Sebastián Coates foi eleito o melhor jogador da última época pelo Maisfutebol. O capitão do Sporting foi o atleta mais pontuado na combinação entre os pontos atribuídos pelos jornalistas do Maisfutebol com as estatísticas do Sofascore: somou um total de 465 pontos, ficando à frente do colega de equipa Pedro Gonçalves, que teve 459. Na terceira posição ficou Léo Jardim, guarda-redes do Boavista, com 453 pontos, seguido do portista Taremi, com 449, e do bracarense Galeno, com 445. Ora no dia em que recebeu o prémio, Coates concedeu uma entrevista exclusiva (aqui com vídeo), que serviu para falar, por exemplo, do que mudou nele para aos 30 anos atingir o ponto mais alto. O central admitiu que fez a melhor época da carreira e diz que a harmonia criada em Alcochete foi o segredo de todos os sucessos: coletivos e individuais.

A última época foi a melhor da sua carreira?
Sim, acho que sim. Acho que pode ter sido a melhor época da minha carreira pela consistência, pela ajuda dos meus companheiros, pela ajuda do clube. É um jogo de equipa e graças ao trabalho pude ser constante. Por acaso gosto mais de ganhar troféus coletivos, mas obviamente é um orgulho ser distinguido pelo que fiz.

O que é que aconteceu para aos 30 anos atingir um rendimento tão alto?
A maturidade, claro. Hoje tomo melhores decisões do que tomava antes. Mas acho que isto também tem muito a ver com o que foi o ano da equipa: valorizou todos os jogadores. O Pote, por exemplo, foi o melhor marcador. Toda a defesa esteve a um nível alto, também. Tudo isso me ajudou a ser um melhor jogador.

O esquema tático de Ruben Amorim com três centrais, jogando o Coates mais recuado, teve alguma influência nisso?
Sim, pode ter tido. Tenho responsabilidades diferentes, é verdade. Mas talvez se jogássemos com uma linha de quatro defesas e a equipa estivesse igualmente bem, eu também fizesse uma época igual. Nunca se sabe. Hoje jogamos assim e eu, pessoalmente, sinto-me muito confortável. Agora há que continuar a crescer e a melhorar, porque quero sempre mais.

Para além do rendimento dentro de campo, Coates tornou-se no último ano um jogador consensual para os adeptos. Sentiu isso também?
Talvez, sim. Já tenho muitos anos de clube, o ano passado correu muito bem e acho que os adeptos veem que, nos momentos bons ou nos momentos maus, trabalhei sempre da mesma maneira. Às vezes as coisas saem bem, às vezes saem mal, mas o importante é continuar sempre igual.

Em maio a imprensa uruguaia dizia que o Coates encontrou em Lisboa o seu lugar no mundo. Concorda?
Em parte, sim. Sobretudo porque a minha família está muito bem aqui, em Lisboa, e eu estou num clube em que gosto de estar. Um clube que foi espetacular comigo desde o primeiro dia. Sinto-me muito bem aqui. Claro que o Uruguai é parte da minha vida, tenho a minha família lá, tenho amigos importantes… Lisboa é uma cidade à qual ganhei muito carinho, estar-lhe-ei sempre grato, mas também tenho o Uruguai.

Mas já lhe passou acabar a carreira no Sporting?
Aí entra a parte de ser velho, não é? Não, não, ainda não me passou pela cabeça acabar a carreira e ainda não pensei nisso. Quero viver o dia a dia. Neste momento gosto de acordar todos os dias vir treinar aqui à Academia. Não quero fazer planos muito distantes. O tempo dirá o que será melhor tanto para a minha família como para mim.

Mas já leva seis anos de Sporting, já deixa uma marca forte na história do clube…
Talvez seja por isso que os adeptos gostam de mim. Não tanto por jogar bem ou mal, mas por estar aqui há tantos anos e por ter passado por tantas coisas, algumas boas e outras más. Eu quando fui adepto do meu clube era disso que gostava, de jogadores que ficavam muitos anos e que ajudavam o clube a marcar uma época. Talvez seja isso que eles reconhecem em mim.

Nesse sentido, custou-lhe ver João Mário sair para o Benfica?
Cada um toma as decisões que quer e tem toda a liberdade para o fazer. Neste caso ele tomou a sua decisão e há que respeitá-la. Enquanto fez parte do Sporting sempre deu tudo pelo clube, como companheiro também, por isso não tenho nada que apontar-lhe. Depois cada um toma a sua decisão.

