O Bruno largou as miúdas no colégio e foi muito devagar pela 2ª circular a levar com as buzinas e a estender o dedo do meio para os mais indignados. Lá chegou à oficina onde o mecânico já o esperava a fumar os restos de uma beata encostado a uma parede de pneus.
“Boa dia amigo. Sou o Bruno falei consigo ao telefone, lembra-se…a direcção”
O mecânico pacientemente mandou a beata para o chão e sacou do “desperdício” do bolso de trás e esfregou as mãos ao dizer: “Sim…tá certo…ora o que temos então?”
Bruno fechou a porta e foi direito ao assunto “Tá a andar estranho, sempre que quero ir em frente, começa a fazer muito ruído e a descair para um lado…”
A resposta não se fez esperar: “Vou dar uma espreitadela…aqui por baixo” Enquanto ainda falava já se deitava por debaixo da viatura, a voz passou a ser mais abafada, mas o Bruno baixou-se e conseguir distinguir: “Isto é o quê? Um Sporting?”, ao que respondeu com orgulho: “Sim…de 1906”
O mecânico fez uma pausa e deixou escapar: “Puta q…?!”
O ar embevecido desapareceu num ápice para desesperadamente perguntar: “Mas…o que se passa? É grave?”
A pausa foi ainda mais estendida e no momento em que Bruno se preparava para repetir a pergunta, surgiu: “Grave, grave…sim…tem aqui um berbicacho filha da mãe para resolver”
Bruno parecia cada vez mais inquieto e disparou: “É da Doyen?”
A cara do mecânico surgiu de repente debaixo do carro com um sorriso que exibia muita falta de higiene oral e aqui e ali algumas correntes de ar, ao mesmo tempo que ria conseguiu dizer: “Doyen…essa você já não se precisa de preocupar, ou foi arrancada ou bateu numa coisa qualquer e saltou…não, é outra coisa?”
O Bruno começava a perder a paciência e com alguma ira a ganhar balanço disse: “Ó homem diga lá o que é caralho!”
As crateras foram tapadas de imediato enquanto respondeu: “Tem aqui um Duque!”
Bruno parecia um eco: “Um Duque?! Mas que raio…”
“Eu vou-lhe explicar” disse o mecânico enquanto sorvia o ar pelo canto da boca com um ar professoral “Um Duque é uma anomalia no eixo que controla a direcção do seu Sporting”
Bruno tentou colocar o seu melhor ar de quem entendeu e observou com rapidez: “E consegue arranjar?”
O homem saiu arrastou-se completamente para fora do carro, levantou-se e pegando novamente no desperdício disse olhando para a traseira “Isso agora…sabe é complicado…um Duque é tramado de arranjar…sabe a ultima vez que tratei de um…quase que acabava com o carro e foi um dinheirão para despachar a coisa.”
Bruno só foi capaz de dizer “Não me diga isso, não pode mandar umas cacetadas e meter a coisa no sítio?”
O mecânico sorriu e olhando para o lado falou para uma 3ª pessoa imaginária: ”Cacetadas diz ele…ó amigo isto não vai lá assim…é preciso arte para arranjar um Duque, pode acabar por lhe sair muito caro fazer a coisa de qualquer maneira” e continuou “não…isto tem de ser feito à séria”.
Bruno pensou no que tudo aquilo queria dizer e tentou empenhar-se na tentativa de convencer o seu interlocutor “Veja lá é que preciso mesmo dele…sabe não tenho dinheiro para outro e…ando a levar muita gente aqui dentro”.
“Imagino, imagino…” afirmou o mecânico com a voz mais grave que conseguiu fazer. E completou “Bom, vamos fazer aqui uma coisa que pode salvar a situação…sabe se isto não for feito o Duque vai acabar por nunca o deixar guiar o Sporting a direito”
Bruno expirou de alívio e ainda foi competente para acrescentar: “faça o que tenha de fazer, mas tire-me esse Duque da minha vista!”
A alegria desdentada do mecânico foi simultânea com as palavra de Bruno e olhando para o chão como quem procura algo, rematou: “Não se preocupe…a melhor maneira que existe é estranha mas garanto-lhe que funciona…e eu não preciso de fazer nada, quem vai resolver isto é você.”
Bruno olhou bem para o homem, observou bem as nódoas no fato de macaco e enquanto esperava um contacto olhos nos olhos, precipitou-se para a frente e disse baixinho “oiça…este Sporting tem muito ainda para andar e não vai ser nenhum Duque de merda que mo vai emperrar no caminho…você tem a certeza…?”
Instintivamente o dono da oficina recuou e tentando parecer o mais convincente possível disse, abrindo os braços: “eu já entendi…e continuo a dizer-lhe que isto é coisa manhosa, não há peças para substituir, não há óleos para pôr que isso é o que o tinhoso quer, só adianta pegar no seu Sporting, meter-se na auto-estada e andar no caminho que achar melhor a toda a velocidade…”
O dono do carro acrescentou logo de seguida “durante quanto tempo ou até onde?”
E a resposta foi seca e firme “Até deixar de ouvir o ruído”.
Desta vez não deu tempo para Bruno sequer pensar e adiantou-se com mais uma esfrega no desperdício enquanto exclamou “Vai deixar de ouvir barulho e depois um som do género de uma…desculpe lá mas é mesmo assim…de um grande peido…eh eh…assim que ouvir isso é sinal que o que fazia o Duque agarrar-se ao Sporting já não está lá e vai ver que a sua Direcção já não terá esse problema”
Bruno achava aquilo bastante caricato, mas desde que pegou pela primeira no volante do seu Sporting já tinha visto coisas bem mais estranhas…nada do que este mecânico pudesse sugerir estaria ao nível do absurdo e resolveu ficar em paz com a sugestão. Disse-lhe apenas “Bom…vou tentar, vou fazer o que me diz…pegar no Sporting….acelerar…escolher um bom destino e aguentar até que o ruído desapareça…”
O homem à sua frente sorria de novo e miraculosamente já com uma nova beata entre os dentes, antes de a acender ainda deixou escapar “Vai ver que é o melhor a fazer…tome bem conta da máquina…já não se fazem coisas destas…Sportings quero dizer”
Bruno voltou a abrir a porta e sacou da carteira, mas o mecânico gesticulou em sentido contrário dando a entender a Bruno que a negociação tinha terminado “Oiça não me ofenda….quem vai fazer o trabalho é o senhor, eu fico contente se souber que há menos um Duque aí a atazanar o juízo de uma direcção”
Bruno acenou com a cabeça e entrou dentro do carro. Arrancou e assim que começou a girar o volante voltou a sentir dificuldade em manter a direcção, voltou a ouvir o ruído, mas insistiu colocando mais força nos braços e ao voltar a conseguir meter o Sporting no rumo certo lá pensou “Filha da mãe…Duque não é? Vamos lá ver o que tu vales!”
*às quartas, o Leão de Plástico passa-se da marmita e vira do avesso a cozinha da Tasca
29 Outubro, 2014 at 23:51
Pá, isto merece um prêmio Nobel 🙂