Terminei o último post chamando a atenção para o muito exigente ciclo de jogos que iria ser concluído antes do post de hoje. «(…) Ou seja, em apenas 2 semanas, 5 jogos contra as outras 3 grandes equipas do Futebol Feminino em Portugal. Nada mau para contrabalançar os hiatos competitivos que vinham acontecendo desde Dezembro passado: é mesmo caso para dizer “não há fome que não dê em fartura”. ».

Não seria esta “carga” nada de muito anormal, se significasse apenas o fruto de um calendário que nos foi “padrasto”. Acontece que ou existem coincidências ou … apenas incidências: enquanto a meia final do Benfica contra o Famalicão para a Taça da Liga foi disputada no dia 27 de Janeiro de 2021, a outra meia-final da mesma competição, Sporting contra o Braga, apenas se jogou a 3 de Março. Porque não jogaram estas 2 equipas a 27 de Janeiro como as outras 2 (se o Braga apenas havia jogado a 20 de Janeiro com o Marítimo na Madeira e a 7 de Fevereiro em casa com o Torreense; e se o Sporting apenas jogara a 23 de Janeiro com o Torreense e a 6 de Fevereiro com o Albergaria)?

Assim, “empurrou-se” este Sporting vs Braga para um ciclo em que Sporting joga em 18 dias com Braga, Braga, Benfica, Benfica e Famalicão e o Braga jogou em 10 dias com Sporting, Sporting e Famalicão. Isto depois de termos assistido a uma 1ª Fase a 1 volta em que o Sporting fez 5 dos 9 jogos fora e, curiosamente 4 deles com as equipas que ficaram entre o 2º e o 5º lugar; claro que foram “coincidências” do sorteio … mas só possíveis graças à adoção de um formato competitivo aberrante, feito à medida da satisfação dos egos de uns quantos “clientes” de uma Federação que, muito solícita, desenha a sua anunciada redução do quadro competitivo de 14 para 10 equipas … começando por meter na Primeira Liga … 20 Equipas!!!

Este princípio de “engordar” primeiro para depois “fazer dieta”, contraria toda a regra de bom senso para gerar aumento da qualidade e da sustentabilidade da competição e cria distorções por si só muito pouco leais como a não contabilização, total ou parcial, dos pontos da 1ª Fase para as 8 equipas que disputam a Série de Apuramento de Campeã (repare-se no absurdo: neste momento basta o Benfica empatar com o Sporting e ganhar os outros jogos e o Sporting empatar o jogo que lhe falta com o Braga e ganhar os outros e o Carnide de Baixo será campeão fazendo mais 1 ponto nos 14 jogos da série de apuramento de Campeão e menos 2 pontos na totalidade dos 23 jogos da competição, com a particularidade de ter perdido 2 vezes EM SUA CASA para o rival direto, que, por sua vez faz, os 23 jogos da competição sem derrotas e tendo de jogar 12 vezes fora e 11 em casa, enquanto o Benfica fará 12 jogos e casa e 11 fora; MUITO JUSTO, NÃO É?).

São estes “complicómetros” que enviesam a verdade desportiva à partida. Como se não bastassem esses, há ainda os outros “desequilibradores”: arbitragens tendenciosas sempre a prejudicar os mesmos ou de decisões federativas que contrariam outras que igual Conselho Federativo (o de Disciplina) assume no Futebol Masculino (ao contrário do propalado princípio da “doutrina do campo de jogo” aplicado a Palhinha, mesmo com o mea culpa do árbitro, o mesmo CD despenalizou um 2º amarelo à benfiquista Carole Costa, que originou expulsão e deveria implicar o mínimo de 1 jogo de suspensão; aí não valeu a tão “douta” “doutrina”). Mas mesmo sendo imensos os escolhos que colocam à nossa caminhada, o FACTO é que a mesma se vai cumprindo com sucesso. Daí eu ter escolhido como título deste post “Transformar o Cabo das Tormentas em Cabo da Boa Esperança”.

