Por entre as várias entrevistas que assinalaram o primeiro ano de Bruno de Carvalho como presidente do Sporting, existiu uma, ao diário económico, que consegue fugir um pouco às perguntas que se foram repetindo (até pelo ângulo de abordagem que mais interessa ao jornal em questão). No título deste post, utilizo parte de uma resposta que, parece-me, remete para um tema essencial. E no qual vale muito a pena pensar.

(agora, fiquem com a entrevista)

 

Quais são as principais conquistas e as maiores frustrações deste período?
A primeira grande conquista prende-se a um facto: qualquer pessoa que viesse para o Sporting tinha de avançar para uma reestruturação. O seu estilo e forma é que podiam ser muito diferentes. Quando chegámos, havia uma reestruturação delineada que colocaria em causa aquilo que é a nossa identidade, ou seja, as modalidades. Colocaria em causa o próprio clube, com um aumento muito significativo da dívida, o que se tornaria quase impossível de resolver. Além disso, movia-se para a perda da maioria do capital da SAD pelo Sporting.

E havia mais preocupações?
Sim, um segundo cenário, para nosso espanto colocado pelos próprios dirigentes do Sporting, que era o PER. Uma grande conquista desta direcção: não colocar o Sporting com um problema grave, manter as suas modalidades, isto é, o seu ADN, bem como a maioria da SAD, pelo menos enquanto for cumprindo o plano financeiro. Fui muito claro na assembleia-geral com os sócios quando disse que há também uma responsabilidade grande do lado do Sporting e do lado de todos os sportinguistas. Havia dois caminhos que estavam a ser trilhados e foi um terceiro que acabou por resultar nas negociações. Isso foi a primeira grande conquista, sendo importante frisar isto: na altura disse que o clube vinha de longos anos com muito fracos resultados, a sua imagem e credibilidade estavam afectadas. No segundo ano de mandato teremos de juntar-nos outra vez com os parceiros bancos e tentar melhorar algumas coisas porque está provado o modelo. Melhorar o quê? As coisas não são estáticas, têm de ser dinâmicas. Havia um modelo que precisava de ser provado a vários níveis – gestão, organização e desportivo. Mas há sempre coisas a limar. Essa foi a primeira grande conquista desta direcção, aquela que todos os especialistas diziam ser impossível, nomeadamente a manutenção da maioria da SAD. Mais conquistas? O processo de reestruturação organizativo. Não terminou, porque é preciso começar a trazer mais competências para dentro do clube. O que fizemos foi uma reorganização. Muitas pessoas saíram. Passado um ano, sabemos avaliar a capacidade interna e sentimos necessidade de reforçar competências.

Em que áreas?
Quase todas. Temos de melhorar muito a comunicação, as áreas comercial e de património, os serviços para o exterior (museus, visitas, eventos, loja). No segundo ano, o grande desafio será trazer competências para melhorar estas áreas. Quando chegámos, a estrutura do Sporting estava saturada, conformada e desorganizada. Não havia princípios básicos de gestão. A mudança não se faz de um dia para o outro. Parece que um ano é muito tempo, mas, se considerarmos que são 35 modalidades, 700 pessoas, incluindo atletas, que temos de comunicar para um universo de três milhões de pessoas, que vínhamos de época desportiva muito má no futebol, que tínhamos perdido bastante receita por falhar as provas europeias, considero que era quase impossível fazer melhor. Fez-se o possível. As falhas estão identificadas e esta direcção tem um clube diferente.

Existe uma relação de confiança com os bancos?
Sim, agora os bancos confiam no Sporting, perceberam que estavam errados e queremos mudar alguns pormenores. Dizia-se que não era possível fazer uma gestão diferente – lembro-me bem que, mal entrei, um antigo responsável financeiro, Nobre Guedes, disse que o Sporting ia falir, pois a minha visão estava errada – e aí percebemos que entrámos com dez anos de atraso. A primeira coisa que deve ser feita é mexer na variável que se controla. Qualquer pessoa que tenha tirado Gestão percebe isto. Mas compreendo que um engenheiro não perceba. O que podemos controlar é o custo. A receita deve ser trabalhada, com expectativas e projecções. Era impossível trabalhar antes as receitas. Agora é possível porque as pessoas perceberam o modelo de gestão, agrada-lhes, começamos a ser no futebol um ‘case-study’ e isso é muito interessante.

