FutreBoa tarde Comandante. Agora uma mensagem de carácter pessoal: por acaso têm aí jornais desportivos que possam dar aqui à torre de controlo? Em troca podemos levar uma caixa de mangas”. Minutos depois o avião pára no meio da pista. A porta abre-se e a primeira pessoa a aparecer é um emissário com uma caixa de mangas – as melhores mangas do mundo – na mão. Pega no prometido molho de jornais e desaparece. Agora que se tratou das coisas realmente importantes, podem-se iniciar as formalidades para o desembarque dos passageiros.

Esta chegada ao aeroporto Osvaldo Vieira na Guiné-Bissau marcou a minha primeira vez neste país e revela bem a paixão que os guineenses têm ainda hoje pelo futebol português, passados quarenta anos desde a sua independência. Só depois vim a perceber a real importância dos jornais portugueses, especialmente os desportivos, neste país, um dos últimos em qualquer ranking de desenvolvimento.
Quem consegue um jornal acabado de chegar começa por lê-lo com os colegas e amigos. Depois vende-o a alguém que o irá ler e revender, e assim sucessivamente. Por isso, não é de estranhar quando encontramos guineenses a ler jornais com dez dias, com o mesmo interesse que o leriam acabado de imprimir.

Num país que não produz electricidade, onde a televisão é um luxo a que poucos têm acesso e a internet ficção científica para a maioria da população, é o velho transistor a pilhas que continua a ligar este povo encantador ao mundo. E os programas campeões de audiências são obviamente os relatos futebolísticos que aqui chegam via RDP Africa. Não há tabanca em que o ritual não se cumpra: um rádio a pilhas no chão de terra batida e à sua volta um círculo de homens de todas as idades venerando aquela caixinha.

Discutem acaloradamente os jogos, sabem da actualidade clubística e estão sempre sedentos de informações frescas acerca dos seus clubes do coração. Foi num destes círculos que conheci “Futre”, protagonista desta fotografia. O seu verdadeiro nome nunca cheguei a saber. Todos o tratam pela alcunha e o porquê é fácil de adivinhar. É doente pelo Sporting e reza a lenda que nos seus tempos áureos tinha um pé esquerdo que fazia lembrar o montijense.
“Futre” nasceu e vive em Buba, cidade no sul do país, onde ganha a vida a guiar caçadores portugueses pelo mato que conhece como a palma da sua mão. Depois deste primeiro encontro voltei à Guiné-Bissau mais algumas vezes. Em todas elas fiz questão de lhe levar cachecois, autocolantes, bolas, porta-chaves e outros produtos onde estivesse o logótipo do Sporting. Artigos que para nós são banais mas que ele guarda como se fossem as jóias mais preciosas.

Antes de me vir embora, pediu-me o meu número de telefone. Não tem telemóvel e fazer uma chamada internacional a partir de um telefone público, para além de difícil, deve custar uma pequena fortuna a esta gente. Por isso não deixo de me emocionar quando muitas vezes depois de uma partida de maior importância em Alvalade recebo uma chamada de um número de origem estranha e desconhecida, e do outro lado ouço uma voz genuinamente feliz: “Ganhámos! Ganhámos!”.
O telefonema nunca dura mais que alguns segundos. Não se fala de mais nada. Não queremos saber das famílias, dos filhos ou do tempo. Limitamo-nos a partilhar o nosso grande amor.

Texto escrito por O 7 Maldito

 

*às quartas, a cozinha da Tasca abre-se a todos os que a frequentam. Para te candidatares a servir estes Leões, basta estares preparado para as palmas ou para as cuspidelas. E enviares um e-mail com o teu texto para [email protected]