O tema não é consensual e há muito que estou para lhe dedicar algumas linhas, mas o jogo em casa com o Marítimo, para a Taça da Liga, incendiou-me a vontade de o fazer. Durante esse jogo, por momentos, esqueceu-se a filosofia “zero ídolos” e, durante as substituições, cantaram-se os nomes de Capel, Mané e Adrien. E o assunto saltou para a minha ordem do dia.

Não sou entendida na matéria mas, segundo sei, este modo de estar foi implementado pela Torcida Verde – que o sinalizou numa tarja que fica sempre entre a bancada sul e a nascente – e acabou por ser absorvido pelas outras claques. Consiste em não dar nenhuma atenção individualizada aos jogadores – ou seja, não lhes dedicar cânticos – e dirigir os incentivos unicamente para o “clube”.

Ponto prévio: eu sou contra o “zero ídolos”. Mas com isto não deduzam que pretendo ver as claques a cantar os nomes dos jogadores sem nenhum propósito – e, tão pouco, que o façam com todos os jogadores. O cântico individualizado é para momentos especiais: uma substituição, uma lesão, um golo marcado ou até um golo falhado. E para jogadores especiais: os que comem a relva, os que nos respeitam, nos dignificam, nos representam. Os que criam laços connosco. Isto parece-me relativamente óbvio.

Em conversas com amigos, apologistas desta filosofia, fui reunindo alguns dos seus argumentos e resolvi juntá-los, dando, a respeito de cada um, a minha opinião.

Fomos traídos por vários jogadores, portanto não vamos apoiar mais nenhum de uma forma especial.
É verdade. Fomos traídos. Simão Sabrosa vendeu-se ao Benfica, Moutinho forçou a ida para o Porto, Izmailov seguiu-lhe os passos, assim como Liedson que, pasme-se, afinal sempre sonhou jogar na casa de meninas do norte. Se recuarmos muitos anos, também vimos Futre, formado na nossa casa, vestir as cores de quem dava mais – mesmo que fossem Benfica e Porto – Figo fazer um pré-acordo com os lampiões e, anos mais tarde, festejar golos contra nós na nossa casa. E por aí fora. Sinceramente, prefiro poupar-me a mais lembranças escabrosas.
No futebol e na vida, sabemo-lo todos, há mais gente de merda do que gente séria e leal. Mas e então? Porque fomos traídos por uns seremos traídos por todos? Não me atirem ovos à cara, nem se engasguem com o petisco que preparei, mas tenho para mim que esta coisa do “zero ídolos” fundamentada em traições anteriores é como o namorado encornado que deixa de acreditar no amor e nas mulheres. Ou seja, não faz qualquer sentido.

Temos é de apoiar o Sporting, não os jogadores.
Então e o Sporting não é o conjunto das pessoas que o formam (adeptos e funcionários), que o formaram (e que constituem a nossa história) e que o formarão (o nosso futuro)?
Quando vamos para um jogo apoiar o nosso amor, estamos a apoiar as pessoas que carregam o nosso símbolo e nos representam. Aquelas que são o veículo para erguer o nome do nosso clube. Naquele momento, elas são o Sporting, tal como nós. Porque é que apoiá-las (individualmente) não é apoiar o Sporting? Porque é que uma coisa exclui a outra?

Os jogadores vão e vêm, não merecem o nosso apoio.
E então? O nosso apoio a eles também não vai e vem? É um apoio baseado no facto de jogarem no Sporting. Se amanhã saírem e representarem outras cores, serão apoiados por outros adeptos, mesmo que possamos continuar a respeitá-los e admirá-los. O Liedson foi ídolo enquanto esteve no Sporting. Sendo justa para com ele, mesmo tendo metido a pata na poça ao rumar a norte, enquanto cá esteve foi digno do nosso apoio – como foi, mais tarde, dos nossos assobios.

São profissionais, têm mais é de jogar.
E porque são profissionais não precisam de um apoio ou de um incentivo? De um conforto quando falham e de uma ovação especial quando acertam? Ouço muitos amigos dizerem que não se sentem valorizados nos seus trabalhos. Ora não gostamos todos, no nosso dia-a-dia, que nos incentivem? Que nos digam que nos admiram e que confiam em nós? Que mesmo que um dia ou uma tarefa corra mal continuam connosco? É essa a interpretação que faço de um cântico individualizado: é um “estamos contigo, és um de nós”.

Deixo-vos com as palavras de um ídolo, Acosta. Nunca mais me vou esquecer do velhinho Alvalade de pé, em uníssono, a gritar “Beto Acosta, Beto Acosta, és o nosso matador, matadooooor, matadooooor” – e do novo estádio, muitos anos depois, a cantá-lo novamente. Antecipo o frio que lhe corria na espinha enquanto nos ouvia. Traduziu-o desta forma: “Nunca me tinham chamado “Matador”, de forma que, na altura, gostei muito quando me atribuíram esse novo epíteto, como se costuma dizer. Ao mesmo tempo criaram os cânticos. Era uma satisfação ouvir aqueles adeptos gritarem essa canção. Era uma satisfação saber que, a qualquer momento, se marcava um golo ou mesmo se falhava um golo, os adeptos entoavam essa canção. Tinha muito orgulho, dava-me muita força para voltar a tentar na jogada seguinte”.

http://www.youtube.com/watch?v=uRvQG4ic8bI

 

texto escrito por mbc

 

* duas cozinheiras, dois temperos. O toque de Leoa, dado pela Maria Ribeiro e pela mbc. Às terças, na Tasca do Cherba.