Acabo de ver o programa Negócios da Semana com o José Gomes Ferreira onde o convidado foi Rui Rio, ex-presidente da Câmara Municipal do Porto. Entre várias interessantes ideias explicadas pelo autarca, fixei uma. Que tem a ver com a capacidade de um decisor em enfrentar lobbys estabelecidos e levar avante as ideias em que acredita em prol do bem público e em detrimento do corporativismo, sectarismo e demais interesses privados.

Faço aqui um breve aparte para dizer que este texto não tem a pretensão de resolver os problemas políticos do país, apenas se limita a estabelecer um paralelismo com o caso que eu e vocês todos conhecemos que é, obviamente, o Sporting Clube de Portugal. E peço desculpas, desde já, por saltar de uma realidade para outra ao longo do texto.

Como sabemos, o nosso actual presidente, um desconhecido na altura, tomou uma decisão pessoal e livre de se candidatar à presidência de um clube que caminhava para a completa degradação não só económica e financeira mas, sobretudo, de valores. Deixando de parte a questão democrática, onde todos nós assistimos à progressiva chacina do nosso poder (também por nossa culpa, é preciso dizer), uma das grandes questões tem a ver com a forma como era  disponibilizado o dinheiro para investir e o controlo que era feito a esse mesmo investimento. No Negócios da Semana, os dois interlocutores abordaram essa situação desta vez aplicada às empresas e famílias que se endividaram fortemente em prol de investimentos cuja capacidade financeira interna era reduzida ou mesmo nula. Ou os projectos eram mesmo fantásticos e com rentabilidade garantida ou então haviam contrapartidas garantidas para quem emprestava o dinheiro o que contribuiu para que esta relação credor-devedor estivesse corrompida à nascença.

Foi precisamente esta realidade que o Bruno de Carvalho decidiu enfrentar. Não fazia sentido absolutamente nenhum que a banca tivesse aberto os cordões à bolsa da maneira que abriu com o Engodo numa altura de crise económica do país e com uma SAD que já dava claros sinais de incapacidade de, não só criar valor desportivo e financeiro, como inclusive de pagar a sua dívida. Infelizmente os sócios só viam um lado da questão. “Se queremos ganhar títulos temos de investir mais dinheiro.” Mesmo quando isso podia representar a machadada final na sustentabilidade do clube. Este erro é inteiramente nosso e foi por isso que o Engodo ganhou as eleições. Fraude eleitoral aparte, falhou a nossa compreensão da realidade do clube.

Chegámos mais ou menos à mesma situação do país com a agravante de que não tínhamos troika nenhuma para entrar em Alvalade. O que fazer? Fazer mais com menos, que para mim é o grande princípio que rege esta direcção. Mas para levar a cabo esta estratégia óbvia e inevitável era preciso alguém com coragem, com personalidade, que não se vergasse como o nosso actual presidente. Basicamente, era preciso representatividade nas reuniões com os credores e investidores algo que o Engodo nunca teve porque se movia por interesses próprios. E quando falo em representatividade não me refiro a ter muitos votos. Bruno de Carvalho teve pouco mais de 50%, o que significa que havia outros 50% que não escolheram quem ganhou. Falo de uma representatividade que se baseia na opção assumida de defender o interesse do Sporting até ao limite de, por exemplo, fazer uma conferência de imprensa ameaçando “rebentar a bomba” cujos estilhaços atingiriam muita gente poderosa. É este tipo de coragem que falta no país e no governo que o dirige, é só transportarmos este exemplo para os lobbys que existem, por exemplo, no sector energético. Falta alguém que seja independente, corajoso e patriota o suficiente para acabar com esse conflito de interesses que inviabilizam qualquer posição radical como aquela que o nosso presidente tomou.

Sinceramente, acho que este primeiro ano de Bruno de Carvalho é um case study em matéria de gestão em prol da defesa do bem público (neste caso, do bem sportinguista). São estes exemplos que Portugal precisa para despertar o povo da letargia em que vive de que tudo é inevitável e que é impossível enfrentar quem é mais forte do que nós. Tal como o Sporting foi capaz de esperar, também o país está à espera do seu Bruno de Carvalho. Que terá, obrigatoriamente, de emergir das bases ao invés do poder partidário que é cada vez menos representativo do povo português. Ou melhor, essa pessoa até pode ter uma preferência partidária desde que a mesma não influencie as decisões que deve tomar em defesa do povo português.

Tal como o nosso presidente reestruturou o Sporting, também é possível reestruturar o país. Passa por despedimentos? Passa. Envolve sacrifícios? Envolve. Deve ter em conta a sustentabilidade? Deve. Mas deve-se centrar, essencialmente, no interesse do povo português. Foi a partir dessa premissa que Bruno de Carvalho elaborou a sua candidatura. E quando o povo percebe essa premissa, envolve-se, movimenta-se e sobretudo compreende. Claro que no Sporting não há impostos, não há pensões, nem há reformas. Mas há um princípio básico de que a defesa dos sportinguistas é o objectivo de todas as decisões. Mesmo que isso implique enfrentar quem nos empresta dinheiro ou quem tem mais poder político.