Uma entrevista em 2011

Começou a época como diretor-desportivo, passou a treinador e, dois meses depois, lidera a Orangina. Grandes mudanças, não?
Sim, foram. Se há três meses me perguntassem se pensava vir a ser treinador ainda esta época responderia que não. Quando a administração da SAD decidiu trocar de treinador consultou-me e, então como diretor-desportivo, indiquei dois nomes que me pareciam indicados para este projeto. Depois convidaram-me para o cargo e decidi aceitar este desafio, consciente de que era arriscado mas também acreditando que podia ajudar o clube nesse momento difícil.

Mas durante a carreira de jogador já pensava ser treinador?
Foi para isso que me preparei desde os 25 anos, altura na qual fiz o 2.º nível do curso, foi algo que sempre me interessou. Depois fiz outro tipo de formações, na área do dirigismo, mas não pensava vir a ser diretor-desportivo. Afinal, fui dirigente mas dois meses depois sou treinador.

A estreia não foi feliz: derrota em Penafiel (3-1) e três jogadores expulsos, mas depois nunca mais perdeu.
Não foi fácil pegar na equipa numa 4.ª feira e jogar domingo de manhã. Fomos todos traídos pela ansiedade, quisemos mostrar logo que podíamos mudar, tirar a equipa daquela situação e perdemos. Mas um plantel com esta qualidade e a trabalhar da forma como o fazem, com esta alma e com esta humildade, acabou por dar a volta à situação.

E agora, como está o plantel a encarar a liderança?
É uma responsabilidade diferente, mas boa. Na semana anterior disse aos jogadores que é preferível ter de assumir a responsabilidade de poder saltar para o 1.º lugar do que a de estar a jogar para fugir aos últimos. Da mesma forma como se falou muito do Atlético enquanto esteve na frente, agora vão falar mais de nós, isso é óbvio. Mas eles sabem bem como estas coisas são. Conseguiram chegar à boa posição na qual estamos e temos todos de saber conviver com ela.

Encaixou 3 golos na sua estreia mas depois o Estoril nunca mais sofreu golos. Como antigo defesa ensinou a equipa a defender?
Eles já sabiam defender. O processo defensivo é mais fácil de assimilar do que o ofensivo. Não sofremos golos nos últimos 6 jogos por mérito de toda a equipa. Da forma como consegue abordar o jogo, não só em termos defensivos mas no seu todo. Mais cedo ou mais tarde vamos sofrer golos, obviamente, mas se em cada jogo sofrermos 1 e marcarmos 2 sairemos do campo contentes.

Tem algum modelo de treinador?
Não tenho um modelo mas durante uma carreira de 16 anos como jogador profissional conheci muitos treinadores. Quem já pensa em tornar-se treinador vai retirando os bons aspetos de cada experiência e eu fui aprendendo, até porque em Portugal temos uma boa escola de treinadores. Tive boa relação com todos mas agradeço particularmente aos últimos pois esses, por saberem o que eu iria fazer quando terminasse, foram-me incentivando. Tenho a minha forma de pensar o futebol e a melhor alegria destes últimos meses é a de perceber que a mensagem que passo aos jogadores tem sido compreendida e bem recebida.

Reparo que os jogadores não o tratam por mister.
Quando passei a diretor deportivo deixei-os à vontade e eles continuaram a tratar-me por Marco ou por capitão. Nunca vou obrigar nenhum jogador a tratar-me por mister. Nem seria por isso que revelariam mais respeito por mim, o respeito revelam-no diariamente na relação comigo, com a restante equipa técnica e pela forma como trabalham e se dedicam ao clube.

 

Uma entrevista em 2012

Em directo, na Antena 1.

 

Uma entrevista em 2013

O Marco Silva treinador já superou o Marco Silva jogador?
Claramente. Estamos a falar de durações diferentes, mas a minha carreira de jogador foi mediana. Joguei na Liga, mas a maior parte do tempo foi passado na II Liga. Sou treinador apenas há dezanove meses. Acho que um treinador não deve ser avaliado apenas pelos resultados, mas estou muito orgulhoso com o que tenho conseguido. Conseguimos coisas fantásticas. Se percebemos o estado em que o Estoril estava há dois anos, e como está agora, com um apuramento europeu histórico e a vender jogadores como está a vender, para clubes grandes do futebol português, são realidades completamente diferentes. E só passaram dezanove meses.

Ainda enquanto jogador já sentia que estava mais vocacionado para ser treinador?
Não sentia que estava mais vocacionado para treinador, mas era algo que me fascinava desde os 26 ou 27 anos. Comecei a tentar perceber o porquê das coisas, e não fazer por fazer. Nessa altura já tinha o II nível do curso. Com o passar dos anos fui alimentando mais esta paixão pelo treino e pelo jogo. Percebi que era algo que queria fazer no futuro e apareceu uma oportunidade que agarrámos.

Sente-se preparado para treinar um «grande»?
A minha carreira tem sido construída, nada foi dado de mão beijada. Deram-me uma oportunidade num momento difícil do clube, quando estava perto da linha de água. Estou eternamente grato pela oportunidade, e sinto que a agarrei, fazendo história neste clube. Sinto-me preparado e com ambição para treinar a outro nível, mas tudo será feito de uma forma sustentada, de uma forma tranquila, como gosto de estar no futebol. Quando os responsáveis de outros clubes acharem que o Marco deve estar a esse nível, cá estarei para conversar. Não faço planos. Não tem que ser amanhã, ou daqui a um ano, ou dois. É quando as pessoas entenderem que é o momento certo.

