Olá. O meu nome é Pedro e deixei Portugal há 37 anos. O meu pai encantou-se por uma loura de olhos verdes e, diga-se de passagem, teve um bom gosto do catano. Acontece que essa loura de olhos verdes, a minha mãe, que hoje está um bocadinho menos loura com a idade, era neozelandesa. Isso. Tinha raízes no outro lado do mundo, tão diferentes e tão distantes que quando, depois de uma noitada de namorados (poupem-me os pormenores), o meu pai lhe dizia «querida, é meio-dia» ela acordava sobressaltada porque tinha voltado a esquecer-se de ligar aos seus pais e «a esta hora eles já estão a dormir». Ora os meus avós pais do meu pai, morreram cedo. Acho que os vi ainda mal abria os olhos, naquele ano de 77 que dizem que foi uma maravilha e que nasceram Pedros e Ruis e Miguéis e Anas e Cláudias e Ritas com fartura. O meu pai pensou, pensou, deu um enorme abraço ao irmão e meteu-nos aos dois num avião. Aos três, melhor dizendo, porque eu vinha ao colo da minha mãe, deixando uma capital chamada Lisboa rumo a uma capital chamada Wellington.
Por esta altura deves já ter-te questionado sobre o porquê de estar a escrever-te. És capaz, até, de ter bufado com enfado, uma espécie de «mas o que é que eu tenho a ver com a tua história?!?». Ok, vamos lá: tu e eu temos algo em comum. Sim, somos portugueses, mas, mais do que isso, somos Sportinguistas! E se soubesses o orgulho que eu tenho em dizer-te isto… Não sei quantas vezes agradeci ao meu pai o facto de ele nunca ter deixado de alimentar a chama em relação a estas duas paixões: o país e o clube. Falo e escrevo português fluentemente e sou doente pelo Sporting! Sabes, tenho uma fotografia que anda sempre comigo. Tens uns tons meio violeta, porque naquela época fotografava-se em filme e o filme tinha esse tom algures entre o sépia e o sol do final do dia. Ora, contava-te eu, tenho uma foto que anda sempre comigo e que, atrás, tem escrito: «Em 1982 foste o único a perceber o meu abraço». Nessa foto, o meu pai e eu estamos com uma camisola do Sporting. Quer dizer, são camisolas de lã, verdes e brancas, com um lindo Leão Rampante estampado. O meu pai tem uma grande bandeira verde e branca na mão e, contou-me ele pelo menos umas 358 vezes, usava um bigode como o do Meszaros. Nesse ano o Sporting foi campeão e parece que jogava muito à bola. Depois… depois foram muitos anos sem ganhar.
És capaz de ter sentido mais do que eu esse vazio de conquistas. Ou talvez não. Tu tinhas colegas de escola com quem falar, tinhas outros com quem gozavas e por quem eras gozado. E estavas perto. Eu estava no outro lado do mundo, num país onde o desporto preferido se disputa com uma bola oval que se mete debaixo do braço (sim, obviamente que eu aprendi a jogar rugby e tenho um polo dos all blacks). A única pessoa com quem eu falava sobre o Sporting era com o meu pai. Ele contava-me tudo e não imaginas a festa que era quando chegavam as encomendas enviadas pelo meu tio. Jornais com notícias que para um puto da minha idade continuavam sempre frescas. Eu deixava o meu pai lê-las, ia aprendendo a ler e, no final, recortava tudo o que tinha a ver com o Sporting. Essas eram as minhas cadernetas, ou achas que eu tinha os paninis como tu? Recortes, recortes e mais recortes. Do futebol e de tudo o resto. Hóquei, atletismo, basquetebol, andebol. Sabia tanta coisa que, a partir de determinada altura, passei a jogar quizz leoninos com o meu pai. Ele olhava para mim, orgulhoso, de cada vez que eu acertava. E contava ao meu tio, por telefone, o quão Sportinguista era o puto, mesmo a milhares de quilómetros de Alvalade.
