Terminei o último post com uma declaração otimista relativamente a este passo final na nossa campanha de apuramento para o Europeu de Inglaterra, no qual teríamos de disputar um play-off com a seleção Russa: «Deste modo, estaríamos a aproveitar o que pode ser uma extraordinária janela de oportunidade para criar as bases de um desenvolvimento sustentado do Futebol Feminino em Portugal e da sua competitividade internacional (de Seleções e de Clubes).» No entanto, a realidade foi bem mais cruel e o duplo confronto terminou com a nossa eliminação, desenhada logo no jogo inicial, que disputámos na sexta-feira 9 de Abril, pelas 18h30m, no Estádio do Restelo.

Para esse jogo Francisco Neto via-se privado de Vanessa Marques, Diana Silva e e Jéssica Silva que, devido às condicionantes COVID, se viram impedidas de viajar. Assim, alinharam de início: Patrícia Moraes; Ana Borges, Sílvia Rebelo, Carole Costa e Joana Marchão; Tatiana Pinto, Dolores Silva, Cláudia Neto e Andreia Norton; Francisca Nazareth e Carolina Mendes, num sistema que pareceu algo híbrido ou duvidoso não deixando perceber se era um 4-2-3-1, se um 4-4-2 losango, se um 4-3-3. O pior é que parece que as próprias jogadoras não parecem ter entendido muito bem o que delas se pedia (quando o rigor tático até tem sido a maior arma da seleção das quinas). Porque há que reconhecer que as características das jogadoras escolhidas dificilmente se adequaria a qualquer dos esquemas táticos eventualmente propostos. Num meio campo com Tatiana Pinto, Dolores Silva, Cláudia Neto e Andreia Norton era difícil que o jogo não fosse demasiado interior e que as 4 jogadoras não se vissem tentadas a pisar os mesmos terrenos (acrescentando ainda uma Francisca Nazareth que dificilmente poderia ser entendida como apoio ou alternante à ponta de lança Carolina Mendes, também ela um equívoco face às características das jogadoras russas). O pouco jogo exterior deveu-se às subidas a preceito da Joana Marchão na primeira parte; do outro lado, a Ana Borges, pouco confortável com o posicionamento defensivo, arriscava muito menos as subidas pelo flanco direito.

É verdade que era Portugal quem tinha, claramente, mais posse de bola. Mas era uma posse quase inconsequente, lenta, pouco objetiva. Mesmo assim e apesar dessa confusão tática pertenceram a Portugal as 3 oportunidades de golo: a primeira, com um excelente remate de insistência da Tatiana Pinto num “chapéu” tenso que levava selo de golo, não fora uma extraordinária defesa da keeper russa, que num grande golpe de rins, consegue desviar por cima da barra; a segunda, resultou de um desvio de cabeça para ao poste mais afastado da guarda.redes russa … apontado pela central russa Anna Belomyttseva; finalmente, uma clamorosa perdida da Carolina Mendes que, isolada frente `guardiã Elvira Todua, apena “penteia” a bola acabando por efetuar um passe à adversária (enfim, se a central russa esteve quase sendo a nossa melhor ponta de lança, a nossa ponta de lança reagiu como a melhor central russa).

Na segunda parte, o equívoco mantinha-se, mas as russas vinham com outra atitude. Cientes da incipiência do nosso jogo exterior e do desgaste anímico que a posse sem progressão da seleção lusa, começaram a fazer lançamentos longos em diagonal para as suas avançadas que ocupavam as alas, explorando a velocidade (e simplicidade de processos) da Marina Fedorova e da Nelli Korovkina. E foi bem cedo que o esquema “deu frutos”. Curiosamente, no lance em que houve menor discernimento técnico na decisão e último passe das russas. O que era para ser um cruzamento resultou num charutão que toma a direção da baliza, “pinga” mesmo em cima da barra e, por conjunção rara de vários astros ressalta de novo para dentro da pequena área, onde a Korovkina (de frente para a fase final do lance) é mais destra a decidir e coloca a bola de cabeça dentro das nossas redes, já que foi a única jogadora ao alcance da bola a poder seguir toda essa fase final do lance e, daí, levar MUITA vantagem face quer à “desorientada” guarda-redes Patrícia Moraes (que “acompanhou” o lance … de baixo da bola), quer à central Sílvia Rebelo (que também deve ter pensado que a bola ressaltaria para cima da malha superior da rede e não “acompanhou” ou perturbou a avançada russa que deveria estar a cobrir).