E as frustrações?
A maior prende-se com o facto de os sportinguistas ainda não terem a noção da vontade desta direcção em manter o eclectismo como factor de excelência nacional a nível desportivo. Outra é o facto, ligado à minha vontade de perfeccionismo, de não termos mudado tudo aquilo que pretendia neste ano de mandato.

Quantos sócios entraram desde a sua chegada a presidente?
Temos cerca de 107 mil sócios. Desde que entrámos, entraram cerca de seis mil sócios novos, o que realmente é magnífico em termos percentuais. Mas depois, se formos a ver a nível financeiro, é muito pouco para aquilo que são as aspirações desta direcção em termos do seu eclectismo. A minha grande frustração é ainda não ter conseguido atrair para dentro do Sporting muitos mais sportinguistas. E quero relembrar uma coisa muito importante: esta direcção criou novos escalões de quotas – a quatro e seis euros – para realmente poder contrapor aquilo que é uma realidade de crise, não só nacional, mas também internacional. E estávamos à espera de, com estas novas modalidades, podermos ter uma entrada muito mais significativa de sócios.

Qual seria o número ideal?
Falar do número ideal passa logo a ser o chavão desta parte da entrevista. Porque quer dizer que o presidente do Sporting quer um número X. Diria que, numa perspectiva muito razoável, se 10% dos sportinguistas fossem sócios já poderia ser bastante agradável para o clube e para aquilo que são as suas aspirações a nível de eclectismo.

Apesar do lucro no primeiro semestre, os aumentos salariais obrigam a melhorar receitas para o equilíbrio…
A maior preocupação é o clube.

E a SAD?
Essa é grande confusão dos sportinguistas. Conseguimos manter a maioria da SAD. O presidente do Sporting lidera a SAD. Os sportinguistas continuam a ter a maioria da SAD. Isto é o Sporting Clube de Portugal, mas há duas realidades: o clube, com o eclectismo e as modalidades, tirando o futebol. E esse precisa da entrada de sócios, porque é a única forma de garantir que o eclectismo não será afectado. E muitas vezes as pessoas têm essa confusão: ‘Ah, não há problema, vende-se um jogador e aquilo dá dinheiro para…’ Não dá! São duas realidades distintas. Uma das coisas que fizemos foi passar as quotizações para o clube. Estamos a contribuir para aquilo que é o ADN do Sporting, maior clube do mundo devido as suas modalidades e aos títulos: temos quase 20 mil! A nível de SAD temos um plano estabelecido e negociado que cumprimos e que seria cumprido mesmo que fôssemos um clube muito rico. Não é por se ter dinheiro que o devemos gastar mal. Há muitos anos que não se conseguia dar relevância ao clube por causa do foco sempre na SAD, e fomos claríssimos nisso, fazendo uma reestruturação do grupo sem nos focarmos só na SAD.

A transferência das quotizações foi um dos focos mais delicados na negociação com os bancos?
Foi.

Quais foram os outros?
A necessidade de olhar para tudo e garantir a subsistência de duas entidades e não de apenas uma. O Sporting, com a reestruturação idealizada, ia ficar com uma dívida tremenda. Tremenda! Nem sei se não seria o clube com mais dívida do mundo. As negociações foram duras, mas o processo aliciante.

Houve ânimos exaltados com José Maria Ricciardi?
Não esteve nas negociações.

Mas houve ânimos exaltados?
Como em tudo na vida que não é fácil. Não havia uma relação de confiança mútua. Havia um trabalho desenvolvido pelos bancos e que acabou abandonado por esta direcção, pois considerámos que não fazia sentido. Matava o clube e a SAD só tinha o problema resolvido durante um mês.

Os dois últimos exercícios anuais do Sporting são negativos a rondar os 90 milhões de euros. Como vai a direcção evitar que a UEFA adopte medidas punitivas em relação ao ‘fair-play’ financeiro?
Os processos não são assim tão lineares. Esta direcção alertou várias vezes para esse facto e elaborou um dossier sobre o que são as nossas práticas e políticas, a evolução que foi feita e quais as expectativas de evolução. É isso que vamos fazer em termos de processo. E por aí estamos tranquilos naquilo que é a possibilidade de explicação do que foram os últimos dois exercícios e do que é este.