A propósito, eu nunca entrei em Alvalade. Nem no antigo, nem no novo. Sonhei jogar lá. Tantas e tantas vezes. Então no dia em que o meu pai mandou vir um equipamento de Portugal… nunca mais hei-de esquecer-me. Foi quando fiz dez anos. Caramba… tão longe e tão perto, eu um puto charila, aos gritos, a enfiar camisola, calções e meias, mais uns ténis e a levar todo o dia assim equipado no meio de pessoas que sorriam no seu desconhecimento. Outras perguntavam-me se era do Celtic, porque o que não faltam por aqui são gentes de descendência britânica, e eu berrava que era do Sporting de Portugal! E chutava a bola, para trás, para a frente, contra paredes e para o céu, orgulhoso daquela minha segunda pele que fiz birra para despir quando chegou a hora de tomar banho (obviamente que cheguei a dormir equipado, mas com o equipamento lavado). E já que te falo em festas de anos, eu nunca tive um daqueles bolos de aniversário com jogadores do Sporting feitos de borracha. Nem nunca tive amigos que dissessem que não queriam comer do meu bolo porque eu tinha enfiado um berlinde na baliza do benfica. O mais perto que eu estive disso foi, já adolescente, no ano em que pedi um bolo que fosse um campo de futebol e lá espetei o meu onze do Sporting feito de bonecos do Subutteo! Também não cresci a trocar picardias nos tampos da secretária da escola, com colegas de outros clubes. Só recados a miúdas giras (pelo menos para mim). Ao domingo usava o cachecol (tenho uma colecção de cachecóis do Sporting que há ultrapassou os 60, muito por culpa do meu tio e do meu primo, que estão em Portugal), mas não ia ao estádio. Ouvia na rádio, algumas vezes com o relato a chegar pelo telefone e o meu pai e o meu tio aos gritos. Depois começámos a conseguir ver alguns jogos, quando o meu pai comprou uma antena parabólica que apanhava canais do mundo todo. Depois veio a internet e os jogos em streaming. Facilitou tudo e aproximou-me, ainda mais, do nosso Sporting.
Dizia-te eu que tenho um primo e é com ele que mais vezes partilho esta paixão (claro que não o abracei naquela inesquecível tarde em que voltámos a ser campeões, mas eu e o meu pai andámos feitos loucos a festejar e a apitar pelas ruas de uma cidade que sorria à nossa passagem). Quer dizer, agora com os blogues e com o facebook o mais certo é ter-me cruzado e conversado contigo, mas tem sido o meu primo a fazer a ponte. No final de semana passado, quando o Sporting jogou com o Rio Ave, falávamos do porquê dos jogos serem todos à noite, do frio, da chuva, daquelas memórias que são minhas sem nunca tê-las vivido de bancadas cheias à luz do sol, pintadas de verde e branco por gentes de todas as idades. Foi quando ele me disse «meu, para a semana o jogo é às 16h! um domingo à tarde! e vai estar sol!». “Caraças, o estádio vai estar cheio!”, respondi-lhe eu. «Hmmm, não sei», responde-me ele, que lá vai de 15 em 15 dias e leva o filho, meu afilhado, a quem eu ofereci uma gamebox para poder rugir no meu lugar. «Não percebo este pessoal, mas arranja sempre uma desculpa para faltar. Devemos ter uns 40 mil, o que já é fixe».
