No seguimento da mensagem aos sócios e em véspera do clássico para a Taça da Liga, Bruno de Carvalho concedeu uma entrevista exclusiva ao Expresso onde explicou o conteúdo do documento apresentado ao Governo, partidos políticos, Federação, Liga e clubes, sobre alterações da legislação desportiva.
Há muito (e bom) para ler e, digo eu, há muita gente que deve ter ficado com as orelhas a ferver…
Porque decidiu avançar com esta iniciativa?
É um documento único – pela primeira vez explica-se o que se passa e avança-se com propostas de regulamentação para melhorar. Foi um trabalho de meio ano. Não interessa dizer em termos filosóficos o que achamos, demos uma versão concreta das alterações que defendemos. Ouço dizer que falo e não apresento soluções – já o fiz. Agora temos esperança de conversar com os clubes no início do ano para discutir estas temáticas.
Um dos pontos diz respeito às questões fiscais. Defende um novo perdão aos clubes?
Nada disso.O trabalho quis tocar nos assuntos importantes apesar do contexto económico que atravessamos. É um ponto sensível, mas preocupa-nos a diferença entre o espetáculo desportivo e outras indústrias como a musical, cinematográfica ou cultural. E demos um exemplo claro na parte fiscal:um jogador a quem se ofereça 600 mil euros, num clube que lute pela permanência em Espanha, recebe 500 mil porque têm vários escalonamentos de impostos; cá, fica-se pelos 300 mil. Isso retira competitividade aos clubes. Pode dizer-se que é uma estratégia – que seja, mas então que se assuma. Não queremos deixar de pagar impostos nem ter regalias, mas de duas, uma: ou se mexe no nosso sistema atual ou se tenta mexer no mercado europeu, tornando-o igualitário.
E porquê tanto enfoque nos seguros dos jogadores?
Houve uma reunião entre seguradoras e Governo – querem sair do desporto e do futebol. Devemos pensar o futebol em termos preventivos, não reativos: se isso acontecer, como será? Pode haver um problema gravíssimo. Exemplo: reduzimos a massa salarial para cerca de metade mas o seguro ficou quase igual e o tempo de carência passou de 70 para 365 dias. Ou alteramos a lei ou os clubes pagarão uma pequena fortuna todos os anos só para competir. Isso é subverter o que é um seguro e gera mais problemas para os clubes.
O que defende em relação aos fundos e às percentagens de direitos económicos em futuras transferências?
Os empresários não deveriam ficar com percentagens de futuras transferências – isso cria sérios focos de instabilidade. Em relação aos fundos, não dizemos que se deve eliminar um elemento financeiro mas defendemos que devem ser repensados. Se desaparecessem, os clubes perdiam a capacidade de fazer investimento; no entanto, a capacidade de gestão que esses fundos têm nos clubes deve ser limitada. Isto vê-se num modelo de sucesso, o inglês. Há pessoas a mais a poder decidir sobre o futuro dos jogadores.
E como consegue evitar?
A decisão de alienação ou não de um ativo deve ser só dos clubes. Como rentabilizar o investimento? Percentagens em vendas futuras, opções de retorno financeiro. Não é acabar com os fundos, é balizá-los através de regras benéficas para todos. Devem ser parceiros do win-loose e não do win-win. Os clubes não devem ser esquartejados dos seus direitos. Dou outro exemplo: um jogador custa 500 mil euros e um fundo entra com 50%, 250 mil. Automaticamente tem direito a metade do jogador. O clube paga dois milhões por ano, fica três anos, seis milhões de encargos. É vendido por cinco milhões, dez vezes mais: o clube ganha 2,5 milhões e gastou 6,25. Tem alguma lógica? O clube perde quase quatro milhões! Ou vamos para um lado onde assumimos tudo, e se um clube tiver 20% do passe só paga 20% dos encargos, ou balizamos regras.
Acredita mesmo que, por exemplo, as classificações dos observadores aos árbitros passarão a ser enviadas aos clubes?
Nenhum clube pode achar bem que as classificações não sejam conhecidas. Qualquer dirigente de um clube pode reagir a tudo na sua casa; opinar em relação ao trabalho de uma equipa que, boa ou má, tem influência, isso é que não. Faz sentido?
Isso resolvia o problema?
Se calhar… Um exemplo que dei nas reuniões: alguém tem um problema, vai a tribunal, paga e não sabe quem é o advogado de defesa, o de acusação, o juiz, os timings, nada. Alguém aceitava isto? No futebol é assim. No caso entre o Sporting e o FC Porto sobre João Moutinho, ouvi dizer coisas como ‘eh pá, vai perder porque quem decide está sempre na tribuna do FC Porto‘ e não sei se será assim porque não estou lá para ver! Era simples: vai um elemento do Sporting, outro do FC Porto, decidem o terceiro elemento e está feito. Os próprios árbitros queixam-se dos observadores, falam sobre o que podem manipular sobre o seu futuro, internacional ou não, descem ou não, e ninguém sabe quem são!
…
Outra coisa: para que serve o quarto árbitro? Se o principal não viu, qual é a intervenção do quarto árbitro para diminuir o erro? Essa história do errar é humano… Porque assumimos com tanta calma que errar é normal? Se assumo que médicos ou juízes não podem errar, porque tem de ser diferente com os árbitros? Porque é que a premissa não é evoluir e terem mais meios para não errarem? Na essência, um árbitro é um juiz.
É por isso que defende a introdução das novas tecnologias?
Em vez de virem contra quem critica e refila com direito, devem dizer que querem mais meios para errarem menos. Devem dizer que querem novas tecnologias para que o quarto árbitro perdesse dois segundos a ver um lance na TV. Isso eliminava o erro grosseiro. Mas não é isso que fazem, querem é castigos para quem fala… Se errar é humano, eu também sou humano!
