No último post procurei explanar a minha percepção sobre o estado preocupante em que se colocou o Futebol Feminino do Sporting, que motivos conduziram a esse estado e que caminhos propunha para o solucionar. No post desta semana vou procurar alargar um pouco o âmbito daquela análise, ensaiando demonstrar o porquê de ser este o tempo DECISIVO para se operarem às apostas correctas para investir na equipa e no Projecto de FF.

Permitam-me começar por elencar uma série de momentos-chave para aquilo que considero a enorme transformação do Futebol Feminino, porque exponeciaram o seu potencial de espectáculo, de competição e de negócio.

Momento 1, Campeonato do Mundo Canada 2015, 6 Junho/5 Julho: é a primeira Fase Final de Mundial com 24 nações participantes (sendo 8 estreantes); houve um total de 1.353.506 espectadores nos estádios, dando a média de assistências de 26.029 pessoas por jogo (no anterior Mundial, na Alemanha houve 845.657 espectadores nos estádios dando uma média de 26.426 por jogo); no jogo da final, em Vancouver, com a presença de 53.341 espectadores Os EUA bateram o Japão por 5-2 ultrapassando assim os nipónicos em número de títulos ao conquistarem o seu 3º Mundial; os espectáculos produzidos em muitos dos jogos mudaram a forma como o público passou a entender o FF; jogadoras como a consagrada brasileira Marta as americanas Tobin Heath, Megan Rapinoe e Carli Lloyd, as alemãs Celia Sasic e Dzsenifer Marozsán, a jovem holandesa Viviane Miedema, a revelação canadiana Kadeisha Buchanan ou a possante francesa Wendie Renard mostraram ao mundo que o Futebol Feminino já não era só jogado na base da diferenciação física ou atlética e que já oferecia ao público muita espectacularidade, bastante fantasia e um muito maior rigor táctico. Mas, sobretudo, impressionaram a “indústria” do Futebol ao mais que duplicar as assistências televisivas e quase quadruplicar as receitas (bilheteira, direitos televisivos, direitos de imagem, sponsoring e publicidade) relativamente ao Mundial da Alemanha. Canadá 2015 foi a primeira amostra do filão em que se viria (e ainda está) a tornar o Futebol Feminino.

Momento 2 (Portugal), verão de 2016: a F.P.F. faz um convite aos Clubes da 1ª Liga da LPFP para criarem equipas de Futebol Feminino com entrada directa no Campeonato Nacional Allianz de 2016/2017. Apenas aderiram as SADs do Sporting, do Braga, do Estoril Praia e do Belenenses. Curiosamente, os 2 últimos Clubes com maioria da SAD privada e os 2 primeiros com Presidentes claramente mais vocacionados para a sustentabilidade das suas SADs e abertos a todas as oportunidades que apresentassem bom potencial de expansão. A equipa do Restelo, como resultado da crescente fractura entre SAD e Clube, desiste do projecto ainda a meio da primeira volta. Sporting e Braga fazem apostas muito sérias no sentido do aumento da competitividade e do espectáculo e o Sporting aposta ainda na expansão mediática do jogo como sustentáculo da sua futura sustentabilidade e no recurso à Formação e à jogadora portuguesa. Nessa época, o jogo para Sporting vs Braga para o campeonato disputa-se no Estádio José Alvalade e pulveriza o recorde de assitência com um público de 9.263 adeptos; passadas umas semanas, no Estádio Nacional, a final da Taça de Portugal entre as mesmas 2 equipas contaria com 12.213 espectadores, novo record. Qualquer dos jogos teve transmissão televisiva em directo (o 1º na Sporting TV e o 2º na RTP 1, ambos com recordes de shares).

Momento 3, Euro Holanda 2017: o Euro 2017 revela a afirmação de um novo potentado no mundo do Futebol Feminino. Em 2004, as jovens jogadoras sub 19 passaram a poder competir, integradas nos teams masculinos, graças a uma acção de permissão da Real Federação Holandesa de Futebol; apenas em 2007 iniciaram a Liga senior feminina; em 2017, quando hospedam a Fase Final do Europeu, já havia mais de 2000 equipas de Futebol feminino na Holanda, que é hoje já o 4º país com mais praticantes de FF (161.902, a maioria em escalões de formação); em 2015 a Holanda havia participado na primeira fase final de um Mundial (eliminada nos oitavos pelo finalista e bicampeão Japão). Em 2017, conquista o Europeu batendo a tradicionalmente poderosa Dinamarca por 4-2 numa final empolgante; 2 anos depois, seria finalista do Mundial de França, batida pela seleção agora tetra-campeã dos E.U.A. Mas nessa Fase final do Europeu em 2017, houve uma outra estreante: Portugal conseguia a sua primeira presença em grandes competições e teve uma prestação muito razoável ao perder 2-0 com a Espanha (já em franca ascenção), vencendo 2-1 à Escócia e perdendo pela margem mínima com a poderosa Inglaterra (2-1).