Eu fiz uma pausa. Abri o site do Sporting, introduzi os meus dados de sócio e comecei a comprar. Um, dois, três, quatro, cinco bilhetes, que o meu primo e o meu sobrinho vão ter que mudar de lugar por uma semana. Depois, comprei as passagens de avião. «Estás a gozar?!?», perguntava-me ele, atónito. Não, não estava. Tanto não estava que te escrevo estas palavras no avião, a caminho de Portugal. Vão ser cerca de 23 horas de viagem e sinto-me como uma criança. Mais do que a minha filha de seis anos, que vem a meu lado (também eu me encantei por uma loura de olhos verdes, claro). E bem mais acordado do que o meu pai, que dorme na lugar ao lado. Não vejo a hora de entrar em território português e, aqui de cima, ver o nosso estádio. Só de pensar fico com um nó na garganta. E duvido que não me venham as lágrimas ao olhos quando, no domingo, com a minha camisola nova que me inscreve o nome num sonho chamado pavilhão, me sentar no meu lugar. Em Alvalade.
Sabes, quando eu era mais pequeno, principalmente quando estava zangado, perguntava muitas vezes ao meu pai porque raio é que ele tinha ido para a Nova Zelândia. Ele respondia-me, invariavelmente, «fiz o que o meu coração me disse para fazer. Tu, um dia, vais perceber e vais ver que tudo faz mais sentido assim». Faz, faz mesmo. Espero que outros cinquenta mil corações pensem como o meu. E que vocês os escutem.
* texto dedicado a todos os que amam o Sporting a centenas e milhares de quilómetros de distância.
24 Janeiro, 2015 at 0:34
Sou imigrante tambem. O Sporting e o meu grande amor. Como eu entendo este post.
24 Janeiro, 2015 at 1:22
Já repararam na quantidade enorme de nicks novos que apareceram neste post?
Este “Pedro” faz maravilhas!
24 Janeiro, 2015 at 6:49
O meu não é novo foi é recauchutado…..
24 Janeiro, 2015 at 6:50
O pc foi buscar o antigo eh eh eh
24 Janeiro, 2015 at 2:16
Este texto simboliza na perfeição o “Ser Sporting”!!!
O resto já todos os Tasqueiro(a)s que antes de mim comentaram escalpelizaram até ao tutano…
Também eu queria ir ver este jogo, por muitas razões, mas uma em especial me andava a moer… Na época transacta, também recebemos a Académica e nesse jogo tive o prazer de ter a companhia dum antigo colega de faculdade que mora para lá de Abrantes e que sendo Sportinguista nunca tinha ido ver um jogo a Alvalade, nem no estádio antigo nem no actual… Quis o destino que não vencessemos essa partida, empatámos… E para pior ainda apanhamos aqueles “adeptos maldizentes do SCP”…
Nesta época de 2014/15 quis a “sorte” que iniciassemos o nosso trajecto em Coimbra e… mais uma vez não vencemos… Ficou 1-1…
Mas, desde há uns dias para cá que andava com aquela vontade de voltar a NOSSA casa, e com uma sensação que tal se iria concretizar, eis que hoje ao chegar ao café uma senhora (sportinguista a quem há uns anos atrás ofereci um cachecol das ‘mulheres com garra’) vira-se para mim e pergunta-me:
Então, no domingo vamos a Alvalade? … e respondo eu,
– Eu bem que gostava mas, tá dificil… e vai ela, e depois de remexer na mala,
Mas eu já tenho os bilhetes!!! Queres vir comigo?… Bem, vocês nem queiram saber o que senti… E respondi: – Claro que vou!
Mais, passadas algumas horas recebo um telefonema desse meu colega que tinha ido pela primeira vez a Alvalade no jogo com a Académica há cerca de um ano atrás, e questiona-me ele:
– Então pá tá tudo bem contigo? e eu: – Mais ou menos… e vai ele e lança-me :
– Olha vou ver o Sporting no Domingo, fiquei atravessado com aquele resultado da época passada, tu vais? … E depois de lhe contar o que me tinha sucedido umas horas antes, terminámos o telefonema com: – Então no Domingo pomos a conversa em dia!
E é isto, ‘Ser do Sporting’ não é só isto mas também …
E então, até Domingo Tasqueiro(a)s e Pedro, na NOSSA casa! Na NOSSA Roulotte!!!