Mas se esse convite surgir amanhã está preparado?
Por que não? Sinto-me preparado, e sinto que a cada dia que passa estarei mais preparado. Sou muito exigente comigo, tenho ambição. Daqui a cinco ou seis anos terei de ser melhor, pois sou muito exigente.

Ao longo da época escusou-se sempre a comentar arbitragens. Foi uma filosofia do clube que passou para si, foi algo que passou para si para a equipa, ou foi uma estratégia conjunta?
Acredito que os jogadores têm muito a seguir as ideias do líder, neste caso do treinador. É uma questão pessoal minha. Não digo que nunca vou falar, mas tenho esse princípio. Não faz sentido comentar o trabalho do árbitro todos os jogos. Se eu erro, e os jogadores também, os árbitros também têm esse direito. Não acredito que o façam de propósito. Não é fácil perceber erros que influenciam um resultado, mas devemos ter o bom senso e a calma para não comentarmos logo, para não passarmos a semana a falar disso. E percebo que os jogadores sigam isso. É muito mais lógico trabalhar em cima do que fizemos, do que a primeira desculpa ser o trabalho do árbitro. Isto passa para os jogadores. Não obriguei ninguém a seguir isto, mas se calhar seguiram esse exemplo.

Mas num «grande» haverá uma pressão maior para falar dos árbitros? Será mais difícil manter esse princípio lá?
É possível. Não passei por essa experiência. Se chegar lá, cá estaremos para ver. O meu comportamento não irá fugir muito disto, mas tenho de perceber, a nível estrutural, aquilo que o clube pretende, qual a forma de estar do clube. Eu, por princípio, não desculpo o meu trabalho e da minha equipa com o árbitro.

Vê muitos jogos na TV, ou procura desligar-se do futebol em casa?
Tento ver e estar atualizado. Passo muitas horas no clube, em casa tento desligar, mas não é fácil. O futebol é a nossa vida, uma paixão, mas tento passar algum tempo com a família. Chego ao clube muito cedo e saio tarde. Tento ver no clube os vídeos dos adversários ou dos nossos jogos. Posso chegar às 9h e sair às 18h. Fico a ver vídeos, a estudar adversários, e também em conversas com a equipa técnica.

O 4x3x3 está na moda?
Na moda não sei, mas é a mais utilizada. Em Portugal e na Europa. O mais importante são as dinâmicas. Isso é que define os comportamentos coletivos. Não sei se dá mais garantias, embora permita, em muitos momentos, ter a equipa equilibrada tanto no processo ofensivo como defensivo. Mas importante são as dinâmicas.

O «10» está em vias de extinção?
Aquele que jogava só com a bola no pé já não faz muito sentido. Vimos agora na final da Champions como os alas trabalham defensivamente. Mesmo o tal «10». O futebol é cada vez mais dinâmica coletiva. Depois os jogadores mais evoluídos tecnicamente podem desequilibrar. Esse «10» pode definir os ritmos. Aquele «10» à moda antiga começa a não fazer grande sentido, mas todas as equipas precisam de alguém com criatividade e leitura rápida nessa zona. É um momento de decisão, de último passe, e é importante ter um jogador assim.

Faz mais sentido adaptar os jogadores a um sistema ou o contrário?
Acima de tudo temos que perceber as características dos jogadores. Nunca devemos ter o sistema na cabeça e obrigar os jogadores a encaixar lá. Se pudermos formar dentro das nossas ideias, melhor. Por isso é mais fácil começar um plantel de raiz. Mas importante é perceber as características da equipa, e daí definir o sistema.

Qual a sua filosofia de jogo?
Gosto de jogar o jogo pelo jogo, sem linhas muito recuadas. No início desta época diziam que a nossa equipa era de transição, com linhas baixas. Nunca foi isso que trabalhámos, a identidade pretendida. A 2ª volta deu-nos alguma razão. No último terço da Liga tivemos quase sempre mais posse de bola do que adversário. Em Moreira de Cónegos conseguimos 70/30%. Em Setúbal 68%. Mesmo na Luz acabámos o jogo com mais posse. Começámos a desmistificar a imagem de equipa de transição. O nosso tridente de meio-campo foi muito importante nesse crescimento, pois passámos a controlar mais o jogo. Gosto de uma equipa que assuma o jogo, pressione alto, mas há adversários que não permitem isso. É preciso ter em conta também a realidade do clube, mas gosto de jogar ao ataque, sempre mantendo o equilíbrio.

Que perfil de liderança defende?
Tento ser o mais natural possível. Têm de existir regras em grupo, mas são normais numa equipa. Tento uma relação de proximidade muito grande com os jogadores. Alguma cumplicidade, dentro da barreira normal que deve existir. Devemos estar próximos, para alguns problemas que tenham. O respeito, a ambição, têm de ser conjuntas. O jogador é cada vez mais inteligente, gosta de perceber que aquilo que o líder pede faz sentido. E tem de haver sempre respeito, claro.

Jurgen Klopp disse que era amigo dos jogadores mas que eles não eram seus amigos, que isso não funcionava. Concorda?
Faz algum sentido. O treinador tem de ser amigo e confidente, muitas vezes. Os jogadores podem ter até alguma admiração pelo treinador, mas vai haver sempre insatisfeitos. Vai ser assim no Benfica, no Porto, no Milan, onde for. Em 25 ou 27 jogadores é dificil ter toda a gente satisfeita.