma das mais pobres e desinspiradas exibições da época, Amorim parece ter visto o mesmo. Deixou no balneário Antunes e Neto, lançando Tiago Tomás e Gonçalo Inácio, central com capacidade para sair a jogar. Aos cinco minutos da segunda parte, Daniel Bragança para o lugar de Matheus Nunes. O Sporting ganhava arreganho e intensidade, saída de bola e capacidade de jogar de cabeça levantada com critério e capacidade para manter a bola e colocá-la redondinha entre linhas.

Por isso, a segunda parte foi toda dos Leões, com o Gil cada vez mais encostado lá atrás, ainda assim conseguindo segurar a vantagem, fosse por incapacidade verde e branca para transformar o domínio em oportunidades (e quando elas apareciam, eram desperdiçadas, como aquele falhanço de Tiago Tomás), fosse pelo acerto de Denis, que teve duas defesas a safar golos certos. O relógio não parava e faltavam 10 míseros minutos. João Mário já estava no lugar de Palhinha, trocando o músculo por magia, Matheus Reis estreava-se para empurar Nuno Santos novamente para a frente.

O desespero dos adeptos era ainda maior face à incapacidade leonina para aproveitar os incontáveis lances de bola parada, fossem cantos fossem livres, todos eles com a bola cruzada sem ter alguém que lhe desse o destino certo. Quis o destino que uma dessas bolas fosse cortada para a entrada da área onde Coates lhe pregou uma orelhada, nome correcto para uma trivela que acerta com perfeito raspão na bola e a faz, molhadinha, molhadinha, fugir do redes como se fosse gelatina.

Coates apontava para o céu, agora que tinha encontrado a estrelinha, sem saber que ela lhe retribuirua o gesto quando se caminhava já para o minuto 92 (ridículo ter havido só cinco minutos de desconto): o tal cruzamento para a área que teimava em não ser aproveitado, teve no Capitão Sebastião o homem que acreditou poder subir mais alto que tudo e todos, amassando quem o marcava e cabeceando para a felicidade que escorregou pelas mãos de Denis para dentro da baliza.

Sebastião correu contendo as lágrimas que soltaria mais tarde, os putos seguiram-no de olhos esbugalhados e sorrisos rasgados, encantados com esta aula de história dos tempos modernos em que o nevoeiro foi substituído por uma chuva capaz de levar a arca de Noé, os marroquinos deram lugar a um samurai e o capitão que lidera as tropas agarrou a batalha pelos guizos em vez de fugir para parte incerta.

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