O dossier já foi enviado a Cunha Rodrigues que é o responsável pelo painel de controlo financeiro na UEFA?
Está tudo dentro da normalidade e nos prazos em que deve ser apresentado. O Sporting está tranquilo porque fez aquilo que deve ser feito e cá estaremos para a demonstração do que tem sido a gestão do clube, agindo de acordo com o ‘fair- play’ financeiro. A ideia é que os clubes tenham uma gestão condizente com os seus pergaminhos. Aquilo que fizemos foi uma inversão muito grande e reconhecida por todos.

O Sporting não vai precisar de transferir jogadores para equilibrar as contas?
Não, estamos equilibrados. O Sporting tem de fazer a sua actividade normal. Mas há duas coisas que alguns sportinguistas não perceberam: houve uma descida de receitas porque passámos 100% das quotas para o clube; a ausência das competições europeias, a nível financeiro, foi muito complicada. Não há dúvida alguma que a quebra das receitas se justifica com aqueles dois factores e um terceiro chamado crise, capaz de afastar patrocinadores e afectar todos os clubes. Isso não significa que cruzemos os braços e digamos que tudo é crise e nada temos para fazer. Temos de pensar melhor, inovar melhor, ser mais aguerridos comercialmente. Olhar para o mundo inteiro, sair da caixa que é Portugal e atrair mais patrocinadores.

A entrada de um investidor angolano como a Holdimo serve para outras empresas angolanas compensarem a queda das receitas no Sporting?
Pode ajudar. As contratações de Shikabala e Slimani também podem ajudam a desbravar mercados, mas o que ajuda mais é arregaçar as mangas e trabalhar.

O Sporting tem um empréstimo obrigacionista a vencer em Julho: vai fazer outro?
Como todos têm feito e já estava previsto na reestruturação será em Novembro, um empréstimo obrigacionista de dez milhões de euros.

A renegociação com BCP e BES permitiu descer o custo médio da dívida. Quanto desceu?
Temos feito uma redução muito substancial do serviço da dívida a nível de amortização de capital e de juros.

As acções do Sporting valorizaram 400% em 2013, a melhor performance da bolsa. Porquê?
Primeiro porque o mercado sabe que vão entrar investidores com acções a um euro; em segundo porque as pessoas já perceberam o rumo da gestão.

De onde vão chegar os investidores?
Conseguimos o equilíbrio operacional muito antes do previsto e tudo será feito dentro do plano, tendo em conta necessidades de financiamento adicionais transmitidas e aprovadas pelos associados. Por exemplo, uma linha adicional de 30 milhões de euros que tem estado a ser usada na nossa actividade. Isto vem demonstrar que a grande preocupação que agora se quer transmitir pelos investidores não deve ocupar muito a mente dos sportinguistas, pois sabíamos que a entrada só iria acontecer no momento da fusão. Temos uma linha de 18 milhões cedida nas negociações com a banca, está a ser utilizada e será paga após a fusão com o aumento de capital. Para a reestruturação estar terminada falta fazer a fusão, os aumentos de capital e a passagem de parte da dívida. Os estatutos dos benefícios fiscais e o código do IMT para qualquer processo de reestruturação de empresas, nomeadamente no que a fusões diz respeito, têm previstas isenções e aguardamos o seu deferimento. Quando houver isenções, creio que 30 dias depois poderão ser feitas estas operações todas e terminar de vez com esta reestruturação.

Como tem sido a relação com o técnico Leonardo Jardim? A cláusula de rescisão é de 15 milhões de euros? Já está a negociar uma renovação?
Tem sido um enorme prazer trabalhar com ele. Quanto à cláusula, é uma realidade. Renovação? Ainda nem acabou o primeiro ano, são dois.

Isso não impede que haja renovação antecipada…
Não, mas estamos os dois muito tranquilos no que a esse respeito concerne. Se essa for a vontade de ambos com certeza absoluta que irá acontecer. Neste momento estamos focados numa fase importante do campeonato. Havemos de ter tempo para conversar.

Nenhum jogador está já negociado com outro clube?
Nenhum.

