E começa outra vez. Aquele frio na barriga, aquela constante procura por novidades. O olhar para o relógio, fazer planos antecipadamente, prever a que horas tem de se sair do trabalho para chegar a tempo. Prever o onze, lamentar a ausência de Nani, pensar que talvez não seja mau para o grupo. E a esperança, sempre a teimosa esperança que tem guiado este clube além fronteiras desde os primeiros dias da sua fundação. Ela é que vai entrar também amanhã, diluída entre as listas verdes e os corações da bancada.

Hora do jogo. Roer as unhas, abrir uma cerveja, soprar com toda a força para o cachecol e, mesmo sabendo que estamos num clima civilizado, sentir que estamos a enlouquecer lentamente de nervosismo. Não lamento nada este sentimento. Só eu sei o que me custou não ver um jogo europeu a temporada passada. É um tremer suave, que nos impede de responder a tempo a perguntas, que nos impede de pensar ou viver alguma coisa exterior ao Sporting durante aquelas duas horas. “Chiiiu, falem mais baixo”. Em Londres milhares de leões fazem questão de mostrar aos ingleses como se anima uns estádio, dentro e fora do relvado. E depois a maldita matemática. Quanto está o Shalke? Perguntam alguns. Está na mesma, temos mesmo de marcar. O relógio avança e tudo o que queremos é gritar o golo que nos vai lançar para os oitavos da competição mais importante do mundo.

Este é o filme que faço para o jogo de amanhã. Um filme que milhões de leões vivem igual ao meu, com os mesmos sentimentos e com a mesma intensidade. Manter acesa a Champions é importante por vários motivos. O primeiro e mais óbvio é a questão financeira. Seria essencial para a reorganização do Sporting que os milhões continuassem a entrar. Neste momento já temos qualquer coisa como 12 milhões de euros (excluindo os encaixes de bilheteira, os direitos televisivos e as vendas de merchandising associadas). A passagem aos oitavos significa mais quatro milhões em caixa e mais uma casa completamente lotada.
Depois temos a questão desportiva. Os jogadores, treinadores e direcção, toda a gente quer estar envolvida na melhor competição de clubes. É prestigiante para o clube bater-se com os melhores, valorizar os seus activos e mostrar-se de novo ao mundo. O Sporting sempre provou ser uma equipa aguerrida, que nos orgulhou muitas vezes em estádios que eram para muitos impossíveis. A passagem aos oitavos é nada mais nada menos do que fazer parte das 16 melhores equipas do mundo. Isso mesmo, pesado não é?
Por fim, calar muitas das pessoas que disseram, no início desta temporada “É com estes jogadores que o Sporting vai jogar na Champions?”. Sim, é com estes mesmo. Os baratinhos, a preço de saldo, sem ordenados de estrela e com a nossa formação. São esses mesmo que vão honrar a camisola mais bonita do mundo. E honraram mesmo. Não fosse o dito penalty na Alemanha e neste momento estaríamos mais que apurados, com toda a justiça.

Mas e se… Formos mandados para a Liga Europa?
Aqui está o problema de ser sportinguista neste momento. Não acredito que amanhã alguém torça pela nossa derrota, claro que não acredito. Mas ser sportinguista nesta competição é algo confuso e quase esquizofrénico. Por um lado, queremos tudo o que já referi. Por outro, não fazemos ideia de como nos comportar numa competição que não podemos vencer. É um facto, não podemos ganhar a Liga dos Campeões e a Liga Europa está perfeitamente ao nosso alcance. É um facto que queremos jogar com os melhores, mas estamos habituados a ser melhores que 90% dos nossos adversários. Será que aguentamos jogos em contra ataque, quase sempre com o coração? Ou preferíamos a tranquilidade de uma passeio a uma qualquer equipa de Leste? Será que a moral dos nossos jogadores cresce a cada vitória na Liga Europa ou a cada derrota na Champions? A Liga Europa traria apenas o prestígio desportivo e seria uma grande oportunidade de trazer a glória europeia que tem escapado ao clube desde há alguns anos. Não existe dinheiro, só estádios lotados. Não existe o hino nem os grandes craques a pisarem o relvado de Alvalade. Existe apenas a crescente expectativa de que nos aproximamos da final a cada passo.

Aconteça o que acontecer, o Sporting mantém-se na Europa sendo uma equipa de 3º pote. Cumpre a sua obrigação e o objectivo traçado no princípio da época. Depois disso, onde for jogar… nós vamos lá estar.

 

*às terças, a Maria Ribeiro mostra que há petiscos que ficam mais apurados quando preparados por uma Leoa