Caros Tasqueiros, ouvi (e depois li) com muita atenção a entrevista concedida pela nossa GuardaRedes, Doris Bacic, à Sporting TV e ao Jornal Sporting. E foi com enorme prazer (e confesso que até alguma surpresa) que pude constatar a humildade, a vontade de integração, o compromisso e (sobretudo) o bom senso e a inteligência com que pautou as suas declarações nessa entrevista, não se limitando a debitar os “lugares comuns” que, não pouco frequentemente, caracterizam este tipo de entrevistas. Destaco algumas dessas declarações.

“(…) Quando cheguei fui surpreendida pela forma como tenho sido tratada. Sinto que a equipa me aceitou e estou a entender-me bem com as colegas. Gosto também de como a sociedade encara o futebol feminino, por isso estou a desfrutar muito de trabalhar neste ambiente.” Nesta resposta a Doris reforça aquilo que foi notado logo no nosso jogo inicial (e de elevadíssimo grau de dificuldade): um ambiente extraordinário, uma enorme alegria de jogar e uma entrega e compromisso transversal a todas as jogadoras em campo e no banco. Mas também deixou logo a impressão de que a sociedade portuguesa encara positivamente o Futebol Feminino. Se tivermos em atenção que essa impressão em termos competitivos apenas se fez sentir apenas em 2 jogos com pouco público e se alicerçam naquilo que foi vivenciando em pouco mais de um mês de adaptação ao nosso país e ao nosso futebol, mas também que são declarações de uma jogadora que já jogou na Croácia, na Bósnia, em Inglaterra, na Suécia, na Alemanha, na Islândia, na Bélgica e na Itália, então ficamos a perceber que a Doris foi capaz de intuir que, ao contrário do que apregoam persistentemente muitas vozes, o Futebol Feminino tem TAMBÉM EM PORTUGAL um terreno fértil de potencial para o seu desenvolvimento.

“(…) Houve um jogo, frente à Fiorentina, com 40.000 pessoas. Ver tanta gente a apoiar-nos é um dos presentes mais maravilhosos que o Futebol me deu.” Esta “confissão emocional” da Doris deveria ajudar-nos a compreender o quanto é importante para as jogadoras (e para as equipas) sentirem que a sua dedicação ao jogo é devidamente apreciada por públicos numerosos. Um Clube que consiga isso REGULARMENTE cria laços emocionais que tornam muito mais fácil manter as suas jogadoras comprometidas com os seus objectivos e atrair outras jogadoras de qualidade para partilhar projectos e vivências dificilmente oferecidas por outros. Daí a minha frequente insistência para a urgente necessidade de o Sporting trabalhar a promoção do seu Futebol Feminino de uma forma muito mais proactiva e em acção programada de fundo, coordenada por toda a sua comunicação e marketing e envolvendo em permanência quer os G.O.A., quer todos os Núcleos e Filiais SCP dos Distritos de Lisboa, Leiria, Santarém e Setúbal, quer as atletas e a equipa técnica. Esta entrevista é, diga-se, um óptimo exemplo de boa comunicação do Clube e de iniciativa proactiva no sentido da promoção do seu Futebol Feminino. Mas não deveria ficar por um evento avulso, antes devendo abrir caminho a uma política promocional mais permanente e agressiva, mobilizando todos os recursos logísticos à disposição do Clube (desde todas as suas plataformas comunicacionais, até à sua rede de expansão orgânica) .

“(…) O Núcleo da equipa é composto pelas jogadoras mais experientes, como a Ana Borges, a Fátima (Pinto) e a Joana (Marchão) [e eu acrescentaria ainda a Rita Fontemanha e a Diana Silva], que servem de inspiração a um grupo de jogadoras mais jovens e talentosas. Esse Núcleo mais experiente é óptimo para aprender e isso é um privilégio para as mais novas.” Está aqui bem sintetizado o que considero ser o modelo mais assertivo e racional de constituição de um plantel de uma equipa de clube de futebol feminino, num país em que este ainda não conhece níveis de desenvolvimento e de afirmação de topo internacional. Apostar na Formação só faz sentido numa equipa cujo núcleo de jogadoras mais experientes seja de boa qualidade. Lembro que a Doris na entrevista até só elencou 3 jogadoras; eu já lhes juntei a Rita e a Diana, mas convém incluir nesse núcleo a Mélisa Hadsanbegovic, a Brenda Pérez, a própria Doris Bacic e até mesmo a Chandra Davidson (apenas com 23 anos mas com experiência do Futebol de Formação no Candá e do Futebol Universitário nos EUA). Por aqui vemos uma diferença substantiva relativamente ao passado: jogadoras como a Carlyn Baldwin, a Sharon Wojcik, a Carolina Venegas, Syd Blomqvist, a Nathalie Persson, a Wibke Meister, a Amanda Perez não acrescentavam qualidade às nossas melhores o que significa que as jovens da nossa Formação teriam muito mais a aprender com estas últimas do que com essas estrangeiras que contratámos. O mesmo relativamente a algumas contratações de jogadoras lusas que actuavam fora de Portugal, aí mais pela relação custo/qualidade: não fazia grande sentido a aposta feita em jogadoras como a Ana Leite, a Carolina Mendes ou a Mónica Mendes que auferiam dos vencimentos mais altos do plantel sem que tal correspondesse a uma qualidade igualmente diferenciada.