Nem William ou Rui Patrício?
Não há sequer conversações.

Como está o caso Elias?
Perfeitamente normal naquilo que é um clube. Já todos percebemos que não conta para o Sporting nas necessidades técnicas da equipa. Não se resolverá na comunicação social. Quando houver um clube interessado e com capacidade para comprar, resolve-se.

Vai haver prémio pela chegada à Champions?
Vai, mas não aquele que foi mencionado nos jornais [20 mil euros/jogador].

Não é mau para o negócio e para o que tem sido a actividade da direcção, a exposição pública do Sporting, centrada na figura do presidente, em relação à arbitragem?
Depende. Se falarmos sobre o que o Sporting tem feito, o resto da pergunta não faz sentido; se falar do que a comunicação social tem dito do que o Sporting tem feito, faz sentido… Explico. O Sporting apresentou propostas de temas tão dispares quanto acidentes de trabalho, formação desportiva, treinadores, agentes, fundos, policiamento, violência, contratos colectivos de trabalho, arbitragem, órgãos de justiça e disciplina. Isto assustou muita gente, pois promove-se a melhoria, a reestruturação e modernização do futebol. A arbitragem é um dos aspectos, o que significa que o Sporting é o clube que quer o melhor e está a lutar pela melhoria no sector. Só que as pessoas estavam habituadas a um Sporting conformado e, de repente, há um Sporting a tomar iniciativa.

Mas o sector, pelos vistos, não entendeu assim…
Somos a favor dos árbitros. Vimos uma série de cabeças a acenar e depois surgiu uma entrevista do presidente do Conselho de Arbitragem a dizer que as propostas não tinham interesse. Estranho, pois não é pelos jornais que as pessoas devem ter a capacidade e a coragem para dar respostas. Aí o Sporting começou aperceber que afinal pode haver quem esteja no meio do processo e não de boa fé. Não foi o Sporting que começou mal, foi o presidente do Conselho de Arbitragem. Até à minha conferência de imprensa com um estudo inédito, só falara de casos em que me foi reconhecida razão, mas falta honestidade intelectual a quem tem avaliado as minhas intervenções.

Os árbitros não devem sentir-se mal avaliados no Sporting?
Não, desde logo porque não houve interesse de quem manda que os árbitros conhecessem as nossas propostas. Porém, lêem os jornais onde estão coisas que eu não disse. E não fui castigado porque nada disse que o justificasse. Entre as medidas, propusemos recurso a imagens e, por muito que a FIFA proíba, isso não significa que os árbitros não possam exigir o melhor para a sua função – foi isso que fiz com a banca. Esta medida ia resolver 90 a 95% do erro grosseiro. Segunda medida: sorteio. Ainda há pouco tempo, Paulo Baptista reclamou que as nomeações não fazem sentido e há árbitros a ser protegidos… Terceiro: as notas. Entra na cabeça de alguém que os clubes não possam ter acesso às notas aos árbitros? É como se a FIFA me impedisse de ver os jogos como presidente do Sporting e eu só tomava decisões pelo resultado. É de loucos! O futebol não mudou com a minha entrada, já era a treta que é. Quando cheguei já tinha havido o Apito Dourado, a maior vergonha de sempre da história de Portugal, algo que toda a gente sabe que é verdade, muita gente que ainda está no futebol está envolvida, algo que só saiu da esfera da justiça por uma questão técnica. E, de repente, a justiça desportiva, que não tem esta questão técnica, quando os clubes envolvidos deviam estar irradiados, os dirigentes e os árbitros envolvidos presos, finge que nada se passou? No futebol diz-se ser impossível levar as questões para os tribunais normais, mas o engraçado é que, quando valeu a pena, o contrário pôde ser feito. Um tribunal normal decidiu que as escutas não eram válidas; a justiça desportiva foi do mais brando possível, punindo o clube em causa com a perda de seis pontos, algo que lhe permitiu ser campeão na mesma. Isto só em Portugal! Como a justiça que ninguém pode utilizar decidiu que as escutas não eram admissíveis, o senhor Pinto da Costa e mais dois ou três envolvidos no processo recorreram para a justiça desportiva para reapreciação e esta aceitou! E não há um jornalista que pegue nisto a sério? Ninguém quer perceber isto?