Momento 4, (Portugal) 2018/2019, a adesão do Benfica ao FF: na primavera/verão de 2018 o Benfica anuncia que vai criar uma equipa sénior de Futebol Feminino para competir na segunda divisão nacional. A equipa é construída com base num plantel de 30 jogadoras das quais 13 eram estrangeiras (11 brasileiras, 1 caboverdiana e 1 espanhola) e 17 portuguesas, sendo que, entre estas, 1 vinha do Sporting, 1 do Verona, 1 do Logroño, 1 do Cardiff e 3 do Braga, aonde foram também recrutar o treinador João Marques. Era a entrada de um novo “player” de enorme peso (com uma enorme massa adepta e que estava disposto a apostar forte na construção de uma equipa competitiva e também na formação). Como “aperitivo” do potencial de crescimento do jogo, a realização de um Sporting-Benfica, no Estádio do Restelo, em solidariedade com as vítimas moçambicanas do Ciclone Idaí, apesar da transmissão televisiva, registou um novo recorde de mais de 25.000 espectadores. Parecia que, também por cá, os astros se alinhavam para o impulso do FF.

Momento 5, 2019, a) 24 de Março: o Estádio da Juve acolhe 39.027 espectadores para assistirem ao Juve-Fiore a contar para o campeonato; a anterior melhor marca de Clubes no FF em Itália tinha sido de pouco mais de 14.000 espectadores na meia final da Champions(!) entre Verona e Frankfurt, em 2008(!); em jogos da equipa masculina o recorde estava em 41.470 pessoas (apenas mais 2.443 espectadores), quando a Juve recebeu a Roma em Dezembro de 2016. b) 17 de Março: uma semana antes, o Wanda Metropolitano de Madrid recebe o Atletico- Barcelona e regista o recorde Mundial de assistências em jogos entre Clubes, com o número alucinante de 60.739 espectadores.

Momento 6, Junho/Julho 2019 – Campeonato do Mundo França 2019: quer do ponto de vista comercial quer do ponto de vista competitivo e de espectáculo este Mundial foi um sucesso. O relatório FIFA dá conta de 1.120.000.000 de espectadores em todo o Mundo (somando TV e transmissões streaming oficiais) o que significa um aumento de 30% relativamente ao Mundial anterior; a final entre EUA e Holanda, foi a mais vista de todas as decisões de um Mundial Feminino até hoje, pois contou com 82.200.000 espectadores, mais 56% que a final de 2015.

Momento 7, 2018-2021 – o exemplo inglês: para a época 2018/19, a FA (Federação Inglesa de Futebol (Football Association) propicia um grande salto qualitativo nas competições inglesas, ao definir regras para o licenciamento de equipas profissionais a competir na WSL (FA Women’s Super League, a primeira divisão feminina) e de equipas profissionais e/ou semiprofissionais para competirem na FA Women’s Championship (a segunda divisão); simultaneamente garantiu o Banco Barclay’s como grande sponsor oficial da WSL, num contracto de 10M€ em 3 anos, renovável (e da selecção principal feminina); em paralelo garantiu outros sponsors “secundários” como a Budweiser (cerveja), a Lucozade (bebidas energéticas); os prémios de competição, bem como o cada vez maior acesso a bons contratos publicitários tornavam cada vez mais sustentáveis as equipas profissionais e aumentavam a sua competitividade internacional (até 2013, apenas o Arsenal tinha marcado presenças – 5 meias finais e um título; a partir desse ano já marcaram presença o Birmingham, o Manchester City e o Chelsea – finalista vencido este ano). Em 2022, a fase final do europeu será disputada em terras de Sua Majestade e esse será, inevitavelmente, mais um importante factor de crescimento.