miudas em alvalade

Independentemente da consideração de que o plantel ainda estará curto para uma 2ª Fase do Campeonato BPI bem mais exigente que a primeira, devemos salientar o extraordinário acerto, nas aquisições que o Sporting já fez para tentar recompor o plantel. 5 das jogadoras adquiridas (4 novas e um regresso) vieram claramente acrescentar qualidade e, com isso, ajudarão imenso a fazer com que as mais novas evoluam mais rápido e com mais qualidade. E isso acontecerá não apenas nos jogos, mas sobretudo nos treinos que, decerto, com estas jogadoras se tornam mais exigentes. As outras 2 aquisições (Ana Teles e Shen Menglu) são ainda jovens mas com um enorme potencial e um histórico de muita competitividade, intensidade e compromisso, pelo que até poderão ser das que mais evoluirão neste modelo de plantel do SCP (como acredito que sucederá com a Andreia Jacinto, a Mariana Rosa e a Alícia Correia).

Finalmente, uma nota para a proeza do Benfica ao conseguir o apuramento para a Fase de Grupos da Champions. Na 2ª Feira dia 13, realizou-se o sorteio dessa fase, sabendo-se que Barcelona, PSG, Bayern Munich e Chelsea estavam no Pote 1 desse Sorteio; Lyon, Wolfsburgo, Arsenal e Breidablik (Islândia) no Pote 2; BK Hacken (Suécia), Hoffenheim, Juventus e Real Madrid no Pote 3; enquanto as equipas do Zhytobloud 1 Kharkiv (Ucrânia), HB Koge (Dinamarca) e Servette (Suiça, onde estão as ex-leoas Mónica Mendes e Inês Pereira) estavam no mesmo Pote do Benfica o 4, não podendo, por isso defrontarem-se. Ditou a sorte que o Benfica ficassse no Grupo D com a companhia de Bayern Munich, Wolfsburgo e Hacken. Poderia ter sido melhor mas até nem é um grupo muito mau, já que evitou Barcelona, PSG e Chelsea dos “cabeças de série” (Bayerrn é sempre muito difícil mas diria que os outros ainda são mais), Lyon e Arsenal do Pote 2 (aí teoricamente mais acessível que o Wolfsburg só o Breidablik) e apanhou do Pote 3 a equipa teoricamente mais acessível.

Mas o mais relevante é que o Benfica, ao qualificar-se para esta Fase já “conquistou” a significativa quantia de 400.000€. O que só vem sublinhar a imperiosa necessidade de nos reforçarmos, logo no início de Janeiro, com 3 jogadoras que nos poderão garantir as condições ideias para reconquistarmos o título nacional e, assim, podermos partir para a temporada seguinte com justificada esperança em alcançar um feito semelhante ao do Benfica e (TAMBÉM por via dos prémios, da visibilidade e da experiência ao mais alto nível da Champions) construir uma maior capacidade financeira para sustentar equipas cada vez mais competitivas.

Diria mesmo que mantendo os parâmetros que orientaram a actual reconstituição (parcial) do plantel, o Sporting poderá almejar atingir o patamar internacional que o Benfica atingiu este ano investindo muitíssimo menos que o investimento até agora já feito pelo clube rival e alcançando um plantel de qualidade superior ao que esse rival possui neste momento [eventualmente, contando com as verbas agora conquistadas, o clube de Carnide até poderá reforçar-se em Janeiro, mas, desde que façamos a tais 3/4 aquisições com o mesmo critério deste Verão, manteremos condições para conquistar o título e isso seria um revés acrescido para o Benfica, caso opte por investir em Janeiro – porque o seu histórico de aquisições (sem dinheiro de receitas próprias) é dispendioso (como não será sabendo que podem contar com esta “almofada”) e porque, não sendo campeões, não acedem a novos €€ da Champions].

Para já, há que consolidar os processos desta equipa que sofreu muitas alterações. Este período da 1ª Fase do Campeonato até nos permite uma abordagem mais “descontraída” porque, não acumulando pontos para a Fase seguinte (essa mais “a doer”) teremos a possibilidade de fazer crescer a equipa sem muito stress competitivo externo, mas tentando colocar o mais alta possível a fasquia da competitividade interna. Inclusivamente podem ser mais treinadas (e testadas competitivamente) escolhas individuais que possibilitem, eventualmente, minorar alguns dos défices estruturais que ainda se identificam no plantel. O certo é que, para consumo interno, nesta primeira fase, o que temos chega e sobra e até se podem dar oportunidades às jogadoras mais jovens com menos minutos de equipa A; mas para a 2ª Fase tudo teria de ser muito espremido e, mesmo com soluções inventivas, pode muito bem não chegar para o objectivo maior de ser campeãs, sendo as possibilidades de sucesso final consideravelmente mais reduzidas do que se optarmos pela via da contratação de uma central, uma média defensiva e uma avançada móvel com qualidade idêntica às tais 5 melhores aquisições de Verão (até fico a torcer para que, na Série Sul, se apurem Torreense e Amora, por forma a tentarmos, com mais hipóteses de consumação, a contratação da Telma Encarnação ao Marítimo). Mas isso serão “contas de outro rosário” que só “desfiaremos” a partir do mês de Janeiro.

* dos Açores com amor, o Álvaro Antunes prepara-nos um petisco temperado ao ritmo do nosso futebol feminino. Às terças!