Diria que muito mais que assacar culpas, este foi um golo de grande oportunismo a aproveitar um … enorme chouriço. A partir daí, coisa rara, Francisco Neto decide mexer na equipa e até mexe bem, considerando os “trunfos” que tinha, fazendo entrar a Ana Capeta, ao minuto 59, para o lugar de Carolina Mendes e, 13 minutos depois, a Telma Encarnação (talvez devesse ter entrado com a Capeta) para o de Kika Nazareth. Passámos a ter mais velocidade e poder de choque na frente e o desenho tático ficou um 4-4-2 losango muito mais definido. Aos 83 minutos, fez entrar a Andreia Jacinto e a “russa” Ana Dias para renderem uma esforçada mas muito trapalhona Andreia Norton e uma esgotadíssima Tatiana Pinto. Foi nessa última meia-hora que Portugal deu a sensação de que poderia ter obtido outro resultado se tivesse entrado com outra “filosofia” no jogo.

Tudo estava mais difícil para o jogo de na Sapsan Arena, em Moscovo. Francisco Neto, continuou a ser conservador (e na minha opinião teimosamente irracional) insistindo em Ana Borges a lateral, em vez de a deixar para terrenos mais avançados, persistindo num meio campo a quatro composto por jogadoras que interiorizam muito o jogo (as mesmas que usou no Restelo) e, desta vez nem usando uma jogadora que pudesse ser referência atacante, colocando na frente a Nazareth e a Jéssica Silva (as únicas jogadoras que poderiam desequilibrar nos corredores à frente, uma ficou a defesa direita e outra a falsa ponta de lança). Parece absolutamente incrível a sucessão de equívocos com este treinador. Todavia, não pode haver incredulidade quando se teima em inventar. E Neto parece querer ser o JJ do FF, com adaptações permanentes de jogadoras a posições e a missões para que não estão rotinadas nos seus Clubes (JJ ainda tem a seu favor o tempo para trabalhar as “suas invenções”).

Um selecionador deveria começar por ter a humildade de aproveitar o trabalho que se vai fazendo nos Clubes, desde logo nas escolhas que faz nas convocatórias. Porquê convocar a Alícia Correia, quando quem tem assumido a titularidade a defesa direita no Clube é a Mariana Rosa (em grande momento de forma), ainda por cima quando, no jogo, coloca na posição a Ana Borges que está rotinada no Clube a ala/extrema esquerda? Em jogos em que se saberia que defrontaríamos uma seleção muito rigorosa a defender e forte na resistência física e velocidade, como deixa 2 vezes no banco a avançada mais “carraça” que existe em Portugal? E, no segundo jogo, em desvantagem e jogando fora, num play-off que é tudo ou nada, como pode optar pelo nada e não colocar de início nenhuma das 3 jogadoras mais de área e de golo? E manter um meio campo que no jogo anterior já tinha demonstrado que ter posse sem saber tomar decisões de rutura equivale a zero? É certo que não podíamos contar com a Vanessa Marques que, na minha opinião, teria sido muito importante nesta eliminatória, mas porquê a Kika tão “fora de pé”? Por que não um meio campo a 3 com a Tatiana a “6”, a Andreia Jacinto a “8” e a Kika a “10” com uma frente de 3 bem aberta (Ana Borges, Ana Capeta e Jéssica Silva)? Até poderíamos perder, mas .. que raio … o que ele colocou em jogo parece ter sido apenas para evitar isso quando precisávamos era de ganhar.

Já era tempo de a F.P.F. sair do seu pedestal e questionar o que anda a fazer mal quando não obtém sucesso. Falhar e insistir no erro não é só pedantismo e sobranceria; é também prepotência e incompetência.

* dos Açores com amor, o Álvaro Antunes prepara-nos um petisco temperado ao ritmo do nosso futebol feminino. Às terças!