Eu tentei, juro que tentei, passar ao lado do folclore em que se tornou o funeral do Eusébio (tanto, que até optei por não publicar um (bom) texto que me enviaram). Do meu ponto de vista, tudo se resumiria ao post que publiquei, colocando de lado ressentimentos clubísticos e desejando um pacífico descanso a alguém que faz parte da história do futebol, de histórias que me contaram e, para o bem e para o mal, da história do nosso país. Ponto.

O problema é que, o que se seguiu, foi transformando o meu ponto final em três pontos. Ao ponto desses três pontos já não serem suficientes para susterem o incómodo que declarações e imagens me iam causando. A novela dos cachecóis, que ontem fez as delícias de dezenas de milhares de portugueses, terá sido a gota de água. E tudo teria sido simples de evitar se, em vez de esperar que a bola de neve crescesse ao ponto de esmagar um sentimento de respeito comum em torno da figura de Eusébio (porra, se até Pinto Buffonni foi capaz de ser politicamente correcto), a direcção do Benfica tivesse parado para pensar cinco minutos. Não parou e, desse erro medonho de comunicação – não anunciar, antes de fazê-lo, que ia retirar os cachecóis em virtude dos actos de vandalismo – nasceu um episódio que enlameia o momento.

Mas, e foi aqui que se tornou impossível suster o vómito, o que me incomoda é que essa total ausência de estratégia de comunicação nasce, precisamente, de uma estratégia de comunicação que visa capitalizar a morte de Eusébio em benefício próprio (e nem vou entrar em aproveitamentos políticos extra-futebol).
Talvez seja o facto de ser adepto de outro clube que me leva a ter uma visão menos turva das coisas, mas não queria acreditar quando ouvi o presidente do benfica afirmar que um dos seus objectivos é fazer mais uma vontade a Eusébio, apostar nos jogadores formados no clube, e que essa será uma realidade em 2020. A campanha presidencial movida a populismo (onde é que eu já ouvi esta expressão?) ganhou contornos épicos com frases como «vi com os meus olhos [o Jesus não faria melhor, LFV] alguns jogadores a chorarem […] o Eusébio acordou as pessoas e é bom que os benfiquistas sintam isto porque algo está a mudar no Benfica».

É verdade que não se chegou ao ponto de pedir para se encher o estádio, frente ao fcp, até porque disso se encarregarão os diários desportivos do costume, já a partir de hoje, mas o que fica, pelo menos para os mais atentos, é um aproveitamento hipócrita da morte de Eusébio. Alguém dizia que o craque tinha levado uma vida de sacrifícios em prol do benfica, sujeitando-se a constantes infiltrações que lhe tornaram os joelhos em papa. Já sem joelhos para jogar, foi utilizado como bandeira de um clube ao qual faltam referências de nível mundial. Agora, num caixão coberto com a bandeira desse mesmo clube, há quem ache normal continuar a servir-se do seu nome. O nome do tal jogador universal que, sem vergonha na cara, alguns vão utilizando sob a máxima «é universal, mas é um bocado mais meu, por isso eu utilizo-o quando e como me der mais jeito».