Momento 8, a “ousadia” colombiana: no segundo semestre de 2019 a liga feminina de futebol feminino tinha a sua realização em risco, por falta de público. Então, a cerveja Águila entrou em ação ao lançar uma campanha publicitária e promocional sem precedentes: foi lançado ao adepto que idolatra tanto a sua equipa o repto: continuaria a apoiá-lo se o símbolo do seu clube se partisse em dois? Esse foi o passo seguinte dado pela Águila: o Junior Barranquilla, então campeão em título masculino apresenta-se na 1ª jornada do campeonato com metade do seu emblema nos equipamentos e apresenta a equipa feminina com a outra metade. Foi a forma de mostrar aos adeptos que a equipa masculina e feminina são o mesmo team do mesmo Clube; ao mesmo tempo diziam aos adeptos que apoiar um só género do Futebol do Clube fazia deles meios-adeptos. Ser adeptos por inteiro é apoiar e presenciar os jogos dos 2 géneros. A campanha começou a pegar no Barranquilla e cedo se alastrou aos outros Clubes. O campeonato feminino desse ano conheceu um aumento de assistências de 633%!!! o jogo final do campeonato teve uma assistência de mais de 55.000 espectadores. A campanha da Aguila mereceu duas distinções na Epica Awards que distingue internacionalmente as melhores campanhas publicitárias.

Momento 9, as mudanças na Women’s Champions League: a WCL vai, já na próxima época, ter um novo formato que inclui uma fase de grupos com 16 equipas, bem como direitos de marketing e cobertura TV centralizados: Os oitavos-de-final serão substituídos por uma fase de grupos, com quatro grupos de quatro equipas, com jogos em casa e fora. Os dois primeiros classificados apuram-se para os quartos-de-final; Neste momento, apenas a final tem direito a marketing centralizado por parte da UEFA, com as equipas anfitriãs a serem responsáveis por esse aspecto em todas as fases anteriores da competição. No novo formato e acordo, os direitos media serão centralizados da fase de grupos em diante, com a UEFA responsável pela produção de cada jogo para transmissão televisiva ou online. Os direitos de patrocínio serão parcialmente centralizados a partir da fase de grupos para os parceiros da UEFA no futebol feminino; Na sua primeira época, oito dias de jogos da competição (dois na Ronda 2, quatro na fase de grupos e as duas mãos dos quartos-de-final) serão agendados por forma a que não colidam com jogos de outras importantes competições futebolísticas; os seis países melhor classificados (segundo os coeficientes de clubes femininos no início da época anterior, isto é, o Verão de 2020 para 2021/22) terão direito a três participantes e os países classificados entre o sétimo e o 16º lugar contarão com dois. Os restantes países têm a possibilidade de ter uma equipa, que continua a ser o campeão nacional, não se registando alterações neste aspecto; a fase de grupos será precedida por duas rondas, divididas em caminho dos campeões e caminho das ligas (tal como acontece na UEFA Champions League), para garantir que pelo menos dez países estarão representados na fase de grupos; a Ronda 1 será disputada no formato de mini-torneio a eliminar, com meias-finais, jogo de atribuição do terceiro e quarto lugar e final, ao passo que a Ronda 2 é disputada a duas mãos, em casa e fora. Em suma, uma mudança radical que gera muito mais dinheiro e o distribui muito mais.

Poderia citar muitos mais outros dados relevantes, mas acho serem estes os suficientes para se poder compreender melhor o enorme crescimento que está a conhecer internacionalmente o Futebol Feminino e que INVESTIR NELE NESTE MOMENTO NÃO É UM RISCO MAS SIM UMA OPORTUNIDADE DE FUTURA SUSTENTABILIDADE COMPETITIVA E COMERCIAL, QUIÇÁ IRREPETÍVEL.

Para já, neste momento decisivo, nacionalmente, o Benfica parte em enorme vantagem: porque já soube investir mais; porque soube investir melhor; porque está mais bem apetrechado; e porque tem acesso ao eventual retorno financeiro e desportivo da presença na WCL.

O que o Sporting tem obrigatoriamente de fazer, se quiser recuperar a hegemonia nacional e, assim, gerar condições de sustentabilidade e competitividade, é saber investir mais e melhor. Para já, deu um primeiro passo (necessário, mas não suficiente): despediu a “timoneira do naufrágio”. Não avalio a competência técnica da Suzana Cova. Apenas me limito a constatar que falhou nos objectivos em toda a linha. Porque não ganhou qualquer competição. Porque não soube, não quis, ou não teve o poder para construir uma equipa ganhadora. Falta agora o mais difícil: escolher novo timoneiro, definir novo rumo, investir na reconstrução eficaz do barco e garantir uma navegação segura.

* dos Açores com amor, o Álvaro Antunes prepara-nos um petisco temperado ao ritmo do nosso futebol feminino. Às terças!