A tal sequência terrível que parecia ter sido desenhada à medida para nos afastar do sucesso (com os jogos para o campeonato contra os 3 diretos competidores em 3 jornadas consecutivas e intercaladas com outros 2 jogos contra os outros 2 “recentes históricos” do FF) pôs à prova a qualidade e a fibra das nossas meninas. E, mesmo com a derrota na final da Taça da Liga, a realidade é que obtivemos 4 vitórias em 5 desses jogos com dificuldade máxima. Já tínhamos feito a análise dos 3 primeiros jogos (2 contra o Braga e 1 no Seixal contra o Benfica) que resultaram em 3 vitórias. Falemos agora dos últimos 2.

O jogo da final da Taça da Liga na passada 4ª Feira não poderia ter começado pior para as leoas que tiveram uma entrada desastrada na partida. A Susana Cova, relativamente ao 11 usado no Seixal, apenas mudou a Ana Capeta pela Carolina Mendes. A Filipa Patão procedeu a 2 alterações: na esquerda da defesa trocou a Matilde Fidalgo pela Lúcia Alves e na posição de construção atacante a Marta Cyntra pela jovem Francisca Nazareth. E foi esta última alteração, na minha opinião, que surpreendeu as leoas que contavam com o uso das alas/extremas a alternarem o jogo exterior com inflexões para o interior e com as mudanças posicionais entre as 3 jogadoras da frente. A contar com esse tipo de movimentos, a Suzana Cova coloca a Andreia Jacinto a trinco a lado da tatiana pinto e a Fátima Pinto mais à frente. Mas a Francisca Nazareth é uma jogadora muito mais “vertical” que a Cyntra, menos de ter sempre a bola no pé e mais de assumir passes de rutura definindo muito bem os seus momentos. E a Andreia Jacinto não está talhada para tarefas defensivas mais recuadas.

O primeiro golo nasce mesmo, logo aos 4 minutos, de uma recuperação de bola da Francisca Nazareth sobre a Andreia (que está a receber a bola em zona recuada como se estivesse na sua normal posição de construção ofensiva … de costas para a baliza adversária, o que, nesta zona, significa …. de frente para a sua baliza e dando as costas à avançada que faz pressão alta). A agravar a situação, a Tatiana Pinto não estava a dar-lhe apoio (esteve sempre numa “posição oito” em vez de dupla pivot defensiva) e a Bruna Costa tardou um pouco a reagir à perda de bola da colega, permitindo o remate da Francisca a que Inês Pereira corresponde com uma grande defesa mas, para completar a “desgraça” não contou com o apoio da Nevena, também ela um pouco lenta de reação e a permitir a recarga da canadiana Chloé Lacasse, que por muito pouco a Inês não defendia também. Este “equívoco” tático proporcionou uma sucessão de ocasiões de perigo às jogadoras encarnadas e aos 12 minutos, numa jogada ainda inofensiva em que a Francisca Nazareth faz um movimento à entrada da área leonina mas paralelo à linha final a árbitra Sandra Bastos decide ser protagonista e assinala grande penalidade por suposta falta de Ana Borges que me pareceu apenas ter ganho a frente da Francisca quando ela adiantou ligeiramente a bola. O certo é que o penalty foi assinalado e a brasileira Nycole Raysla “não vacilou”, pese embora a estirada da Inês Pereira que adivinhou o lado mas a bola ia muito chegada ao poste.

Aos 15 minutos, Sandra Bastos mostra o primeiro amarelo do jogo a Nevena Damjanovic que nem sequer toca na adversária (a ter havido toque teria sido da Tatiana Pinto e nunca para amarelo). Depois a Sandra Bastos parece ter perdido por completo o controlo do jogo. Tão depressa fechava os olhos a entradas durinhas da Ucheide e da Raysla como, aos 23 minutos, pune com amarelo uma falta bem menos dura da Beatriz Cameirão. E, passados 10 minutos, mostra segundo amarelo a esta jogadora em falta que seria claramente para vermelho direto. Nessa fase o Sporting já começara a equilibrar o jogo, fruto de passar a Andreia para zonas de construção ofensiva (8, 10) a Tatiana para 6 e a Fátima para (6, 8). Após a expulsão essa tendência passa a domínio leonino.

