marco43Ainda estou a pensar no que vou escrever e já me estou a rir sozinho. Passo a explicar: é que simplesmente ADORO quando um jogador ou treinador do clube me mande para o trabalho após uma ou outra análise precipitada da minha parte. Acho que já perceberam de quem eu estou a falar. Chama-se Marco Silva, tem 37 anos e é o treinador principal do nosso Sporting.

A análise prévia que fiz dele e da sua capacidade nem sequer foi negativa, bem pelo contrário. Fui um grande entusiasta da sua contratação e o próprio fez questão de me conquistar no seu discurso de apresentação. Porém (e este será o primeiro e último “mas” deste texto) fui um dos que desesperou quando vi alguns erros que ele cometeu no início do seu trajecto em Alvalade. Sabendo o que sei hoje, já nem sei se foram mesmo erros ou meras contingências para chegarmos ao ponto em que estamos hoje. E para despachar já esta parte, a minha grande crítica tinha a ver com a manutenção no onze titular de jogadores que estavam em má forma, como por exemplo, William, Adrien e até Slimani. Engraçado que hoje, a par do Nani e do Patrício, são capazes de ser os que em melhor forma se encontram, comprovando de forma inequívoca que eu percebo tanto disto como de lagares de azeite.

Interessa agora é falar da nossa forma de jogar. Perdão, Marco, da TUA forma de jogar. Sim, porque passaram tantos e tantos treinadores por Alvalade, cada um com o seu “estilo” que tornou-se muito difícil identificar qualquer princípio de jogo que o identificasse. Aquilo era ter bola quando dava, pressionar porque tinha de ser e, quando a coisa não dava, mandar charutada para alguém resolver. Alguém esse que, durante muito tempo, foi Liedson. Até hoje. Repito, até hoje. Mesmo o futebol de Leonardo Jardim, bom treinador e com sucesso recente no clube, nunca revelou grandes traços de uma identidade própria. Percebia-se a garra, a determinação, a vontade de vencer. Não se percebia os princípios de jogo, os movimentos dos jogadores limitando o nosso futebol a um jogo de cruzamentos para a área que o Slimani foi capitalizando. Desculpa lá, Leonardo! Mas é mesmo assim. Para ser justo, tenho de dizer que ele não tinha o Nani. Mas tinha Carrillo. E tinha o melhor Montero. E algum dia vimos o Carrillo a fazer aquela jogada que fez, por exemplo, em Alvalade contra o Chelsea onde arranca pelo meio deixando para trás tudo e todos à excepção do pé maroto do Ivanovic? Alguma vez vimos o peruano a aparecer nas sobras para finalizar? Alguma vez vimos este fantástico peruano a jogar em equipa? Não. E isto é trabalho de treinador. Enquanto o Jardim permitiu, completamente de borla, que o Carrillo ouvisse uma monumental assobiadela no último jogo em Alvalade, sem história para a classificação….Marco Silva fez precisamente o inverso. Deu-lhe confiança, deu-lhe responsabilidade e meteu o peruano a pensar dentro de campo. O resultado está à vista. A par do Nani, é o jogador que participa em mais golos da equipa seja a marcar ou a assistir.

Voltando ao futebol do Marco, hoje, consigo perceber a forma como jogamos. Porque é simples de entender, até para um leigo como eu. Pressão alta sem bola para condicionar a saída de bola do adversário (e ganhá-la perto da baliza adversária), com bola circular em posse até chegar a um dos criativos. Simples, não é? Depois, há pormenores que saltam à vista. Adrien é fundamental porque é o jogador que protege o trio ofensivo e aquele que mais ataques adversários rebenta. E William, que não tendo a rotação do Adrien, tem o posicionamento e a inteligência. Futebol é isto! Os trabalhadores protegem os criativos e os criativos protegem os trabalhadores. Os primeiros a criar e a resolver, os segundos a destruir e a complicar (o jogo adversário).