Apresentou outra medida em relação à arbitragem: sorteio com regras. Quais?
O futebol tem de acabar com a hipocrisia do ‘sou deste clube mas sou imparcial’. Eu sou dedicado, honesto, mas se apitasse o adversário acabava só com o guarda-redes e para ver a sofrer golos. Disse isso mesmo na reunião: quem tossisse era expulso, via uma agressão com perdigotos a um jogador do Sporting. Se o clube é emoção, mexe e interfere com a razão. Por isso defendemos um sorteio condicionado a clubes, ao histórico. Há árbitros com quem refilei este ano e que tiveram boas atuações com o Sporting onde não interveio o seu clube…
Fala de Duarte Gomes?
Por exemplo: com o Vitória de Setúbal, muito bem; com o Benfica, foi o que se viu. Mal cheguei, defendi a verdadeira profissionalização, não isto. Como os jogadores, os treinadores ou os dirigentes, devem tentar melhorar, deixando-se dessas coisas do ‘errar é humano’, exigindo mais condições para a sua profissão. Isso deve ser o seu combate diário. Que críticas fiz a Carlos Xistra após o Sporting-Rio Ave, onde não viu um penálti escandaloso? Nenhumas: notou-se na cara que estava incomodado, tinha a perceção de que tinha errado.
Depreendo que Manuel Mota não teria a mesma cara…
Nada, zero. É inconcebível… Mas este documento é muito mais importante que tudo isto.
Foi por isso que disse sentir vergonha do mundo do futebol?
Não aceito pertencer a um mundo que considero opaco, cinzento, pouco claro, pouco leal devido a isso tudo. E não me concebo calado. Foram muitos anos a sonhar ser presidente do Sporting mas isso não encerra em si a minha missão nem faz com que deixe de sentir vergonha por pertencer a um mundo assim. Não me calo. E dou o Sporting como exemplo. Se sinto vergonha do mundo do futebol não saio, altero para melhor.
Em que sentido?
Quando decidi avançar com uma candidatura, deparei-me com um sistema terrífico que envolvia partes da sociedade, pessoas importantes, etc. Era impossível qualquer pessoa com um perfil similar ao meu entrar. Onde acabou e onde queremos que seja o fim do sistema do futebol português? Simples: alteração de estatutos e mudança do regulamento eleitoral. Independente de quem estivesse à frente, ganhava quem tivesse mais votos. Demonstrei como se destruía um sistema de 20 anos para melhor. No futebol português são 30… Não posso aceitar que há 30 anos se diga que campeonatos são decididos antes de começarem e não mudam! É um sistema opaco, obscuro e andamos todos contentes. É o mesmo que ir jogar Football Manager, entrar com quatro treinadores, derrubar outros três e ser campeão – é assim que está o futebol português. As novas gerações deixarão passar? Não, garanto. Tudo será desmascarado. Primeiro muda-se o regulamento, depois as pessoas e deixa de prevalecer a cultura do medo.
Acredita que terá o apoio de todos os outros clubes?
Ainda espero o dia em que todos os clubes tenham dirigentes que distingam os clubes e a realidade do mundo em que vivemos. Os clubes têm o direito de se relacionarem ou não uns com os outros, mas não têm o direito de matar o futebol.
E para 2014, o que deseja?
Que toda esta documentação não caia no esquecimento. Até porque não vamos deixar que isso aconteça. Enquanto as regras do jogo forem opacas, o objetivo será ganhar jogo a jogo.
É por isso que não assume a candidatura ao título?
A exigência interna, estarmos em 1º lugar, andar pelo topo, nada nos aflige. Mas, com esta direção, o Sporting é muito realista e está atento ao que se passa no mundo do futebol. Ou seja, estabelecer grandes objetivos num mundo opaco onde existe uma série de regras que ou não são conhecidas ou são conhecidas e não se compreendem, fazer promessas é como vender ilusões. Só posso prometer aquilo que consigo controlar…
E se conseguir mudar?
No dia em que se fizer ao futebol português aquilo que fizemos ao Sporting, no dia em que as regras forem claras e transparentes independentemente de quem estiver na sua liderança, podemos formular outras metas. Até lá, tentaremos honrar a camisola, continuar a instituir o espírito Sporting no clube, limar mais algumas arestas. Grandes perspetivas sem haver a coragem para mudar, isso não. Não crio ilusões, o ser humano já vive com demasiadas…
3 Janeiro, 2014 at 19:10
Alguns pontos interessantes, tais como o dos Fundos. Pessoalmente, acho mal os passes estarem divididos, mas isto sou eu que sou do tipo toma-la-da-ca. Mas o mercado de transferências devia ser revisto a nível europeu, com tectos salariais, e nº máximo de jogadores sobe contrato, de modo a evitar açambarcamentos, ou clubes “satélite”.
A questão dos árbitros não é tão linear… quem é mais velhinho lembra-se do tempo em que um árbitro não podia apitar jogos do clube do qual era adepto… por isso eram todos do Cucujães ou do Esperança de Lagos.
Mas há aí um conjunto de ideias que deviam ser discutidas, sem dúvida.
3 Janeiro, 2014 at 20:52
Grande entrevista do NOSSO Enormissimo Presidente Bruno de Carvalho!
Muito bem, a chamar os ‘bois pelos nomes’ e a ‘meter os pontos nos is’!
Habemos Sporting Clube de Portugal!
3 Janeiro, 2014 at 22:22
Na mouche, Presi!
3 Janeiro, 2014 at 22:32
Pumba !!
O nosso Presidente não tem papas na lingua e mete a boca no trombone.
3 Janeiro, 2014 at 23:26
Grande grande grande Presidente! Que orgulho em ser do SPORTING 🙂