Vivemos num país em crise. Não sei se algum dia deixámos de ser um país em crise, cultural, financeira ou intelectual, mas a verdade é que os últimos anos têm sido especialmente duros.

Num país devastado, uma população espremida e a viver no limite do que muitos considerariam digno, formaram-se alguns dogmas. Coisas simples, que ouvimos no café, como por exemplo “Somos demasiado mansos, devíamos ir para a rua fazer barulho”, “É preciso um novo 25 de Abril”, “Os políticos são todos mentirosos e ladrões” ou mesmo “Andamos nós a pagar os disparates dos outros”. Nada contra este tipo de afirmações, são naturais e precisas para que o povo reaja. E aliás, muitos de vocês poderão questionar o que é que isso tem a ver com o Sporting.

No reino da hipocrisia, a que chamam Portugal, reclama-se que alguém se insurja contra a injustiça, escrevem-se músicas sobre o mesmo, pede-se que um grupo de revolucionários altere o que está mal. Numa das secções económicas/culturais do nosso país está o futebol. Esse ainda é um negocio que põe milhões a entrar e a sair do país, gera receitas e impostos e, talvez por isso, poucos são os bancos que abdicam que um clube de futebol deixe as suas contas.

Acho curioso então que as mesmas pessoas que no café se revoltam contra o “estado das coisas” e contra o sistema corrupto, pouco claro e bipolarizado da nossa política, são os mesmos que gostam de criticar a Primavera Leonina, ridicularizando o discurso de guerrilha adoptado por Bruno de Carvalho. Se o Estado tem regras pouco claras e facilmente contornadas, o futebol consegue exagerar nesses conceitos. Se no país se pede reacção, no futebol terá de se pedir o mesmo. Se a corrupção é um dos problemas do país e tem de se travar, no futebol, negócio de milhões e de paixões, esta tem de ser anulada.

A nossa Revolução, a nossa Primavera, já foi pedida por muitos. Por todos os amantes do Desporto Rei que aceitam o erro humano mas recusam que ele explique tudo o que parece estranho. Aqueles que amam o desporto por aquilo que nos provoca, pela futebolada ao domingo à tarde, pelas minis e caracóis, pelo verde e branco, já disseram presente. Queremos mudar o futebol português.
A ideia não é beneficiar o Sporting é tornar algo sagrado (sim, para mim só existe uma religião e veste verde e branco) em verdadeiro. A ideia é que os 90 minutos sejam o único critério e não os jogos de bastidores, como ter homens nos corredores do poder, árbitros pagos, nomeações esquisitas e promessas a jogadores de clubes inferiores.

Esse é o tipo de práticas que muitos adeptos dos clubes rivais criticam, mas apenas quando a eles lhes afecta. Os mesmos que gritam “São todos uns mentirosos” são os que chamam exagerada a reacção do Sporting, são os que gritam “Populismo” ao mínimo sinal de incómodo. Para eles Bruno de Carvalho e a sua equipa só quer desviar as atenções de que o Sporting já não é primeiro. Não quererão eles ganhar num mundo ético e onde quem pisa (nem precisa ultrapassar) a Lei é punido? Não gostariam eles de saber que o homem que lhes assalta a casa é preso? Claro que gostariam, da mesma forma que deveriam juntar-se a uma luta, onde está em causa o futuro do futebol português. O Benfica e o FC Porto fazem parte do futebol português e ainda bem. Ainda bem porque queremos ter rivais, porque gostamos de jogar os clássicos e os derbys, porque os nossos jogadores correm o dobro e dão o dobro nesses encontros. Mas queremos uma luta nas quatro linhas, que só pode existir quando a diplomacia funciona (parece irónico mas é verdade).

No Reino da Hipocrisia, clubes não aprenderam com o nosso exemplo. Continua o esbanjar de dinheiro por jogadores de qualidade duvidosa, chamando fracos aos nossos rapazes da Academia, dizendo-nos que não podemos vencer com tanta juventude e tanto B.I português. É quando tudo corre mal que se aclama o nosso clube. Quando os resultados não aparecem lá se pede a subida de um Cancelo, Cavaleiro ou de um Tózé. Depois ganha-se mais uns jogos e os rapazes ficam esquecidos nos corredores do Seixal, tudo porque o nível “é demasiado elevado”.

Não penso que o Sporting faz tudo bem, nem acho que devemos pensar que o nosso clube é perfeito e tudo o resto está errado. Sei apenas que o rosto da mudança tem o verde de esperança marcado e o Leão Rampante no Peito. Sei que temos um Presidente que grita e esperneia porque odeia o sistema de “favorzinhos” e “nomeações” que é dito por muitos como o mais justo. Um homem que tem por trás milhões, que viram as costas à corrupção e que dizem “Basta!”.
Não queremos ganhar sempre, quantos de nós viram o Enorme Sporting ganhar muita coisa? Queremos perder com sentimento de justiça, sabendo que se não vencemos é porque o outro foi muito melhor e para o ano há mais! Não queremos perder quando não conhecemos critérios de nomeação de um árbitro, onde jogadores emprestados/ vendidos são impedidos de jogar ou onde um mau árbitro é protegido custando a um clube pontos sagrados. Não queremos perder num futebol onde não se valoriza a formação, mesmo sabendo que somos um país falido. Um futebol onde a segurança dos espectadores não está garantida e clubes não são punidos. Contas escondidas, jogadores vendidos mas que afinal não são (sim, Roberto ninguém vai esclarecer?). Um futebol onde um Presidente afirma “O mais importante é ter homens nos corredores do poder” mas que acusa outro de ser corrupto. Um futebol vendido e quase maçónico.

Orgulho é o que sinto, por saber que a última grande revolução do futebol português será chamada “Primavera Leonina”.

PORTUGAL TREINO DO SPORTING

 

Texto escrito por Maria Ribeiro

 

* duas cozinheiras, dois temperos. O toque de Leoa, dado pela Maria Ribeiro e pela mbc. Às terças, na Tasca do Cherba.