SL
P.S. – A vida ás vezes tem cenas engraçadas, em que parece que estamos ligados por uma corrente invisivel… Eu acredito na NOSSA corrente, na NOSSA Força! Vamos SCP! Contra tudo e contra todos os que nos querem mal!
24 Janeiro, 2015 at 2:47
Orgulhoso! a chorar de alegria, porque a distancia aumenta a saudade, mas, nao, nao vou dizer o que sinto. Seria no minimo muito longo!. Apenas. PARABENS! PEDRO! e Sempre SPOOOOOORTING!!!!!
24 Janeiro, 2015 at 3:32
Parabéns és uma enorme mais valia para todos nós SPORTINGUISTAS 🙂
24 Janeiro, 2015 at 3:45
Só faço 80 km para ir ver os jogos
Tenho gamebox e vi dezenas de jogos nos ultimos 15 anos.
Tantas queixas que fiz, tantos regressos tristes mas só regressei porque fui…
Nunca estamos contentes…
Domingo o Pedro e familia que apareçam na roulote das “bouas” para um brinde
SPORTINGGGGGG
24 Janeiro, 2015 at 9:27
Um abraço para ti amigo…
E dá também um abraço ao pai…
SL
24 Janeiro, 2015 at 5:31
+ 1. Depois disto, espero sinceramente que a equipa ganhe e jogue bem. Obrigado pelo texto que me arrepiou. Saudaçoes Benfiquistas
24 Janeiro, 2015 at 8:06
Ontem não vim à Tasca e só agora li este magnífico texto. É emocionante.
Também sou Pedro como tu e somos quase da mesma idade, sou de 75.
Mas tenho a sorte de viver bem perto do nosso Sporting.
Um grande abraço Pedro! Vai ser brutal para ti esta experiência! Tal como foi brutal para nós o teu post!
24 Janeiro, 2015 at 10:01
é um leão em todo o seu esplendor.
24 Janeiro, 2015 at 13:11
Excelente descrição do que é ser SPORTINGUISTA,somos únicos e imcomparáveis.
Feliz viagem e que muitos façam o mesmo…
SL
24 Janeiro, 2015 at 13:35
Depois de ler, mais um motivo continuar a ser o 40126 e para a minha menina ser a 103879! E tu, que numero és?
25 Janeiro, 2015 at 2:22
sou o 101370 porque?
SL
24 Janeiro, 2015 at 13:57
Gaita óh Pedro, isto não se faz.
Deste cabo de mim. Completamente!!
Grande Abraço
25 Janeiro, 2015 at 1:34
Isto não é só de quem ama Sporting, mas sim de quem ama o futebol. Eu como benfiquista, admiro este amor. Parabéns a este sportinguista.
25 Janeiro, 2015 at 13:47
Meu Deus, as lágrimas que este texto me deu…lindo lindo lindo!!
A todos os sportinguistas fora de Portugal, as minhas saudações!! Fazer parte deste clube e desta massa não se explica.
Roubando um slogan de outra clube…: “MAIS QUE UM CLUBE!” :’)
SL
25 Janeiro, 2015 at 21:51
Brutal, muito bom.
SL, de Cantao, China
26 Janeiro, 2015 at 9:17
Acho que este texto devia estar inscrito numa lápide ao lado das outras que estão no nosso estádio…
26 Janeiro, 2015 at 11:57
Incrível seria que a Senhora sua mãe se chamasse Susan (Friars?) e o Senhor seu pai Valdemar. Conheci-a no início dos anos 70: foi minha professora no Queen Elizabeth School e o jovem casal tornou-se amigo da minha família, porque fazíamos férias em Cascais, onde eles moravam.
26 Janeiro, 2015 at 12:28
Bem…está simplesmente lindo. Obrigado pelo texto e por tudo o que despertou em mim. SL
Ricardo