Na segunda parte esse domínio foi acentuado e, aos 52 minutos a Bruna Costa, reduz a expressão do marcador com um belo golo de cabeça. Daí até ao fim foi ver as encarnadas acantonadas no “seu” primeiro terço de terreno, defendendo com duas linhas de 5 e a despachar bolas para o meio campo adversário. A Ucheide continuava a distribuir “mimos” às suas adversárias sem que fosse admoestada disciplinarmente. E, por volta dos 85 minutos a Silvia Rebelo faz uma falta dentro da área sobre a Ana Borges que só não é papel químico da que originou o penalty contra nós na primeira parte porque, ao contrário dessa “falta” da Ana Borges, esta é bem no interior da área e em movimento para a baliza e não para a linha lateral. CLARÍSSIMA DUALIDADE DE CRITÉRIOS. Com possível influência no resultado. De qualquer modo, mais uma vez, no cômputo final do jogo, o Benfica não foi superior ao Sporting. E ficou a clara sensação de que poderíamos ter obtido outro resultado.

Já no domingo, esperava-nos mais um duro teste. Após aquele amargo de boca com o rival histórico, iríamos a Vila Nova de Famalicão enfrentar uma equipa fortemente moralizada por uma categórica vitória sobre o seu “vizinho” Braga, na casa deste, por expressivos 1-4 que só pecam por escassos (enorme jogo das 3 jogadoras que “referenciei” para a nossa equipa: a central Gi Santos, autora do primeiro golo; a ponta de lança todo-o-terreno Vitória Almeida que apontou mais 2 golos – ambos de penalty – e já leva 22 em 20 jogos; e a irrequieta extrema Mylene Freitas que marcou o último golo, a coroar uma exibição de se lhe tirar o chapéu. Contra o Famalicão a Suzana Cova, faria algumas alterações: fez alinhar a Rita Fontemanha “ao lado” da Tatiana Pinto, deixando no banco a Andreia Jacinto, colocou a Carolina Mendes de início no lugar da Ana Capeta e a Marta Ferreira na ala esquerda, em vez da aniversariante Raquel Fernandes.

A verdade é que, durante a primeira parte, embora não causando grande perigo, o Sporting com este esquema também soube manietar os pontos fortes do Famalicão (cujo treinador, João Marques, não pôde contar com a extremo Mylena Freitas). E é já na segunda parte, quando o Sporting começa a evidenciar ascendente face à quebra física de algumas das jogadoras mais influentes do Famalicão, que Suzana Cova decide aplicar a “machadada” no jogo, operando, ao minuto 65, uma dupla substituição tirando a Rita Fontemanha (ótimo jogo, mas já desgastada) e a Marat Ferreira (voluntariosa, mas, naquela posição, era peixe fora de água) por Andreia Jacinto (que até nem entrou bem mas não demorou muito mais de 5 minutos para começar a espalhar o perfume do seu futebol) e Raquel Fernandes (que deu logo outra dinâmica à ala esquerda). Aos 82 minutos retiraria a fatigada Carolina Mendes pela “arma que já deixou de ser secreta” Ana Capeta. E o jogo ficaria decidido bem perto do fim, quando, dando sequência a um livre “teleguiado de Joana Marchão, a Raquel Fernandes penteia a bola de cabeça desviando-a da guarda redes Rute Costa e colocando a cereja no topo do seu bolo de 30º aniversário. Triunfo difícil mas merecido.

Uma palavra final para duas verdadeiras pérolas da equipa famalicense: Maria Miller e Maria Negrão, ambas ainda com apenas 17 anos mas já com uma enorme qualidade técnica e tática. Vão ser 2 casos sérios do FF em Portugal; os parabéns à formação do SC Porto e do Castêlo da Maia, 2 pequenos Clubes que cuidam bem do FF e ao scouting do Famalicão (em menos de um ano de trabalho na modalidade, estão a construir uma equipa mesmo muito interessante).

* dos Açores com amor, o Álvaro Antunes prepara-nos um petisco temperado ao ritmo do nosso futebol feminino. Às terças!