A verdade é que os adeptos do Sporting ficam magoados porque nos últimos anos tem acontecido com vários ídolos acabarem nos rivais: Quaresma, Moutinho, até mesmo Simão. O que é que é preciso para isso mudar?
Não sei se o clube tem que fazer algo de especial. São decisões dos jogadores, que estão no seu direito de as tomar. Muitas vezes não é culpa de ninguém, são caminhos que se separam e os jogadores vão para outro local de trabalho.

Já disse uma vez que, quando assinou pelo Liverpool, Jorge Jesus o tentou levar para o Benfica. Mas quando assinou em definitivo com o Sporting, em 2017, também se falou muito que o Benfica o queria. O que existiu de verdade?
Sinceramente, não sei. Desde que comecei a ter empresário, disse-lhe que só queria saber quando houvesse propostas concretas. Não quero saber se há interesses, ou se as pessoas ligam a perguntar. Sou muito frontal com o meu empresário e ele nunca me falou de nenhuma proposta do Benfica. Não sei, por isso, se houve de facto interesse ou se foi só conversa de jornais.

Está em Alvalade há seis anos e já integrou equipas mais fortes do que esta. O que esta teve de especial para ser campeã?
Não quero comparar com outras equipas. Mas o que a equipa da época passada teve foi a união. Isso nota-se não só no campo, mas também fora. Quem via os vídeos dos treinos do Sporting, podia perceber que o grupo era muito unido. Estou convencido que se não houver união dentro do balneário, não se consegue atingir coisas, não se consegue ganhar.

E essa união é mérito de quem?
De todos. Em primeiro lugar, do mister, claro. É ele o líder do grupo. Mas depois de toda a gente. Dos roupeiros, dos médicos e dos jogadores também, claro. Gosto de vir para a Academia e respirar um bom ambiente, isso ajuda muito dentro de campo. Quando as coisas nos jogos não estavam a correr bem, havia sempre alguém disponível para correr o dobro pelo companheiro, para sacrificar-se pelo companheiro, e isso parte muito da união que existia nos treinos e nos estágios. Isso foi fundamental.

E agora, entrar em campo como campeão é uma vantagem ou uma desvantagem?
Desvantagem? Nenhuma. A responsabilidade é exatamente a mesma. Representar o Sporting é uma responsabilidade muito grande e temos de a enfrentar da melhor forma. Sem perder a consciência do que fizemos o ano passado, mas tentando fazer melhor as coisas que não fizemos bem.

Passeando pelas redes socias percebe-se que muitos adeptos o veem como uma espécie de pai dos miúdos do plantel. Aceita essa ideia de «pai» dos mais novos?
Sim, já percebi que olham para mim assim. Não sei se é bom, porque é sinal que estou a ficar velho [risos]. Há muitos jogadores com experiência no plantel que ajudam os mais novos, embora se calhar não se veja tanto dentro de campo, jogadores como o Neto, o Adán, o Feddal, o Antunes, que saiu entretanto. Mas a verdade é que estes jovens têm muita vontade de ganhar, têm muita ambição. Com a idade deles o normal se calhar era estar a desfrutar com os amigos, mas estão aqui a trabalhar no duro. Isso torna muito mais fácil liderar o grupo. Para além disso, este ano já temos um ano de trabalho juntos, já nos conhecemos melhor do que, por exemplo, acontecia o ano passado, tanto eu a eles como eles a mim, e isso é um ponto a favor de todos.

Qual é o miúdo que lhe dá mais dores de cabeça?
Nenhum me dá verdadeiramente dores de cabeça. Talvez eu tivesse mais preocupações com o Quaresma, porque joga na mesma posição que eu, com Inácio também, mas por exemplo, também brinco muito com o TT [Tiago Tomás], porque nos enfrentamos muitas vezes, ele é muito rápido e quando ganho uma bola tenho de lhe dar um toquezinho. Mas, lá está, todos eles têm uma grande ambição em estar neste clube e por isso é muito mais fácil para mim fazer coisas com eles.

Mas a verdade é que eles agora são miúdos campeões. Isso obriga-o a uma atenção especial para os puxar das nuvens?
Se calhar o normal seria isso, mas a verdade é que não tem sido preciso. Eles sabem que o que se passou, já foi, já está lá atrás. No futebol tanto estás em cima como logo a seguir estás em baixo. Até agora não foi preciso fazer nada de especial e acho que não vai ser necessário. São muito focados e responsáveis.