Depois há pormenores em termos individuais que é impossível não referir. Cédric era um lateral muito ofensivo, hoje, sem deixar de o ser, está muito mais equilibrado. O facto do Marco ter sido lateral direito não é coincidência neste crescimento do rapaz. Carrillo está muito mais prático e decisivo do que displicente e apagado (no Ladrão tocou uma vez na bola e fez um golo e na Alemanha sofreu o penalty depois de uma arrancada vertical e objectiva). Porra! Não consigo parar de elogiar La Culebra! Slimani está muito mais “técnico” e muito menos “panzer”. Montero voltou aos golos e às boas exibições. Nota-se que todos os jogadores, sem excepção, têm a intenção e o compromisso de tentar jogar bem. Obviamente que não posso dissociar este facto da vinda de um fora-de-série como o Nani. Mas há muito do treinador, até na forma de jogar do próprio Nani. Tudo isto faz sentido, tem lógica e acaba por potenciar as melhores características dos nossos jogadores, em especial, do nosso meio-campo, o suporte de todo o jogo da equipa.

A principal questão, a “piéce de résistence”, o carimbo de qualidade do Marco tem a ver com uma coisa muito simples: IDENTIDADE DE JOGO. Já tentei abordá-la lá em cima. O que realmente interessa é identificar se ela muda consoante o adversário, consoante as lesões, consoante o vento ou a chuva. Nada. Zero. Não muda absolutamente nada, chame-se o oponente Gil Vicente, Penafiel, Chelsea ou Porto. É precisamente isto que distingue um bom treinador de um grande treinador. Um bom treinador tem o conservadorismo suficiente para mudar a sua filosofia quando o adversário é mais forte. E isso em nada o diminui, até revela inteligência. Mas um grande treinador é aquele que tem a dose de loucura suficiente para jogar contra o Chelsea como se de um Paços se tratasse e jogar na ténue fronteira entre ser goleado e ser feliz. Sabem porquê? Porque acredita. Se calhar até mais do que os jogadores e os adeptos. Ele confia totalmente na sua equipa a ponto de acreditar que ela consegue dominar um Chelsea e, imagine-se, sair do jogo com a vitória! Agora metam-se na pele dos jogadores e imaginem o que cada um deles deve sentir quando o seu treinador acredita piamente que eles são melhores que o adversário. Perdão, do que QUALQUER adversário. Sentem-se os maiores. E depois jogam como o fizeram no Sábado em pleno Ladrão e espelham classe como fizeram na Alemanha. Sabem quem foi o último a fazer isto? Pois é, José Mourinho. Que não tenho dúvida nenhuma que será o ídolo do Marco Silva. As semelhanças, quer ao nível do discurso como na forma de jogar e até na questão psicológica, são demasiado evidentes para ignorarmos. Mourinho, mesmo no União de Leiria, quis sempre jogar à grande. E isso permitiu-lhe atingir uma classificação histórica enviando o Carnide para fora da Europa. Aliás, se formos a casa do Marco, tenho a certeza que na estante da sala figuram todos os livros referentes ao Special One.

Claro que ainda é cedo para aferirmos se Marco Silva é um bom treinador ou um grande treinador. O tempo encarregar-se-á de responder a esta questão. Tempo esse que, espero eu, se encarregará de fazer cair os arrogantes sem carácter como o Óroliga e fazer erguer os humildes e ambiciosos como Marco Silva. Se houver justiça no Mundo, claro. E há esperança para os injustiçados. Basta ver a cagufa com que o Carnide entra em todos os jogos da Champions e a ambição que o Sporting revela a jogar 10 contra 15 em plena Alemanha. A verdade, única e indesmentível, é que não me lembro de ver um Sporting tão entusiasmante, tão dominador e tão ambicioso. Obrigado, Marco!

 

* todas as sextas, directamente de Angola, Sá abandona o seu lugar cativo à mesa da Tasca e toma conta da cozinha!