No fim do último jogo, o Ruben Amorim disse que a família do Nuno Santos não precisava de ficar preocupada, que ele estava chateado era com o treinador. Tem sido mais difícil ao capitão acalmar o feitio do Nuno Santos?
Não, não, nada disso. O Nuno Santos tem essa forma de ser, mas não é por jogar ou não jogar. Ele é assim por tudo. É assim se o pequeno almoço está frio, é assim se a água está quente, ele brinca com tudo. É o feitio dele e esse feitio dele faz com que o grupo tenha um bom ambiente. Nós precisamos dele assim. Por exemplo, o ano passado estávamos a ganhar, e a ganhar, e a ganhar. Se alguém em algum momento relaxasse, ele estava sempre à procura de razões para criticar e para falar. Essas coisas fazem um clube ganhar um grupo forte. Talvez para o treinador esse tipo de jogadores seja mais difícil, mas ele reclama sempre pela positiva: nunca se queixou de nenhum companheiro, nunca se queixou de nenhum treino, é uma pessoa espetacular dentro do plantel.

O Paulinho no ADN de Leão dizia isso, que fazem falta num plantel jogadores como o Nuno Santos e o Pote…
Sim, estão sempre insatisfeitos, mas não é por causa de jogar ou não jogar, ou por causa do treino. É por tudo, pela vida. Mas estão sempre a arrancar um sorriso a todos e fazem bem ao grupo.

Este foi um ano difícil pelo que aconteceu ao Santiago Garcia. Vários atletas, de resto, vieram falar de problemas psicológicos, ainda agora tivemos a questão da Simone Biles. Na sua opinião, o desporto de alta competição está a colocar demasiada pressão nos atletas?
Sim, talvez seja uma das razões. Mas também o momento que vivemos, de muitas alterações na vida quotidiana, tendo que ficar em casa, não podendo ver a família ou os amigos, acho que isso nos mudou a todos. Em relação ao desporto, sim, sempre houve pressão, algumas pessoas lidam melhor, outras precisam de ajuda psicológica e há ainda outras que são mais fechadas e a quem custa muito procurar ajuda. Acho que esse deve ser o ponto em que temos todos de trabalhar mais: as pessoas que estão com depressão ou que estão a sofrer precisam de procurar ajuda. Têm de abrir-se e de falar com alguém com formação específica para isso. Por vezes no futebol somos mais fechados, mais reservados e temos mais dificuldade em pedir ajuda. Mas espero que as pessoas vejam as coisas que estão a acontecer e tentem procurar ajuda para seguir em frente.

Considera que os jornalistas, e o público em geral, têm por vezes pouca compreensão para o facto de os atletas serem também seres humanos?
Não são todos e não podemos colocar no mesmo saco toda a gente. O que sempre disse é que gosto de ser criticado pelo que faço dentro de campo, mas não o posso ser por falta de carácter, ou porque estava na noite, coisas que não têm nada a ver com o jogo. São coisas que não fazem parte dos noventa minutos e do que é um jogo. Esse critério de julgar pessoas está errado e faz muito mal aos jogadores ou aos treinadores. Se erro dentro de campo, que me critiquem, tudo bem. É justo que critiquem o jogador. Que critiquem a pessoa, sem sequer a conhecerem, é que é mau.

Também muita gente tem criticado, a propósito da Simone Biles, a necessidade doentia de ganhar. Acha que o desporto chegou a um ponto em que não há compreensão com a não vitória?
Sim, acho que sim. Se nós ficarmos em segundo ou terceiro lugar, muitos vão dizer que é um fracasso. Mas há dezoito equipas a competir. E todos têm que ganhar sim ou sim. Há atletas que conseguem lidar com isso e outros que não. Porque por vezes o caminho que fazes é perfeito, mas por um detalhe não ganhas e logo ficas definido como um fracassado. A linha que separa a vitória da não vitória muitas vezes é muito fina. Isso é muito duro psicologicamente para os atletas.

O que aconteceu ao Santiago Garcia mudou alguma coisa em si?
Obviamente, mudou. Antes de mais, porque crescemos juntos. Hoje talvez esteja mais junto das pessoas, mesmo à distância, quando há algum problema, estou sempre a falar com elas. Nos dias que correm é normal muitas vezes estarmos juntos e cada um estar fechado no seu telemóvel, nem se pergunta se está tudo bem. O que aconteceu veio fazer a diferença nisso.